Toda quinta-feira, por volta das 20 horas, a mesa já está posta no apartamento da chef Inês Braconnot, no Leblon, com direito a um belo arranjo de flores e a Frank Sinatra, ao fundo, cantando Fly Me to the Moon. Como mandam as regras de etiqueta em um bom restaurante, taças e talheres de diversos tamanhos escoltam o prato à espera dos convivas. Para quem está na expectativa de um jantar classudo convencional, que custará 120 reais por comensal, o que vem a seguir é surpreendente. No couvert, croquete de semente de girassol germinada com casquinha de gergelim, cacau e farinha de shiitake. A sequência continua com tartelete de mandioca com cogumelos sobre abacate e brócolis marinados e tem fim com uma espécie de brownie do bem. Ao contrário da versão convencional, o quitute é feito com tâmaras, castanhas-de-caju e passas e servido com calda de cacau. Acredite: tudo o que passou por ali, além de ter apresentação impecável, é delicioso e ? melhor ainda ? extremamente saudável. Tais receitas exigiram horas de preparo e atenderam aos preceitos da raw food, braço do vegetarianismo que prega a ingestão apenas de alimentos crus ou aquecidos até 42 graus. “Quando comecei a seguir essa corrente, era tudo cortado, picado e misturado. Fazia bem à saúde, mas não havia nenhum requinte na forma de preparar ou servir”, lembra a cozinheira, que tem entre seus clientes o ator Paulo Betti e a designer Mana Bernardes.
Graças à popularização de técnicas culinárias apuradas e ao aumento da oferta de ingredientes mais apetitosos, a cozinha natural vem conquistando o paladar dos cariocas. Nada a ver com tofu grelhado, arroz integral ou carne de soja. O que vem acontecendo é a multiplicação de lugares e serviços que buscam oferecer uma alimentação rica em nutrientes, mas principalmente saborosa. É um movimento que se espalha mesmo em ambientes antes dominados pelas bolinhas de queijo ou pelas trouxinhas de pato com laranja. Às lojinhas de produtos naturais, somam-se casas de festas infantis com cardápio de comidinhas orgânicas e bufês chiques que passaram a servir menus alternativos a todo tipo de público. “Hoje em dia, em qualquer evento, é preciso ter alguma coisa vegetariana, sem glúten ou lactose. Antigamente, o pessoal dizia que isso era coisa de hippie”, afirma Anna Elisa de Castro, formada pelo Natural Gourmet Institute, em Nova York, e sócia do 3 na Cozinha. Recentemente, para a festa de uma grife em Ipanema, ela preparou receitas como bifum (para quem não sabe, trata-se de um macarrão de arroz) ao molho pesto e hamburguinho de quinoa. Pensa que alguém estranhou? “Várias convidadas vieram à cozinha me pedir a receita”, conta a chef.
Longe daqueles que transformam a abstinência de carne, leite, ovo ou alimentos cozidos em profissão de fé, essa nova geração de naturebas não é adepta de radicalismos. Pelo contrário. Os seguidores da alimentação natural não abrem mão dos prazeres da gula, do chope, dos quitutes dos botequins, de um brigadeiro de chocolate belga de vez em quando. Em compensação, aventuram-se na cozinha para preparar refeições saudáveis e têm na ponta da língua (e nas prateleiras da despensa) os mais novos lançamentos das lojinhas especializadas ou da feira de orgânicos. É um grupo que se torna cada vez mais robusto e do qual faz parte a atriz Mariana Ximenes, no ar como a vedete Aurora da novela das 6, Joia Rara, da Rede Globo. Boa de garfo, do tipo que traça sem culpa uma leitoa assada, ela sabe que não pode viver em uma eterna orgia gastronômica ? como bem mostram suas medidas invejáveis: 1,65 metro de altura e 48 quilos. Seu café da manhã ultimamente tem sido apenas um suco verde, bebida que mistura ingredientes como couve, pepino, cenoura e linhaça germinada, além de outras folhas. Em dias de gravação, ela segue uma lição que aprendeu com a colega Claudia Raia. Carrega uma marmita recheada com legumes, verduras ? todos cultivados segundo práticas sustentáveis de produção ?, peixe e, eventualmente, arroz e feijão. “Não abro mão de comer o cordeiro do Nova Capela ou os bolinhos do Bracarense. Só não faço isso sempre”, afirma. “Outro dia preparei um jantar naturebinha e até quem não era fã desse tipo de comida gostou”, revela a aspirante a chef, de 32 anos.
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Alçados ao posto de salvadores da boa forma, plantas, raízes e frutos fazem parte da nossa alimentação desde os primórdios da humanidade. À medida que os homens foram aprendendo a caçar, com lanças e facas, as proteínas ocuparam um espaço maior no cardápio. A dieta de carnes e folhas seguiu equilibrada durante séculos. Com a Revolução Industrial, no fim do século XVIII, porém, a comida industrializada começou a ganhar mercado como uma opção mais prática e adequada à rotina dos homens e mulheres que passaram a encarar longas jornadas de trabalho fora de casa. Altamente calóricos e com teores elevados de aditivos químicos, os enlatados, os congelados e as opções de fast-food não saíram mais das prateleiras dos mercados, ao mesmo tempo em que a população se tornou visivelmente mais gorda. Nos Estados Unidos, três em cada cinco pessoas (61,6%) sofrem com o sobrepeso ou a obesidade. Nós não estamos muito atrás: no Rio, esse índice é de 52,4%. Foi justamente na tentativa de exterminar esses quilos extras que começou a se desenhar no exterior, durante os anos 60, um movimento de volta às origens, com a popularização das principais correntes de alimentação natural e o desenvolvimento da agricultura orgânica. Agora esse processo chega ao seu ápice. “As pessoas nunca se preocuparam tanto com o que põem no prato. E não se trata de um modismo, mas de necessidade mesmo”, diz a nutricionista Patricia Smith.
