Por décadas, uma ala de céticos teve sua voz no debate sobre as mudanças climáticas, virando-lhes as costas. Hoje é claro, notório e quantificável quanto o aquecimento global tem arrastado o planeta a extremos nunca antes observados. Realizada na Escócia, a COP26, conferência da ONU que pôs à mesma mesa (ou tela) líderes do mundo todo, resultou em um acordo entre países para a redução gradativa do uso de combustíveis fósseis. O objetivo é frear as emissões dos nocivos gases de efeito estufa, responsáveis por detonar a camada de ozônio, semeando o terreno para desastres naturais.
Grandes cidades estão tomando o rumo de uma vida mais sustentável — e o Rio embarcou na incontornável onda. Uma das iniciativas prestes a deslanchar é uma Bolsa de Valores Verde, que vai negociar títulos financeiros diferentes dos usuais, os chamados créditos de carbono.
Na prática, o negócio funciona de modo semelhante a uma bolsa tradicional — o que muda é o que está em jogo. A cada tonelada de dióxido de carbono (CO2) não emitida, um crédito é gerado, e pode ser comercializado no mercado regulado ou voluntário de carbono — esse último onde se encaixa a Bolsa Verde carioca. Dessa forma, empresas que implementam processos com baixa ou nenhuma emissão de carbono — como medidas de reflorestamento, de reciclagem de resíduos ou o emprego de energias renováveis — podem acumular créditos, que passam pelo registro da Verra, uma fundação global reguladora dos créditos voluntários de carbono.
Isso vale dinheiro e pode ser comercializado com pessoas físicas, instituições ou mesmo países. É justamente aí que começam as negociações dos créditos de carbono, conceito estabelecido a partir do Protocolo de Kyoto, acordo internacional selado em 1997, como uma forma de as nações compensarem seu despejo de poluentes na atmosfera.
Trata-se de um mercado em plena ascensão, que chegou a movimentar 229 milhões de euros em 2020, cinco vezes mais que em 2017, e subindo. Para fazer a Bolsa de Valores Verde prosperar, a prefeitura prevê incentivos fiscais, como o ISS Neutro, que reduzirá os tributos das companhias ligadas ao setor ou que se comprometerem a neutralizar as emissões. Haverá ainda a criação de uma certificação própria para as futuras transações de carbono realizadas na cidade, a Rio Standard.
Foi no embalo dos novos ventos que a AirCarbon Exchange, uma das principais plataformas globais de negociação de carbono, baseada em Singapura e Abu Dhabi, inaugurou uma filial no Rio para ser um braço local nas transações. “Por ter alcance mundial, a plataforma facilita o acesso de compradores de outros países e dará maior visibilidade aos projetos daqui”, explica Carlos Martins, CEO da BlockC, empresa de tecnologia que atua como parceira.
O primeiro leilão no Rio será da empresa de micromobilidade Tembici, que abrirá os lances no dia 27 de abril e terá o vencedor anunciado no dia 29. Serão leiloados 1 500 créditos que a empresa, com seu sistema de bicicletas compartilhadas presente em mais sete cidades do Brasil, acumulou apenas entre 2019 e 2020 na cidade.
As negociações dessas ações verdes não só ganham a atenção do município como também do estado. No dia 8 de março, o governador Cláudio Castro fez uma visita a Nova York, onde assinou um protocolo de intenções com a Nasdaq e a Global Environmental Asset Platform (Geap). A bolsa americana e a gestora de ativos alternativos concordaram em conduzir um estudo de viabilidade para a implantação de mais uma plataforma de negociações de créditos de carbono no Rio. A iniciativa, que ainda será debatida nós próximos meses com a criação de um grupo de trabalho, está prevista para se concretizar no segundo semestre de 2022.
Essas ações integram um escopo mais vasto para retomar o protagonismo ambiental conquistado há décadas pela cidade, desde a histórica Rio 92, que reuniu 176 líderes e resultou nas primeiras iniciativas propostas globalmente para atingir um desenvolvimento mais sustentável. Vinte anos depois, em 2012, a Rio+20 trouxe novamente a discussão a estas praias. Na contagem regressiva, a Rio+30 Cidades está agendada para os dias 17 a 19 de outubro de 2022, com a proposta de atrair governantes locais para o debate sobre o desenvolvimento sustentável e o futuro das cidades.
Nos três dias, a conferência reunirá autoridades, acadêmicos e representantes de diferentes setores na região portuária, em discussões sobre compromissos ambientais e sociais no Museu do Amanhã, no Museu de Arte do Rio (MAR), além de atividades de conscientização e cultura para o público na Praça Mauá e no Boulevard Olímpico. Lançada oficialmente em março deste ano, a conferência foi anunciada pela prefeitura junto com o Plano de Desenvolvimento Sustentável e Ação Climática (PDS), publicado em junho do ano passado, com 134 metas e 978 ações previstas a curto (até 2030) e a longo prazo (até 2050), abarcando as esferas ambiental, social e econômica.
No horizonte, despontam compromissos como retirar pessoas que vivem em áreas de alto risco de inundações ou deslizamentos e alcançar 35% da reciclagem dos resíduos secos produzidos na cidade, como vidro, papel, plástico e metal. Quanto às emissões de carbono, o plano tem metas ainda mais ambiciosas: reduzi-las em 20% em relação a 2017 até 2030 e zerá-las até 2050. Para isso, a prefeitura tem objetivos como atingir 100% da frota de ônibus municipal elétrica em 2050 e ter uma de cada quatro edificações públicas municipais, como escolas e hospitais, com o uso de fontes de energia renováveis em 2030, a partir do Programa Solário Carioca e iniciativas de eficiência energética.
O projeto, que conta com apoio internacional do Programa Cities Finance Facilities, do grupo composto de megacidades globais (o C40), e de outras instituições, ainda vai erguer três usinas de energia solar em aterros sanitários. A primeira deverá sair do papel a partir de 2023, em Santa Cruz, na Zona Oeste, e será capaz de gerar 17 700 000 kWh/ano, o necessário para abastecer aproximadamente 9 000 residências. Diversidade natural é o que não falta no Rio, que dá um passo vital rumo ao futuro ao trilhar a rota verde.
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