Uma espessa névoa cobria a Baía de Guanabara e o mar batia forte. Apesar do tempo instável e do céu cinzento, a temperatura beirava os 30 graus. No último dia 10, oito pessoas, acomodadas em um barco de 28 pés, zarparam do Iate Clube, na Urca, em direção às ilhas da costa carioca para uma missão incomum. Munido de caniços dotados de anzóis especiais, puçás e um reservatório de água salgada, o grupo tinha como objetivo trazer os primeiros espécimes que habitarão o Aquário Marinho do Rio, o AquaRio, com inauguração prevista para o primeiro semestre de 2016, na Zona Portuária. Depois de quase uma hora de navegação em mar aberto, as linhas começaram a ser lançadas ao largo da Ilha Comprida, no Arquipélago das Cagarras, a 5 quilômetros do continente. O morador número 1 dos futuros tanques de acrílico, um pequeno xerelete, foi fisgado pelo pescador Jaime Garcia, 63 anos, praticante da modalidade oceânica. O peixe foi rapidamente tirado da água e colocado no reservatório de plástico instalado no barco. Desenxabido e muito estressado, ele ganhou o nome de Amuado. Na sequência, foram capturados jaguareçás (peixes avermelhados que vivem em tocas nas rochas e costões) e cocorocas-boca-de-fogo, comuns no litoral fluminense. Dois dias depois, a equipe seguiu para uma nova missão, desta vez em Itaipuaçu, distrito de Maricá. Ao longo das ilhas da região, foram pescados mais treze animais, entre linguados, olhos-de-cão, siris e arraias.
Com as duas expedições-teste, acompanhadas por VEJA RIO, a nova atração da cidade, enfim, começa a ganhar vida. O xerelete Amuado, as arraias (uma delas batizada de Cláudia) e os demais peixes passarão a viver em reservatórios de quarentena até ser transferidos para os tanques definitivos. “Depois de anos trabalhando no projeto, esse é o pontapé inicial para a existência de fato do aquário”, comemora o biólogo Marcelo Szpilman, 54 anos, idealizador e diretor-presidente do AquaRio. Apontado como o maior aquário da América do Sul, o prédio de mais de 100 anos, que já foi um frigorífico, reunirá 8 000 animais de 350 espécies. Como o foco principal está nos ecossistemas do litoral brasileiro, 95% dos peixes virão de nossa costa. Mas isso não significa que não haverá espaço para exemplares exóticos. Uma ala da instituição será reservada a animais marinhos trazidos do Caribe e da região em que o Oceano Índico encontra o Pacífico, famosa pelos corais multicoloridos e peixes vistosos. Para montar o plantel, estão sendo firmadas parcerias com pescadores esportivos, como Garcia e seus colegas do Iate Clube, e profissionais de colônias do Rio. Acordos com pescadores de outros pontos da costa brasileira, sobretudo da Bahia, também constam dos planos. O AquaRio ainda terá convênios com projetos de pesquisa como o Tamar, de onde virão as tartarugas. As espécies exóticas serão compradas — entre elas está o peixe-palhaço, que ficou famoso com a animação Procurando Nemo e hoje é figura fácil nos principais criatórios de peixes ornamentais do país. “Conforme forem chegando, os animais irão para a quarentena. Ali passarão de vinte a sessenta dias, em 304 tanques especialmente montados para esse fim”, explica Szpilman.
Erguido num prédio da antiga Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem), o AquaRio chama atenção pela grandiosidade. São 26 000 metros quadrados de área construída, divididos em cinco andares, sendo que a cobertura será ocupada por restaurantes. Com 90% das obras estruturais prontas, a previsão é que os 28 tanques de visitação comecem a receber água no fim do ano. Há recintos reservados para peixes do costão rochoso, de praias arenosas, invertebrados e até uma área onde será possível tocar animais como os tubarões-lixa, conhecidos por seu comportamento dócil. Ao todo, os reservatórios terão 4,5 milhões de litros de água salgada, que equivalem aproximadamente ao conteúdo de duas piscinas olímpicas. Só o recinto oceânico possui 3,5 milhões de litros de água. É justamente esse compartimento a grande atração do lugar. Os visitantes poderão atravessá-lo por um túnel transparente localizado a 7 metros de profundidade, com os peixes e animais nadando ao redor. Uma vez cheio, o reservatório não deverá ser esvaziado pelos próximos cinquenta anos. A ideia é que os peixes cheguem ali ainda filhotes, cresçam e passem o resto de sua vida nos biomas artificiais. Para garantir o impacto e o encantamento da experiência subaquática, as placas de acrílico transparentes utilizadas como visores foram importadas dos Estados Unidos. Elas permitem a visibilidade com o mínimo de distorção. Alguns painéis pesam entre 8 e 13 toneladas e chegam a ter 28 centímetros de espessura — dimensões que exigiram que fossem içados por guindaste, através do telhado do prédio. “Estamos usando tecnologia de ponta para criar um ambiente mágico”, destaca Roberto Kreimer, diretor da Kreimer Engenharia, que incorporou o projeto e é responsável pelas obras. “O seu padrão é equiparável ao dos grandes aquários internacionais.
