Quando o novo coronavírus obrigou as pessoas a se isolar em casa, elas tiveram de aprender a se despir de vários hábitos, como sair para trabalhar, comer fora, ir à academia. Também no campo dos cuidados com a beleza, a rotina se revolucionou com o fechamento dos salões. Uma turma tentou resolver o problema fazendo a própria unha ou se arriscando em um corte de cabelo caseiro, em geral executado pelo mais prendado integrante da família; outra, em fase desprendida, deu adeus a ritos sem os quais jamais havia imaginado viver, entre eles pintar os fios brancos.
Pois esses estranhos tempos acabaram incentivando especialmente as mulheres a deixar a natureza se encarregar da coloração das madeixas e, assim, evitar toda a logística de esconder a brancura capilar por sua conta e risco. Aos 63 anos, a cantora Fafá de Belém apareceu pela primeira vez em público com os cabelos embranquecidos em uma recente apresentação ops, mais uma live. “Era um desejo antigo, mas não me deixavam realizar”, brinca Fafá. “A pandemia foi uma libertação nesse sentido. Estou adorando descobrir esse cabelo novo, com texturas diferentes, um fio mais alourado, outro mais escuro.”
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A opção pelo grisalho (ou o branco integral mesmo) vem ganhando cada vez mais força entre as cariocas, segundo os termômetros das redes. A busca pelo termo “cabelo brancos” no Google, por exemplo, alcançou o seu recorde histórico em junho de 2020 – o interesse subiu 43% em relação ao mesmo mês do longínquo 2019. Já a incidência da pergunta “como deixar o cabelo branco?” aumentou 350%.
Engana-se quem pensa que essa curiosidade se restringe a mulheres mais velhas. Aos 41 anos, a atriz e empresária Suzana Alves, a ex-“Tiazinha” do programa de Luciano Huck, até tentou adotar as tintas caseiras na quarentena, mas não se adaptou e resolveu fazer diferente. “Larguei o peso de ficar pintando a raiz a cada vinte dias”, celebra Suzana, que vem compartilhando na internet seu gradativo processo de transição capilar.
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As redes sociais, como não poderiam deixar de ser, se converteram em uma potente vitrine do fenômeno. Já desfilaram por lá seus fios sem tinta as atrizes Giovanna Antonelli, 44 anos, e Guta Stresser, 47, as apresentadoras Tata Werneck, 36, e Astrid Fontenelle, 59, e a cantora Preta Gil, 45, que resumiu a experiência em um post. “Amando minha mecha grisalha, não pretendo pintar por hora”, escreveu.
Não é de hoje que se vê aqui e ali uma cabeleira todinha branca e com muito orgulho, parte de um movimento maior de libertação feminina, mas a imensa maioria ainda prefere o caminho da tintura ó o que faz girar um mercado que movimenta 4 bilhões de reais por ano no Brasil. “Na nossa cultura, a juventude ainda é um valor. E isso, historicamente, recai muito mais sobre as mulheres”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, que vislumbra uma saudável mudança no horizonte. “Estamos aprendendo aos poucos a ver que a beleza se expressa das mais diversas maneiras.”
Houve, ao longo da história, momentos de glória para as vastas cabeleiras brancas. Em meados do século XVII, o rei Luís XIII, da França, passou a adotar uma volumosa peruca embranquecida para esconder a calvície precoce Foi imediatamente copiado pelos nobres de outros reinos, homens e mulheres, para quem cobrir a cabeça com esse tipo de adorno era símbolo de status. Muitos séculos depois, não é prestígio, mas um misto de experimentação e exercício do poder de escolha que impulsiona as mulheres a abandonar as tintas (feitas, aliás, à base de substância sintética cuja fórmula o químico inglês William Perkin descobriu em 1958).
Mas atenção: livrar-se dos produtos cheios de química não significa deixar de tratar os fios, ainda que em estado natural. “Sem cuidados próprios para eles, a tendência é que fiquem amarelados e mais rebeldes, uma vez que possuem uma composição celular particular”, alerta o cabeleireiro Fernando Torquatto.
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Aos 32 anos, a advogada Melina Barbosa se encontra justamente neste momento de aprender a lidar com suas recém-assumidas madeixas brancas. Desde que começou o isolamento social, ela tomou a decisão de pôr fim à era das tintas, que já tanto usou. “Foi a chance de ver como ficaria, sem medo dos olhares na rua. Talvez adote de vez o branco quando tudo isso passar”, diz. Ela serve de inspiração de mulheres que expõem seus fios na hashtag #revoluçãogrisalha, no Instagram, criada justamente para o compartilhamento de imagens de quem já aderiu.
“Deixar o cabelo branco, até pouco tempo atrás, era sinônimo de desleixo entre as próprias mulheres. Essa visão está claramente se transformando”, enfatiza a psicóloga Luiza Brasil. E viva a liberdade.
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