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Rico acervo da Cinemateca do MAM vai para novo centro de conservação

Fotos de Clark Gable e cartas de Stanley Kubrick e Luis Buñuel estão entre os mais de 2,5 milhões de relíquias que serão transferidas para novo local

Por Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 14 ago 2020, 21h45 - Publicado em 14 ago 2020, 06h00
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  • “Versão brasileira, Herbert Richers”, anunciava a voz empostada no começo dos filmes vertidos para o português pelo maior estúdio de dublagem que o Brasil já teve, extinto com a morte de seu fundador, em 2009. Seis anos mais tarde, quando a sede da empresa na Tijuca teve o terreno vendido a uma igreja, os novos donos encontraram no local fitas, documentos e outros pertences do antigo proprietário – o próprio Herbert, que começou a trabalhar com cinema em 1946, quando Walt Disney o chamou para ser cinegrafista de um documentário filmado no Rio, além de ter produzido e narrado centenas de filmes nas décadas seguintes.

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    O material abandonado era ouro em pó para a Cinemateca do MAM, que providenciou oito viagens de caminhão para remover os itens e incorporá-los ao acervo, após um longo processo de pesquisa e catalogação. A história é só mais uma na trajetória da instituição que abriga mais de 2,5 milhões de peças do mundo do cinema e que ganhará, em setembro, um novo centro de conservação. “Estamos falando da maior coleção do gênero no país. Precisamos preservar esse tesouro”, ressalta Fabio Szwarcwald, diretor do MAM.

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    Raridades guardadas: mais de 20 000 cartazes de filmes, como O Circo e Frankenstein, estão no arquivo (Leo Lemos/Divulgação)

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    Vinte pessoas compõem a força-tarefa que trabalha desde novembro de 2019 nos preparativos da mudança, que tem previsão de ser concluída até dezembro. Localizado na Rua do Senado, o novo centro de conservação vai alojar quase todo o acervo da entidade. Livros, câmeras e outras peças que contam a história do cinema serão organizados em dois imóveis. Em um dos prédios ficarão a coleção de equipamentos, a central técnica e a sala de consultas, aberta ao público.

    O outro edifício, com vigas de aço reforçadas para suportar o peso, receberá negativos, revistas e objetos usados em filmes nacionais e estrangeiros. No lugar do ar-condicionado central, cada sala terá o próprio sistema de refrigeração, de acordo com o tipo de material abrigado.

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    Negativos de acetato precisam, por exemplo, de temperatura ambiente de 10 graus para sua preservação, enquanto recortes de jornal se tornam quebradiços se mantidos em locais muito frios. “A Cinemateca do MAM é um espaço fundamental, sobretudo hoje, quando a produção audiovisual tem aumentado não só na quantidade, mas na qualidade”, diz Marcos Santuario, curador do Festival de Cinema de Gramado.

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    Uma lanterna mágica inglesa de 1895, com um jogo de placas de vidro que contam a tradicional história do conto de fadas francês A Bela e a Fera, é um dos tesouros do acervo do MAM que está de mudança. A instituição guarda também uma cópia do mais antigo filme brasileiro preservado, Reminiscências, rodado em 1909 por Aristides Junqueira, além de um exemplar publicado há 94 anos de Le Cinématographe vu de l’Etna, de Jean Epstein – livro que nem a Biblioteca Nacional da França tem. No rol de preciosidades acha-se ainda um cartaz do filme O Circo, lançado por Chaplin em 1928.

    A coleção de cartazes, aliás, compõe um capítulo à parte. São mais de 20 000, dividindo espaço com fotos originais de Clark Gable e Greta Garbo e cartas trocadas pelo museu com Stanley Kubrick e Luis Buñuel na década de 60.

    As preciosidades incluem ainda o roteiro original de Deus e o Diabo na Terra do Sol e outro, inédito, sobre o Massacre de Canudos, encomendado por Ruy Guerra e assinado por Mario Vargas Llosa. O projeto do filme nunca saiu do papel, mas acabou inspirando o escritor peruano, laureado com o Nobel de Literatura, em A Guerra do Fim do Mundo, livro de 1981 que conta a história do conflito no interior do sertão baiano.

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    Conservador-chefe da instituição, Hernani Heffner lembra com orgulho da visita de Céline Ruivo, diretora da Cinemateca Francesa, em 2018. “Ela ficou surpresa com o fato de uma equipe de sete pessoas administrar um acervo tão grande e bem cuidado. Tudo aqui é fruto de regularidade na coleta e boa catalogação dos itens”, frisa Hernani.

