De tempos em tempos, a pequena Mangaratiba, vizinha a Angra dos Reis, tem sua rotina pacata sacudida por surtos de notoriedade. Foi o que aconteceu há três anos, quando uma trupe de fortões encabeçada por Sylvester Stallone e Jason Stanton tomou o lugar para filmar Os Mercenários, acontecimento que deixou um rastro de polêmicas tão grande quanto a quantidade de socos e explosões exibida nas telas. Há duas semanas, o município voltou a se tornar alvo da atenção nacional ao ser mencionado em um vídeo que correu a internet. Gravadas durante um jantar em Mônaco, as imagens mostram o governador Sérgio Cabral Filho e o empresário Fernando Cavendish, ex-presidente da construtora Delta, conversando animadamente em meio a outros cinco convivas, entre eles o secretário de Saúde, Sérgio Côrtes. O grupo discute a data em que será marcada uma festa. Até que alguém comenta: “Tem de ser sexta ou sábado, mas sexta é ideal porque dá para a gente ir para Mangaratiba”. A referência lançou os holofotes para a cidadezinha de 37?000 habitantes – mais precisamente para o Condomínio Portobello, vasta propriedade em seus arredores, em que o governador e o empreiteiro mantêm casas de veraneio. Trata-se de um oásis de natureza luxuriante, a 130 quilômetros do Rio, cravejado de mansões. O paraíso à beira-mar é frequentado por empresários, celebridades, jogadores de futebol e parte do alto escalão da administração do estado. “Mangaratiba para mim é sinônimo de disque-chinelo”, costuma brincar o governador.
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O condomínio, na verdade, tem pouco a ver com a simplicidade encontrada em sandálias de borracha. Com cerca de uma centena de casarões, divididos entre terrenos à beira-mar e ao longo de um canal artificial, é parte de um complexo de turismo e lazer com mais de 25 milhões de metros quadrados. Além do setor residencial, a vasta propriedade abriga um luxuoso resort em estilo polinésio, uma fazenda de criação de gado, plantações de palmito e uma reserva com animais exóticos onde é possível fazer um pequeno safári. Como em uma espécie de clube, os moradores possuem uma carteirinha que dá direito a utilizar as mesmas atrações oferecidas aos hóspedes do hotel, como trilhas pela Mata Atlântica, passeios a cavalo, fazendinha, campo de futebol, quadras de tênis, equipamentos náuticos e sala de ginástica. O acesso varia conforme o gosto – e as posses – do frequentador. Quem chega de carro utiliza a Rodovia Rio-Santos. Os lobos do mar podem atracar diretamente nos píeres. Para os que se deslocam pelos ares, duas opções: um heliponto ou uma pista de pouso para aviões de médio porte. Tais regalias custam caro. O preço das casas varia de 4 milhões a 12 milhões de reais, enquanto a taxa de condomínio fica na faixa dos 2?500 reais. Se o morador quiser usar a marina, terá de desembolsar outros 3?000 reais por mês. “É um condomínio que oferece segurança e privacidade, sem falar na valorização”, diz Olga Bronstein, da família que é dona do laboratório que leva seu sobrenome. “Desde que cheguei aqui, há cinco anos, o valor dos terrenos triplicou”, recorda.
Um rápido passeio a pé pela praia ou de barco pelo canal revela não só a beleza da área como a grandiosidade dos imóveis. Não fosse a paisagem típica do litoral sul fluminense, com suas águas esverdeadas e a vegetação característica, o visitante poderia se sentir no Caribe ou nos ricos balneários da costa leste dos Estados Unidos. A mansão do empreiteiro Cavendish, por exemplo, é um monumento à suntuosidade, com amplo gramado pontilhado de coqueiros, gazebo à beira da piscina, cinco quartos e cozinha gourmet. A propriedade fica a 500 metros do casarão usado por Cabral, que conta com cinco suítes, piscina, sauna envidraçada e cancha de vôlei na areia. Recentemente, foi reformada e decorada pela arquiteta Ana Lúcia Jucá, amiga da família e mulher do secretário municipal de Urbanismo do Rio, Sérgio Dias, que também tem moradia por lá. Em um terreno anexo com área de 2?000 metros quadrados, o espaço acaba de ganhar dois campos de futebol, um deles coberto e com grama sintética. O governador mantém ainda uma segunda residência, em estilo americano, à beira do canal, na qual aloja seus hóspedes. Apaixonado pelo local, ele passa muitos fins de semana por lá. Normalmente chega às sextas-feiras, de helicóptero, a tempo de assistir ao pôr do sol, como fez no último dia 4. Em seus recessos, costuma ser acompanhado de seu círculo mais próximo, como os secretários Wilson Carlos (Governo), Régis Fichtner (Casa Civil) e Sérgio Côrtes (Saúde), proprietário de um terreno de 4 500 metros quadrados. No ano retrasado, outro companheiro de viagens a Paris se juntou à turma. Trata-se do empresário Georges Sadala, representante no Rio do banco BMG, que comprou um imóvel do diretor de TV Ricardo Waddington por cerca de 4 milhões de reais. É tanto amigo junto, em um mesmo agrupamento de casas, que os adversários políticos de Cabral chamam jocosamente seu séquito mais íntimo de “República de Mangaratiba”.
