Com a quarentena, as pessoas passaram a fazer todas as refeições em casa, o que produziu como efeito colateral cenas de pouco glamour. Assim como a louça que lota a pia, um dos horrores domésticos, também o lixo vai se multiplicando. Há até uma medida para isso. Durante o isolamento, os restos aumentaram 20% nos lares brasileiros, pelos cálculos da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
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“Isso porque não só cresceu o volume de compras de alimentos in natura, como muita gente começou a consumir mais produtos embalados, processados ou pré-prontos, para otimizar o trabalho na cozinha”, explica Carlos Silva Filho, diretor da associação. Talvez se o mundo seguisse no piloto automático, como antes, o destino dos dejetos seria a boa e velha lata de lixo. Mas não: os cariocas estão aproveitando a temporada em casa para rever hábitos e, neste caso, quem agradece é o planeta.
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A boa moda ecológica da vez é a busca de alternativas de reciclagem caseiras — e a que está mais em alta é a compostagem, técnica que permite transformar as sobras de origem vegetal em adubo natural. Em outras, palavras, é possível livrar-se do chamado lixo orgânico de forma fácil e limpa (e isso não é um paradoxo). Está se falando aqui de cerca de metade de todos os resíduos de uma residência, de acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Com a compostagem, método de decomposição e reciclagem já utilizado há alguns séculos na agricultura da China e da Europa e difundido nos anos 1920 pelo botânico inglês Albert Howard, os detritos passam a não ser enviados aos aterros, onde liberam o nocivo gás metano e se convertem em chorume, líquido altamente poluente.
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Posto assim, virar um praticante da compostagem pode parecer complicado, mas não é, como esclarece a professora de ioga Natália Teixeira, 31 anos. “Não dá trabalho nenhum, nem deixa cheiro ruim ou atrai insetos como muita gente acha”, diz. Há dois meses, ela resolveu comprar uma composteira doméstica (semelhante a um gaveteiro de plástico) e a acomodou em um canto da varanda do apartamento onde mora, na Barra. Ali, como se o objeto fosse uma lixeira, joga os restos de alimentos, que, como que magicamente, vão desaparecendo e ainda produzem como herança uma terra que serve de adubo. “Vai tudo direto para os meus vasinhos de ervas”, conta Natália.
A alquimia que se dá dentro da composteira é, na verdade, um processo simples, em que os resíduos orgânicos vão se decompondo em meio à terra, às folhas secas e à serragem que são colocadas nas gavetas. Pode-se acelerar a operação acrescentando ali minhocas, à venda em lojas especializadas. Aí é deixar a natureza se encarregar de transformar o lixo em adubo e até pesticida.
“Vi a clientela triplicar durante a quarentena”, comemora Claudio Spinola, dono da loja (virtual) de produtos ecológicos Morada Floresta. Os modelos de composteira oscilam entre 120 e 700 reais. Para os mais aventureiros, há inúmeros tutoriais na internet em que se ensina a fazer versões artesanais, à base de baldes de plástico e caixas de papelão.
Sensíveis à sustentabilidade, algumas cidades pelo mundo já fazem compostagem em grande escala. É o caso de Nova York, onde a prefeitura criou, em 2012, um sistema em que o morador deposita os dejetos orgânicos em lixeiras próprias, distribuídas pelas calçadas. Até o momento, participa quem quer, mas a coleta deve se tornar obrigatória nos próximos meses, em um esforço para frear as emissões de gases responsáveis pelo aquecimento global.
Algumas empresas no Brasil recolhem material para compostar (esse é o verbo), mas a quantidade desses resíduos ainda é pequena — não chega a 1% do lixo produzido em lares brasileiros. Como se vê, dá para começar a romper com essa inércia em casa. Por que não agora?