”Até que as portas sejam abertas no ano que vem, no embalo dos preparativos para os Jogos Olímpicos, o AquaRio terá consumido 100 milhões de reais. O terreno foi cedido pela prefeitura. A construção, a instalação e a operação ficarão a cargo da iniciativa privada. Entre os financiadores do empreendimento estão o Grupo Cataratas, que opera parques como o de Iguaçu, a empresa de transporte Bel-Tour e a Esfeco, operadora dos trens do Corcovado. “O aquário será um dos maiores atrativos turísticos não só da cidade, mas do país”, diz o executivo Fernando Duarte Menezes, representante das três empresas. Não há dúvida de que o AquaRio é o maior complexo do gênero já desenvolvido aqui, mas ele não é o primeiro. Ainda no Império, o engenheiro e paisagista francês Auguste Glaziou projetou um aquário para a Quinta da Boavista, a pedido de dom Pedro II. Algumas décadas mais tarde, o prefeito Pereira Passos (1902-1906) construiu outro, mais moderno, no Passeio Público, como parte do amplo processo de reurbanização que deu nova configuração ao Centro. Inaugurada em 1904 e demolida nos anos 1930, a estrutura tinha vinte tanques para espécies da vida marinha da Baía de Guanabara. Existiram ainda projetos para o Aterro do Flamengo e o Píer Mauá. Hoje, o maior aquário do país fica em São Paulo, com 3 000 animais de 300 espécies. Ele recentemente recebeu um casal de ursos-polares. Durante a fase de concepção e projeto do aquário carioca, biólogos e engenheiros foram buscar inspiração nos mais conceituados empreendimentos da área, entre eles o Oceanário de Lisboa, o melhor da Europa, e o Monterey Bay Aquarium, na Califórnia, o mais famoso dos Estados Unidos.
Fiel ao conceito que orienta os mais bem-sucedidos aquários internacionais, a proposta do AquaRio é ir além do encantamento. O espaço também será dedicado à educação ambiental, pesquisa e conservação de espécies. Será o primeiro no mundo a ter um sistema de captação das ovas dos peixes — geralmente elas são sugadas pelos filtros e descartadas. A ideia é, no futuro, usar a área da quarentena como um ambiente para a reprodução e berçário de animais. Ainda seguindo o padrão internacional, além do circuito tradicional, será oferecida uma programação paralela, com visitação noturna, mergulho com tubarões e visitação aos bastidores. Nesse último tour serão conhecidos o sistema de 69 bombas, capaz de filtrar toda a água do aquário em uma hora, e um túnel centenário existente no subsolo, por onde entrará água trazida por barcaças das Ilhas Cagarras para a reposição do líquido nos recintos. Além dos tanques e peixes, haverá um setor de experiência virtual, com três grutas interativas. Ali, os visitantes depararão com tecnologia de realidade aumentada, que permitirá a eles ter a sensação de pegar um peixe com a mão e vê-lo em diferentes dimensões. Como em algumas atrações da Disney, a criançada também poderá interagir com uma tartaruga digital, graças à técnica da holografia, e criar um peixe virtual. Todo o trajeto, que inclui a ossada de uma baleia jubarte suspensa, terá tratamento acústico e iluminação especial. “Tudo foi pensado para criar um clima de imersão completa na vida marinha”, conta o arquiteto Alcides Horacio Azevedo, que desenvolveu o projeto.
Instalado num ponto estratégico da revitalização do Porto, com entradas pela Via Binário e pelo futuro Boulevard da Rodrigues Alves, o aquário já nasce com planos de expansão. A intenção é que, nos próximos cinco anos, a área seja aumentada em 30% e ganhe outros tanques com animais marinhos, recintos de água doce com peixes do Pantanal e da Região Amazônica e até um espaço de águas geladas, com pinguins e lobos-marinhos. A ampliação, com um custo estimado de 40 milhões de reais, tornará o AquaRio ainda mais abrangente e aumentará a capacidade de seus tanques para 5,8 milhões de litros de água. Com isso, ele superará o aquário da Cidade do México, considerado o maior da América Latina. Por enquanto, as atenções se voltam para a conclusão das obras e a chegada de novos moradores. A ideia é que o complexo seja inaugurado com pelo menos 70% da capacidade total de animais marinhos e o restante seja introduzido já com a estrutura em operação. “Agora vamos priorizar as parcerias e, a partir de janeiro, intensificar a captura e a compra de várias espécies”, explica o biólogo Marcelo Szpilman. Nos próximos meses, ele e sua equipe terão muito que fazer, com a árdua tarefa de povoar um verdadeiro mundo submerso.