Colagem volta atrair artistas, ganha novos adeptos e invade as redes
Desenvolvida por ícones cubistas, as montagens estão fazendo sucesso na pandemia
Em dezembro de 1912, em uma de tantas experimentações em seu elétrico ateliê em Paris, Pablo Picasso decidiu acrescentar materiais não convencionais a suas obras. Pedaços de jornais, rótulos de garrafas, tiras de couro, embalagens de cigarro e até mesmo desenhos antigos seriam utilizados para acrescentar diferentes formas e texturas às telas. Foi dado aí um passo relevante no movimento cubista, do qual Picasso e Georges Braque são expoentes, e a colagem, brincadeira de criança, ganhou assim novo patamar.
Lida e relida ao longo dos tempos, a técnica agora é feita com o auxílio de ferramentas digitais, compartilhada nas redes sociais e voltou a mobilizar artistas e amadores. “O nascimento da colagem está ligado à transgressão. O artista se apropria de imagens para fazer o resgate de uma memória de maneira inusitada”, reflete o colagista (esse é o termo) Mauricio Planel, que teve quatro de suas obras selecionadas entre os melhores trabalhos latino-americanos de ilustração em 2019.
A redescoberta da colagem – tanto por profissionais quanto por um grupo crescente de amadores – vem se pronunciando há algum tempo e teve novo impulso na pandemia, quando atividades manuais se mostraram uma boa forma de terapia.
Em 2018, surgiu a Sociedade Brasileira de Colagem, à qual pertence Planel. Uruguaio radicado no Rio, ele se conecta com entusiastas de todo o país, em um coletivo criado por três amigos, com o objetivo de disseminar conhecimento teórico e prático a pessoas de interesses variados, artistas ou não. “Nossa missão é difundir as várias técnicas e divulgar os trabalhos que estão ganhando vulto no Rio e no Brasil”, explica o carioca Paulo Victor PV Tavares, cofundador do grupo ao lado de Sacha Senger e Fabiana Lopes.
Há muitas instituições de relevância internacional envolvidas na propagação dessa expressão artística, como a prestigiada revista de arte canadense Kolaj Magazine. A publicação, trimestral, foi lançada em 2012 pela galeria Maison Kasini, em Montreal, para abordar a colagem contemporânea. “É uma arte com caráter democrático, que pode ser feita por qualquer um”, define a estudante Mayara Marques, 22 anos. “É interessante que agora a colagem esteja difundida. No início, em 2017, não era fácil conseguir tanta informação”, lembra a jovem, que contabiliza quase 4 000 seguidores, que entram no Instagram para apreciar e comprar suas obras.
+Para receber VEJA Rio em casa, clique aqui
A vantagem para quem quer se embrenhar no admirável universo da colagem é não precisar dispor de grandes habilidades, como saber pintar ou desenhar. Mas calma lá: engana-se quem pensa que não há teoria por trás do corte e cole. Há dois anos à frente do curso Colagem como Forma de Pensamento, oferecido pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage, o professor Pedro Varela explica: “Refletimos muito sobre o impacto que a edição de imagens iniciada lá atrás por Picasso e Braque teve na arte contemporânea”, diz o artista, que agora está dando aulas a distância.
Um século depois de o cubismo elevar a colagem, hoje exibida em telas penduradas nos melhores museus do planeta, ela também pode ser vista em aberturas de filmes e novelas, ilustrando capas de livros, dando graça às onipresentes redes sociais – e assim segue se reinventando.