O complexo de Portobello não é o único nem o mais grandioso refúgio de celebridades e empresários bem-sucedidos da Costa Verde. Instalado em Parati, o suntuoso Laranjeiras abriga clãs estelares da indústria e das finanças. Logo ao lado, o Saco do Mamanguá tornou-se outro enclave de paz e sossego. Mas, apesar de todos os luxos que oferecem, ambos perdem para Mangaratiba em pelo menos dois aspectos. O primeiro é a inusitada mistura da praia com o campo. Lançado no início dos anos 80, quando o proprietário das terras, o pecuarista Carlos Borges, resolveu lotear um trecho de sua fazenda, o condomínio manteve fortes vínculos com sua origem, como os estábulos para abrigar os cavalos de moradores. O segundo é a proximidade da capital. “Chegamos aqui em uma hora e quinze minutos de carro. Isso é um privilégio”, conta a produtora cinematográfica Eva Mariani. Um dos primeiros poderosos a fincar raízes ali foi João Uchôa Cavalcanti Netto, fundador da Universidade Estácio de Sá. Há mais nomes de peso, entre eles o presidente de infraestrutura da Odebrecht, Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o dono da Oceânica Engenharia, Alfredo Califfa, e o sócio do banco de investimentos Gap Oscar Camargo. Artistas como a atriz Adriana Esteves e a apresentadora Regina Casé, além de personalidades do esporte, a exemplo de Emerson Sheik, do Corinthians, e do diretor de futebol do Flamengo, Zinho, também fazem parte da, digamos, comunidade litorânea.
Uma das regras fundamentais de um loteamento com as características de Mangaratiba é a discrição absoluta sobre o que acontece ali dentro. Os condôminos não gostam de se expor nem de comentar as novidades com estranhos. No entanto, sabe-se que Adriana Esteves, a perversa Carminha de Avenida Brasil, trocou recentemente sua casa na área mais afastada por uma mansão em estilo rústico-chique bem mais ampla na entrada do canal – só o terreno tem 4?000 metros quadrados. O atacante Sheik, que aportou naquelas águas calmas da Baía de Ilha Grande em 2005, é conhecido pelas churrascadas de arromba. “Uma das coisas de que eu mais gosto é poder reunir os amigos”, afirma. No mês passado, quando retornava de uma dessas confraternizações praianas com seus camaradas, Sheik foi parado numa blitz da Lei Seca. Convocado a soprar o bafômetro, ele se negou e, além de levar uma multa e ter a carteira apreendida, precisou chamar um motorista para dirigir seu Porsche Cayenne.
Com tantas atrações e construções cinematográficas, Portobello é refúgio para poucos. No entanto, ter dinheiro para comprar um lote não significa que o recém-chegado será prontamente aceito. Um caso emblemático envolveu justamente Regina Casé. Ciosa de sua privacidade, a apresentadora do Esquenta tem a casa cercada por uma densa vegetação. Apenas um barco de 54 pés, ancorado em frente à propriedade, sinaliza que, dentro do matagal, mora alguém importante. Quando ela soube que o terreno vizinho ao seu havia sido vendido ao ex-jogador Zinho, fez chegar à administração seu desagrado. O argumento era que jogadores de futebol sempre trazem a reboque barulho e confusão. Para a sorte de Regina, o ex-meia é evangélico e mantém distância dos embalos mundanos. Desde que sua espetacular casa de dez quartos ficou pronta, o máximo de agito que se vê lá dentro é um retiro espiritual que acontece durante o Carnaval, quando ele reúne cerca de cinquenta amigos e parentes para rezar. “Tudo não passou de um mal-entendido. Somos amigos”, minimiza o ex-jogador.
Em meio a tantos nomes famosos, Cabral e a primeira-dama, Adriana Ancelmo, são conhecidos pela simpatia dispensada à vizinhança. Em certa ocasião, estavam nos estábulos do complexo, pouco antes de uma cavalgada dele com o manga-larga marchador Relâmpago. De repente, começou a chover. Acompanhado dos seguranças habituais, o casal se prontificou a levar algumas crianças e babás da vizinhança, que estavam admirando os animais, de volta para casa. São cenas assim que fazem de Portobello um refúgio único, onde os pequenos andam de lancha, a cavalo, alisam lhamas, zebras e podem até pegar carona com o governador.