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Cidade dividida entre a alegria do Rock in Rio e tiros na Rocinha

Enquanto turistas e amantes da música celebravam o sucesso e o alto-astral do festival, moradores da favela viveram o inferno com a guerra do tráfico

Por Luna Vale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 25 set 2017, 20h12 - Publicado em 22 set 2017, 10h46
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  • No primeiro fim de semana da sétima edição do Rock in Rio, os cariocas tinham bons motivos para varrer para longe o baixo-astral que tomou a cidade nos últimos meses. Entre sexta (15) e domingo (17), a ocupação média dos hotéis, segundo o escritório local da Associação Brasileira de Hotéis (Abih-RJ), bateu em 75%, com áreas como Leblon e Ipanema cravando 85% — a média dos fins de semana tem rondado esquálidos 30%. O faturamento nos bares e restaurantes aumentou 15%, conforme os dados do Sindicato dos Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro (SindRio). Uma caminhada pela orla ou por outros pontos de concentração de turistas, como as ruas de Ipanema ou a Lagoa Rodrigo de Freitas, era capaz de relembrar a efervescência do Rio de pouco tempo atrás, mais precisamente o período festivo que antecedeu a Copa do Mundo e a Olimpíada, quando a metrópole pulsava de entusiasmo com seu futuro.

    No domingo pela manhã, enquanto as praias começavam a lotar de turistas e locais, cenas exibidas pela internet também provocaram sensação de déjà-vu. Dessa vez, entretanto, a recordação era bem desagradável. As imagens remetiam ao que os cariocas viveram de pior durante os anos 90. Bandos de traficantes em disputa por território na favela da Rocinha travaram um violento confronto durante a madrugada e o início da manhã, em verdadeira batalha campal, deixando um rastro de destruição que mais lembrava as ruas da ci­dade de Aleppo, epicentro da guerra civil na Síria. Câmeras de vigilância chegaram a flagrar carros com os bandidos em fuga cruzando à frente de viaturas com policiais impotentes. Resultado da lambança dos bandidos, que se estendeu pelos dias seguintes na comunidade em São Conrado: quatro mortes, fechamento do túnel Zuzu Angel, da Autoestrada Lagoa-Barra, da Estação São Conrado do metrô, de cinco postos de saúde, de seis unidades de ensino e de vários pontos comerciais da região. O governador Luiz Fernando Pezão ficou até quarta-feira encastelado em seu gabinete, em absoluto mutismo. Ao comentar o assunto, disse que a polícia agiu corretamente ao não partir para o confronto e que manteve operações no local sem a necessidade do apoio das Forças Armadas que estão no Rio.

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    Marcas da fuzilaria na Rua do Valão, na Rocinha (Fabio Guimaraes/Agência O Globo)

    O choque entre duas realidades revela a condição de uma metrópole acometida por transtorno bipolar. Depois de meses mergulhado em uma crise sem precedentes, o Rio experimentou a primeira chance de respirar com um evento de grande porte. Desde abril, os ingressos já estavam esgotados e se sabia que quase sete em cada dez deles haviam sido vendidos a pessoas de fora da cidade. A previsão é que, juntos, os dois fins de semana catapultem a ocupação dos hotéis a 78%, o mesmo impacto verificado no Carnaval deste ano. O dinheiro que deve entrar nos cofres públicos e privados é da ordem de 1,4 bilhão de reais, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV). Quem estava no Parque Olímpico e não soube do ocorrido na Rocinha era só elogios ao que via. O arquiteto paraense Felipe Quino se impressionou com a cidade. “Ao vivo é muito melhor do que eu ouvia falar. Não me senti inseguro, fui à praia, circulei sempre muito tranquilo”, disse. Era o oposto do terror excruciante que reinou no morro da Zona Sul. “Dei sorte, estava me preparando para sair quando começou a fuzilaria. Foi mais de uma hora de tiro, e tinha certeza de que o carro ia estar todo furado”, contou o motorista de táxi Flábio Nascimento Souza, que teve o Fiat Siena crivado de mais de cinquenta balas na Rua do Valão, no miolo da Rocinha. Nos arredores do local, conforme constatação da reportagem do jornal O Globo, existe até uma pichação em um muro: “Por favor olhe antes de atirar. Moradores pedem paz”.

    rock in rio
    Felipe Quino e suas amigas de Belém curtem o Rock in Rio: só elogios (Maria De La Gala/Veja Rio)

    Até o meio da semana, o governador Pezão, o prefeito Marcelo Crivella e várias outras autoridades tinham presença confirmada no lançamento do calendário de eventos Rio de Janeiro a Janeiro, marcado para domingo (24) no Parque Olímpico. Trata-se de uma proposta para oxigenar o turismo carioca concebida por empresários e especialistas do setor. O lugar da cerimônia foi escolhido para coincidir com o encerramento do Rock in Rio, e a simples existência da iniciativa é mais do que louvável. No entanto, boas intenções não vão trazer resultados enquanto vivermos no “purgatório da beleza e do caos”, como cantou, no hit Rio 40 Graus, Fernanda Abreu, uma das atrações do festival.

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