Com aposta nos ativos ambientais, Rio quer se tornar uma capital verde
Na busca por soluções para o meio ambiente, a cidade abrigará uma bolsa de valores para negociar créditos de carbono. Primeiro leilão ocorre no fim de abril
Por décadas, uma ala de céticos teve sua voz no debate sobre as mudanças climáticas, virando-lhes as costas. Hoje é claro, notório e quantificável quanto o aquecimento global tem arrastado o planeta a extremos nunca antes observados. Realizada na Escócia, a COP26, conferência da ONU que pôs à mesma mesa (ou tela) líderes do mundo todo, resultou em um acordo entre países para a redução gradativa do uso de combustíveis fósseis. O objetivo é frear as emissões dos nocivos gases de efeito estufa, responsáveis por detonar a camada de ozônio, semeando o terreno para desastres naturais.
Grandes cidades estão tomando o rumo de uma vida mais sustentável — e o Rio embarcou na incontornável onda. Uma das iniciativas prestes a deslanchar é uma Bolsa de Valores Verde, que vai negociar títulos financeiros diferentes dos usuais, os chamados créditos de carbono.
Na prática, o negócio funciona de modo semelhante a uma bolsa tradicional — o que muda é o que está em jogo. A cada tonelada de dióxido de carbono (CO2) não emitida, um crédito é gerado, e pode ser comercializado no mercado regulado ou voluntário de carbono — esse último onde se encaixa a Bolsa Verde carioca. Dessa forma, empresas que implementam processos com baixa ou nenhuma emissão de carbono — como medidas de reflorestamento, de reciclagem de resíduos ou o emprego de energias renováveis — podem acumular créditos, que passam pelo registro da Verra, uma fundação global reguladora dos créditos voluntários de carbono.
Isso vale dinheiro e pode ser comercializado com pessoas físicas, instituições ou mesmo países. É justamente aí que começam as negociações dos créditos de carbono, conceito estabelecido a partir do Protocolo de Kyoto, acordo internacional selado em 1997, como uma forma de as nações compensarem seu despejo de poluentes na atmosfera.
Trata-se de um mercado em plena ascensão, que chegou a movimentar 229 milhões de euros em 2020, cinco vezes mais que em 2017, e subindo. Para fazer a Bolsa de Valores Verde prosperar, a prefeitura prevê incentivos fiscais, como o ISS Neutro, que reduzirá os tributos das companhias ligadas ao setor ou que se comprometerem a neutralizar as emissões. Haverá ainda a criação de uma certificação própria para as futuras transações de carbono realizadas na cidade, a Rio Standard.
Foi no embalo dos novos ventos que a AirCarbon Exchange, uma das principais plataformas globais de negociação de carbono, baseada em Singapura e Abu Dhabi, inaugurou uma filial no Rio para ser um braço local nas transações. “Por ter alcance mundial, a plataforma facilita o acesso de compradores de outros países e dará maior visibilidade aos projetos daqui”, explica Carlos Martins, CEO da BlockC, empresa de tecnologia que atua como parceira.
O primeiro leilão no Rio será da empresa de micromobilidade Tembici, que abrirá os lances no dia 27 de abril e terá o vencedor anunciado no dia 29. Serão leiloados 1 500 créditos que a empresa, com seu sistema de bicicletas compartilhadas presente em mais sete cidades do Brasil, acumulou apenas entre 2019 e 2020 na cidade.
As negociações dessas ações verdes não só ganham a atenção do município como também do estado. No dia 8 de março, o governador Cláudio Castro fez uma visita a Nova York, onde assinou um protocolo de intenções com a Nasdaq e a Global Environmental Asset Platform (Geap). A bolsa americana e a gestora de ativos alternativos concordaram em conduzir um estudo de viabilidade para a implantação de mais uma plataforma de negociações de créditos de carbono no Rio. A iniciativa, que ainda será debatida nós próximos meses com a criação de um grupo de trabalho, está prevista para se concretizar no segundo semestre de 2022.
Essas ações integram um escopo mais vasto para retomar o protagonismo ambiental conquistado há décadas pela cidade, desde a histórica Rio 92, que reuniu 176 líderes e resultou nas primeiras iniciativas propostas globalmente para atingir um desenvolvimento mais sustentável. Vinte anos depois, em 2012, a Rio+20 trouxe novamente a discussão a estas praias. Na contagem regressiva, a Rio+30 Cidades está agendada para os dias 17 a 19 de outubro de 2022, com a proposta de atrair governantes locais para o debate sobre o desenvolvimento sustentável e o futuro das cidades.
Nos três dias, a conferência reunirá autoridades, acadêmicos e representantes de diferentes setores na região portuária, em discussões sobre compromissos ambientais e sociais no Museu do Amanhã, no Museu de Arte do Rio (MAR), além de atividades de conscientização e cultura para o público na Praça Mauá e no Boulevard Olímpico. Lançada oficialmente em março deste ano, a conferência foi anunciada pela prefeitura junto com o Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática (PDS), publicado em junho do ano passado, com 134 metas e 978 ações previstas a curto (até 2030) e a longo prazo (até 2050), abarcando as esferas ambiental, social e econômica.
No horizonte, despontam compromissos como retirar pessoas que vivem em áreas de alto risco de inundações ou deslizamentos e alcançar 35% da reciclagem dos resíduos secos produzidos na cidade, como vidro, papel, plástico e metal. Quanto às emissões de carbono, o plano tem metas ainda mais ambiciosas: reduzi-las em 20% em relação a 2017 até 2030 e zerá-las até 2050. Para isso, a prefeitura tem objetivos como atingir 100% da frota de ônibus municipal elétrica em 2050 e ter uma de cada quatro edificações públicas municipais, como escolas e hospitais, com o uso de fontes de energia renováveis em 2030, a partir do Programa Solário Carioca e iniciativas de eficiência energética.
O projeto, que conta com apoio internacional do Programa Cities Finance Facilities, do grupo composto de megacidades globais (o C40), e de outras instituições, ainda vai erguer três usinas de energia solar em aterros sanitários. A primeira deverá sair do papel a partir de 2023, em Santa Cruz, na Zona Oeste, e será capaz de gerar 17 700 000 kWh/ano, o necessário para abastecer aproximadamente 9 000 residências. Diversidade natural é o que não falta no Rio, que dá um passo vital rumo ao futuro ao trilhar a rota verde.
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