Toda manhã, Bruna Mendonça ajuda o filho de 6 anos a fazer o dever de casa. Depois os dois almoçam em família, com o pai e a mãe dela — por causa da epidemia de Covid-19, os quatro estão confinados em um apartamento da Zona Oeste do Rio. Às 18h, Bruna fecha a porta de seu quarto para trabalhar e começa a valer a regra doméstica de que ninguém pode interrompê-la até pelo menos meia-noite.
Ex-estudante de pedagogia, a morena de cabelos descoloridos, piercing no nariz e tatuagens pelo corpo é camgirl, nome dado às mulheres que fazem striptease pela internet. Nestes tempos de crise, ela não tem do que reclamar: está faturando como nunca. “Tenho atendido mais de dez caras por noite, o triplo de antes. A maioria também quer bater papo, contar como foi o dia. Eles estão muito carentes”, diz Bruna, uma das raras, digamos, profissionais cujos pais sabem exatamente o que faz para ganhar a vida.
Como tem acontecido em quase todos os setores da economia, a necessidade do isolamento social para conter a propagação do novo coronavírus está causando impacto significativo na indústria pornô. Nesse caso, na direção do progresso ó no escurinho do home office, longe do olhar dos colegas, a pausa para ver sites adultos ficou bem mais tentadora. Grandes empresas como o Sexy Hot, primeiro canal adulto do Brasil, lançado em 1996 e que conta com mais de 350000 assinantes mensais, fazem os primeiros testes para colocar no ar, o mais rápido possível, um conteúdo com cenas de sexo ao vivo na internet moldado na atividade das strippers virtuais. “Vínhamos pensando nisso e a quarentena acelerou a disposição de criar o produto”, diz Cinthia Fajardo, diretora-geral do canal. “Todo mundo agora vive no ambiente digital. ” Os números corroboram esta constatação: nos primeiros 25 dias de isolamento, de meados de março a meados de abril, a plataforma virtual do Sexy Hot atraiu 445 000 novos visitantes, mais do que a demanda total dos meses anteriores.
Curiosamente, a reclusão forçada propicia o surgimento de fetiches variados. Formada em desenho industrial pela PUC-RJ, a jovem Lipsy (ela não revela o nome porque a família só sabe que trabalha com “conteúdo digital”) 25 anos, começou a carreira de camgirl em novembro do ano passado e conta que, nos últimos dois meses, precisou atender a vários desejos relacionados com o medo da doença e a rotina de confinamento, de pedidos para que use máscara cirúrgica e luvas durante as transmissões feitas em sua casa, na Zona Oeste do Rio, ao voyeur que cismou de vê-la seduzindo um entregador do aplicativo Rappi. Eles pedem e ela obedece: no mês passado, faturou 6 000 reais. “Com a porta de casa trancada, os solteiros, homens e mulheres, independentemente da opção sexual, estão completamente desamparados. Isso faz aflorar suas fantasias”, diz a psicóloga Angela Villela, do Círculo Psicanalítico do Rio.
A ferramenta de streaming também contribui para o aumento da produção audiovisual de sexo explícito. A empresa Brasileirinhas, que se apresenta como “um Netflix pornô”, conquistou em março uma média de 600 novas assinaturas por dia, mais do que o dobro do resultado nos dois primeiros meses do ano ó o Rio é a segunda cidade com mais clientes, atrás de São Paulo. Transformações estratégicas ajudam na conquista do mercado, como a adaptação das produções para a telinha do celular, depois que se constatou que 83% dos acessos ao catálogo são feitos por esse aparelho. “Agora filmamos de outros ângulos, mais de perto, para que os clientes consigam ver os detalhes no smartphone”, diz o dono da Brasileirinhas, Clayton Nunes. E nada de firulas, ressalta Nunes ó a clientela prefere películas que mostrem a que vieram. “Filme com papinho e historinha não tem vez aqui”, afirma ele, que, nos áureos tempos dos DVDs, lançou nomes como o agora deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), a ex-chacrete Rita Cadillac e a cantora Gretchen no mundo do sexo ultra explícito.
Já quando se trata de assistir a uma moça tirando a roupa no recôndito do monitor do computador, a sensibilidade
dos clientes é outra. “As meninas que fazem mais dinheiro são aquelas que unem afetividade à sexualidade”, afirma Priscila Magossi, doutora em comunicação e semiótica pela PUC-SP e uma espécie de coach das camgirls, a quem oferece um programa de treinamento para aprender a faturar e trabalhar melhor. “Passo autoestima e também uma visão de negócio”, explica Priscila. Entre as lições, está a de exibir, orgulhosamente, o rosto e o nome de batismo no trabalho. “Ser camgirl não é vergonha nenhuma. As pessoas tendem a associá-las a garotas de programa, mas não é a mesma coisa. Não existe contato físico na internet”, pondera. A profissão vem ganhando notoriedade mundo afora. Em 2014, a BBC de Londres produziu o documentário The Truth about Webcam Girls (A Verdade sobre as Camgirls), acompanhando a rotina de três delas. A artista britânica Sessa Omoregie está na segunda edição do Camgirls Project, colagens digitais feitas com selfies sobrepostas a nus renascentistas clássicos. “Minha intenção é normalizar o termo, tirar essa carga de insulto, de algo depreciativo”, explicou Sessa, que teve o trabalho exibido na Tate Modern, em 2018.
As plataformas onde as camgirls se exibem cobram, em média, 2,40 reais por minuto nos chats privados (elas, em geral, ficam com 60% do que é recolhido), o que quer dizer que, quanto mais longo o contato, melhor para a stripper virtual. As que têm público cativo e fazem o estilo namoradinha ganham muito mais. Isso é fato”, afirma Caio Farinazzo, do CameraHot, uma das duas grandes empresas de camming (sim, este é o nome dado ao ramo de atividade) do país ó a outra é a Camera Prive, que conquistou 25 000 novos visitantes por dia no Rio desde o início da quarentena. Inscrita na CameraHot há quatro anos, Juliana Villegas, 25 anos, moradora da Zona Oeste, revela que boa parte de seus clientes fixos é de homens casados. “Eles se sentem sozinhos na quarentena porque não conversam com a mulher”, diz Juliana. “O ideal é passar uma afetividade e, se for vontade dos dois, deixar rolar uma sessão erótica no final”, ensina. Acabou, clicou, desligou. Até a próxima.