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    A inauguração do centro é um momento de alívio cômico no enredo épico com toques de terror que tem sido a preservação da memória do cinema nacional. O maior exemplo é a situação atual de outra cinemateca, a Brasileira, criada em 1949 e sediada em São Paulo, com acervo de 1 milhão de peças (seu comando chegou a ser prometido a Regina Duarte após sua rápida passagem pela Secretaria Especial de Cultura).

    Em dezembro, o governo federal cancelou o contrato com a associação que cuidava da instituição e não enviou o repasse de 12 milhões de reais previsto para 2020. Salários e contas atrasadas foram algumas consequências da medida, que resultou em uma ação do Ministério Público contra a União. No Rio, o Tempo Glauber fechou as portas em 2017, após ser despejado do casarão onde funcionava em Botafogo, que pertencia ao INSS.

    À época, a coleção com a primeira filmadora, máquina de escrever e outros itens do cineasta baiano foi enviada justamente para o espaço paulistano, que hoje tem futuro incerto. “Não existe uma política pública voltada para cuidar da memória do cinema no Brasil”, lamenta Alice Gonzaga, responsável pelo Arquivo Cinédia, produtora consagrada pelas chanchadas dos anos 1930 e 1940.

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    Criada em 1955, a Cinemateca do MAM se diferencia por um acervo com itens não só antigos como de diversas partes do mundo, fruto do trabalho de críticos de cinema que ajudaram na montagem desde sua inauguração. Tal característica a aproxima de organizações como a já citada Cinemateca Francesa – cuja coleção, iniciada em 1936, reúne 40 000 vídeos – e a Film Library do MoMa, em Nova York, que é um ano mais nova e abriga a maior coleção de filmes tropicalistas brasileiros. Inicialmente focada na formação do público, a entidade carioca se dedicou à busca de curtas e longas brasileiros perdidos na década de 80, e já cresceu em crises passadas.

    Quando Collor fechou a Embrafilme, em 1990, o espaço foi o destino de 20 000 latas com cópias de obras e milhares de outros itens. Quase trinta anos depois, o trabalho de referência mantido mesmo no cenário adverso pelo MAM e por demais instituições brasileiras fez com que o país recebesse em 2020 o prêmio anual da Federação Internacional de Arquivos de Filmes (Fiaf), na figura do cineasta Walter Salles. “É muito emocionante saber que a Cinemateca do MAM está abrindo esse novo centro, que garantirá a boa preservação da herança única do cinema no Brasil”, pontua o suíço Frédéric Maire, presidente da Fiaf. Que o final feliz dure para sempre.

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    Um exemplo de acervo

    A coleção da Cinemateca do MAM reúne mais de 2,5 milhões de peças

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    Clark Gable: Em um dos registros guardados pela cinemateca, de 1950, o ator e sua esposa, Sylvia Ashley, enfeitam-se à moda havaiana ao chegarem a Honolulu para a lua de mel (MAM/Divulgação)
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    Les Enfants Terribles O romance foi publicado em 1929 pelo francês Jean Cocteau e inspirou o filme de mesmo nome, dirigido vinte anos depois pelo cineasta Jean-Pierre Melville (MAM/Divulgação)
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    …E o Vento Levou: O panfleto anunciava a estreia do filme em dois cinemas no Rio, em Madureira e Vaz Lobo. No detalhe, a lápis, uma anotação de seu antigo dono: “Assisti esse filme com a Gabriela (MAM/Divulgação)

     

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    Ídolos da tela: O álbum de figurinhas está completo e reúne adesivos das principais estrelas das telas na década de 50, conhecida como a Era de Ouro do cinema americano (MAM/Divulgação)
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    Completo: álbum com as principais estrelas do cinema na década de 50 (Acervo MAM/Reprodução)

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    Lanterna mágica: O equipamento é inglês e data de 1895. Precursor dos projetores modernos, possui um jogo de placas de vidro (abaixo) que revela o enredo do conto de fadas A Bela e a Fera (Leo Lemos/Divulgação)
    A Bela e A Fera
    A Bela e a Fera: tradicional história francesa foi pintada sobre vidro (Acervo MAM/Reprodução)

     

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    Deus e o Diabo na Terra do Sol O livro da produção mostra os detalhes das filmagens realizadas em 1964 e dirigidas pelo cineasta Glauber Rocha, que também assina a trilha sonora, lançada em disco (Leo Lemos/Divulgação)
    Livro de produção Glauber Rocha
    Livro de produção: detalhes das gravações feitas por Glauber Rocha em 1964 (Acervo MAM/Reprodução)
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