Trocar a rotina maçante de um escritório por agradáveis jornadas atrás do balcão de seu próprio botequim, recebendo amigos e ditando ordens à brigada de garçons, é um sonho recorrente de muitos cariocas. Não à toa, um curso sobre o assunto ministrado em parceria entre a PUC-RJ e o Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes (SindRio) teve o número de vagas duplicado neste ano, com a criação de uma nova turma. Concorridíssimas, as aulas, inicialmente planejadas para aperfeiçoar profissionais do setor, se transformaram em chamariz para pessoas que querem ganhar dinheiro com tulipas de chope e porções de petiscos ? em média, quatro em cada dez alunos se encaixam nessa categoria. No entanto, assim como acontecia com os idealistas que, no passado, trocavam os atropelos da vida moderna por uma suposta doce vida à frente de uma pousadinha, há muito de ingenuidade e desinformação entre os neófitos. Tornar-se dono de boteco é uma tarefa tão complexa como gerir qualquer outro negócio. “Quem espera ser bem-sucedido apenas com dedicação e boa vontade não vai chegar a lugar nenhum”, diz Carla Riquet, coordenadora do curso da PUC/SindRio. “É um mercado agressivo, em que não há espaço para o romantismo.”
Por cinco meses, VEJA RIO acompanhou o processo de abertura de um bar no Leblon. O objetivo era retratar a complexidade desse tipo de empreendimento. Batizado como Q, o estabelecimento tem previsão de inauguração na segunda (20) e foi criado pelos proprietários do restaurante Quadrucci. Instalado em uma antiga vidraçaria no andar térreo de um prédio residencial, o filhote fica a duas quadras de distância da casa-mãe, na própria Rua Dias Ferreira. Ambicioso, o projeto segue a linha dos botequins de luxo, também chamados de gastrobares, onde drinques elaborados dividem espaço com iguarias como bolinhos de camarão com mascarpone e coxinhas de confit de pato. Ao todo, as obras e instalações consumiram investimentos da ordem de 1,5 milhão de reais. Dados o perfil de seus proprietários e as cifras envolvidas, está longe de ser um negócio de amadores. Isso não impediu, no entanto, uma série de percalços, contratempos e atrasos ? a inauguração, prevista inicialmente para abril, demorou dois meses mais que o planejado. Antes mesmo de as obras começarem, em fevereiro, os sócios se viram em meio a desafios prosaicos, mas que deram grande dor de cabeça. Um deles: remover uma banca de jornal que estava em frente ao ponto, negociado ao custo de 500?000 reais em luvas. Apesar de ter dezesseis notificações de despejo, a banquinha seguia firme no lugar havia anos. Com a ajuda de advogados, conseguiram retirá-la depois de dois meses, não sem antes enfrentar protestos de alguns moradores ? eles acusavam os empresários de ser injustos com o jornaleiro. “Foi uma situação que beirou o surreal”, conta o sócio Eduardo Bellizzi.
Não existe nada pior para um bar do que a inimizade dos vizinhos, estopim para disputas que podem acabar nos tribunais. Preocupados com essa boa relação, os donos do Q propuseram pagar um extra na taxa de condomínio pelas alterações na estrutura do prédio e investiram em detalhes que reduzissem eventuais aborrecimentos. “Alteramos o desenho da chaminé de exaustão da cozinha e a levamos até o topo do prédio. Isso triplicou seu preço, mas garantiu a paz com os moradores dos apartamentos”, diz Eduardo Sidi, outro sócio. Com isso, evitaram problemas que já deram enormes dores de cabeça a outros negociantes. No início do ano, os proprietários do Joaquina, no Leme, se envolveram em uma queda de braço jurídica que arruinou os planos de abertura da casa na alta temporada. Uma disputa em torno de uma cisterna com os moradores do prédio fez com que passassem o verão com tudo pronto, mas de portas fechadas. A inauguração só aconteceu em abril, o que levou a um novo processo, dessa vez movido pelo estabelecimento contra os vizinhos.
Tomando como base o roteiro de bares de VEJA RIO, foram abertos na cidade pelo menos vinte endereços de primeira linha desde o início do ano. É um bom termômetro de que se trata de um setor em efervescência. Apesar da colossal trabalheira, há momentos de puro deleite e prazer em comandar um negócio assim, como imaginar o projeto e a decoração da casa, definir o cardápio e escolher as bebidas. No caso do Q, os quatro sócios se dedicaram aos mínimos detalhes, que finalmente ganharam forma na semana passada. A melhor parte, porém, ainda está por vir, e a felicidade só estará completa se os clientes formarem filas na porta da casa.