Essa turma não gosta muito de ouvir isso, mas os agrotóxicos e fertilizantes cumprem um papel fundamental na agricultura. Sem eles, seria impossível atingir um nível de produção capaz de alimentar a população do planeta. Os orgânicos são ótimos, é cada vez mais fácil encontrá-los nas gôndolas de supermercado, em lojinhas, feiras e até restaurantes, mas comê-los ainda é um luxo. E para poucos. Eles representam apenas 1% da produção mundial, o que faz com que custem muito mais caro do que seus pares convencionais. A diferença de preço pode variar de 30% a 600%. Adepta desse tipo de alimentação, a atriz Grazi Massafera resolveu começar a própria plantação, no terreno de casa. “Além de ser um investimento na nossa saúde, a conta do supermercado fica mais em conta”, explica. Os produtores, no entanto, costumam defender a tese de que os benefícios a longo prazo superam o prejuízo financeiro. “No alimento convencional não está embutido o preço da poluição do solo, da água, do remédio que você pode vir a tomar, da intoxicação do produtor. Se colocarmos tudo isso na ponta do lápis, esse produto sairá muito mais caro”, afirma o ator Marcos Palmeira, que inaugurou o Armazém Vale das Palmeiras em fevereiro deste ano, no Leblon, para vender legumes, pães, queijos e vegetais de sua fazenda, na Serra Fluminense. Desde então, os pedidos já aumentaram 30%.
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Em certa medida, o que está acontecendo aqui é reflexo de um movimento que vem se consolidando lá fora. Nos Estados Unidos, paraíso dos hambúrgueres, tornam-se cada vez mais populares redes de fast-food, como Pret a Manger, Lyfe Kitchen e Veggie Grill, que apostam no estilo de vida verde. A ideia nesses endereços é que o cliente faça uma refeição rápida, com tudo pronto e embalado para consumo, mas sem ingerir frituras ou outros inimigos da boa forma. Foi justamente esse modelo que serviu de inspiração para o restaurante carioca Market, em Ipanema. Depois de fechar as portas por causa do preço do imóvel, ele será reaberto no mesmo bairro ainda neste mês. Nessa mesma linha, no vizinho Leblon, ao lado da Pizzaria Guanabara, será inaugurado no próximo dia 16 o Jaee, dos sócios Fred Weissmann e Maria Emanuella Severiano Ribeiro, com sessenta tipos de salada, sanduíche e suco que poderão ser incrementados com os ingredientes da moda, como a chia e o goji berry. Partindo para o universo da alta gastronomia, além de restaurantes estrelados como Oro e Le Pré Catelan, que passaram a oferecer menus vegetarianos ou light, a grande novidade será o Pomar, que chega ao Itanhangá até o fim de outubro. Para montar a casa, a chef Andrea Henrique se inspirou no Pure Food and Wine, meca da alimentação saudável em Nova York, que faz sucesso há quase uma década e atrai clientes como a atriz Katie Holmes, o jogador Tom Brady e o ex-presidente Bill Clinton. De lá trouxe a ideia de elaborar uma carta de bebidas toda orgânica, com cachaças, vinhos e drinques. “Ninguém aguenta mais tomar água com gás e comer omelete com salada fora de casa para se manter na dieta”, diz Andrea.
A maior dificuldade para aqueles que buscam esse estilo de vida muitas vezes está dentro de casa. No dia a dia, é complicado abrir mão de certos hábitos e praticidades, mas esse obstáculo está ficando mais fácil de ser vencido. Já existem inúmeros serviços de delivery ? de suco verde a açaí vivo, passando por papinhas orgânicas para crianças e congelados light, detox, vegan, sem glúten ou lactose ?, além de cursos para aqueles que querem aprender a preparar essas receitas. Um dos mais concorridos é oferecido pela nutricionista Andréa Santa Rosa em parceria com Renato Caleffi, do restaurante Le Manjue Organique, em São Paulo, e vem atraindo cozinheiras de várias famosas, como Angélica, Juliana Paes e Guilhermina Guinle. Uma das aulas de agosto, a 280 reais por pessoa, teve como tema o preparo de risotos, entre eles o de quinoa com carne de caju. Sim, carne de caju. Trata-se de um elemento recorrente na cozinha vegetariana que tem a consistência parecida com a do frango, mas nada mais é do que a fruta espremida e, depois, desfiada e cozida. “O pulo do gato é aprender a adaptar o cardápio através da substituição de alguns ingredientes por outros mais saudáveis”, afirma Caleffi. A propósito: o chef está à procura de um ponto na Zona Sul para fixar, em sociedade com Andréa e o marido, o ator e diretor Márcio Garcia, a filial carioca de seu restaurante. A ofensiva natureba está só começando.