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Crianças moradoras da Rocinha realizam seus desejos

Imersas no ambiente de crueza da violência e das dificuldades, crianças da favela da Rocinha têm seus desejos realizados às vésperas do Natal

Por Alessandra Medina
Atualizado em 2 jan 2018, 16h32 - Publicado em 22 dez 2017, 16h57
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  • FELIPE FITTIPALDI2
    (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    De origem francesa, o termo suíte designa, no jargão jornalístico, uma matéria que é desdobramento de uma reportagem anterior. Nesta edição de Natal, VEJA RIO se valeu desse recurso para revisitar um passado recente, mais especificamente a publicação do último dia 11 de outubro. Naquela data, crianças que testemunharam a eclosão da guerra do tráfico na Rocinha, semanas antes, contaram o que sentiram enquanto os tiros espocavam nas vielas. Os depoimentos, marcados por singeleza e inocência, traziam o assombro de quem assistia àquelas cenas pela primeira vez — desde o início da década não se via tamanha violência ali. Também se perguntou aos pequenos quais eram seus sonhos e o que gostariam de ganhar de presente no Dia das Crianças, que seria comemorado no dia seguinte à data da capa da edição.

    À primeira pergunta, a resposta foi unânime: o fim da violência na comunidade, que tem mais de 70 000 habitantes. “Eu queria ganhar de presente a paz na Rocinha e ser feliz”, resumiu Asheley Rodrigues Almeida, de 10 anos. Quando o assunto partia para as vontades pessoais, a conversa tornava-se ainda mais comovente. As crianças sonhavam com situações prosaicas, como ir ao cinema ou conhecer pontos turísticos da cidade. Mesmo aquelas que imaginavam algo mais especial tinham como objetivo alcançar um futuro melhor. “Quero ser jogador de futebol, bem famoso como o Neymar, para ganhar dinheiro e ajudar meu pai e minha mãe”, contou Brendo Lima de Freitas, 10 anos.

    No início de dezembro, a redação de VEJA RIO começou a se mobilizar para realizar os sonhos das crianças entrevistadas em outubro — ou, pelo menos, propiciar experiências que se aproximassem deles. Foi um trabalho complexo, que envolveu 75 pessoas de nove empresas e instituições, entre elas seis repórteres, dois fotógrafos, dois cinegrafistas e uma produtora executiva. O resultado desse esforço coletivo, que teve o patrocínio do banco Itaú, pode ser conferido nas próximas páginas e também nos vídeos publicados em vejario.com.br e facebook.com/vejario. Feliz Natal.

    Ingrid e Kauâny  no escurinho do cinema

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    (Felipe Fittipaldi/Veja Rio) (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Quem visse Ingrid KarineGomes da Silva, 9 anos, ao lado de Kauâny Fernandes, 8 anos, sentadas lado a lado nas poltronas da sala Kinoplex do Shopping Rio Sul imaginaria que ambas são amigas de longa data. Na verdade, até segunda-feira (18), elas se conheciam só de vista na escola em que estudavam, na Rocinha.

    Mas um traço comum as unia: na reportagem de VEJA RIO sobre o Dia das Crianças, publicada em outubro, as duas declararam que nunca haviam pisado em um cinema e sonhavam em assistir ao filme Meu Malvado Favorito 3. Juntas na sala reservada para elas e um grupo de amigos, elas não apenas desfrutaram as trapalhadas armadas pelos minions, como correram pelo cinema vazio e até dançaram no amplo espaço em frente à tela durante os créditos finais.

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    A experiência, obviamente, foi mais do que aprovada. “Quando cheguei, até senti um pouco de dor de barriga, mas depois passou”, contou Ingrid. “Eu achava que o cinema era um lugar como aqueles que a gente vê no seriado do Chaves, sempre com as cadeiras uma do lado da outra. Mas aqui é tudo diferente; as cadeiras têm mesinhas e viram cama quando a gente aperta um botão. E também fazem um barulho engraçado que até parece alguém soltando pum. É muito legal”, diverte-se. Kauâny foi além da sala em sua avaliação: “Gostei da pipoca e do refrigerante. E amei o banheiro, com aquele negocinho de secar a mão.
    Nunca tinha visto”.

    Saulo Pereira Guimarães

    Gabriel e o youtuber de 240 milhões de views

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    (Anna Fischer/Veja Rio) (Anna Fischer/Divulgação)

    Apaixonado pelos vídeos a que assiste na internet, o pequeno Gabriel Moura, 8 anos, bateu à porta da vistosa mansão de um condomínio na Barra da Tijuca por volta das 4 da tarde da terça-feira 19 de dezembro. Quando a porta se abriu, o garoto ficou admirado. De sandálias de dedo e cabelo tingido numa combinação de azul, rosa e roxo, o youtuber Felipe Neto recebeu-o com um demorado abraço. Em seguida, ambos entraram na casa, passaram pela beira da piscina e, de mãos dadas, foram para a sala, onde o cenário do próximo programa dos irmãos Neto era montado. Morador da Rocinha, o menino é um dos quase 17 milhões de inscritos no canal em que Felipe posta vídeos que atingem cerca de 240 milhões de visualizações mensais. O ídolo mostrou ao fã todos os cantos do casarão onde os programas são gravados. Gabriel procurava reconhecer cada detalhe que já conhecia dos vídeos, enquanto ouvia atentamente Felipe. “Quando comecei, morava num bairro pobre e só tinha uma câmera velha, mas aos poucos as coisas foram melhorando. Você também pode, mas tem de se esforçar e estudar”, disse o youtuber. No escritório da casa, o lugar onde nasce toda a produção do canal, o menino recebeu uma câmera de alta resolução de presente das mãos de Felipe. “Eu adorei ver o cabelo dele de perto”, contou Gabriel depois, entusiasmado.

    Gustavo Côrtes

    A viagem de Ashley ao fundo do mar

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    (Felipe Fittipaldi/Veja Rio) (Felipe Fittipaldi/Divulgação)
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    À fuzilaria que assustou a Rocinha nos últimos meses, Asheley Rodrigues Almeida, 10 anos, costuma acrescentar outra mazela comum às crianças do lugar: a dificuldade de sair para passeios pela cidade. “Queria muito ir ao AquaRio, mas a escola nunca consegue ônibus para levar a gente. Tenho amigos que nunca saíram daqui”, lamenta. Foi, portanto, com desconfiança que encarou o compromisso arranjado por sua avó, Mara Roseli Almeida, 52, no último sábado (16). Quando desceu do carro em frente ao edifício que abriga o complexo dedicado à vida marinha, disparou um sonoro “não acredito!”. Passada a surpresa, teve início o alvoroço. Junto com os primos Alice Ribeiro Martins, de 3, Sofia Vieira Martins, 5, Alexandre Oliveira Martins, 9, e Lorrane Rodrigues Duarte, 11, Asheley não parava quieta, indo de um lado para o outro, observando cada detalhe do lugar. “Os tubarões eram o que eu mais queria ver. Eles são legais e não comem gente, não. Eles só reagem porque as pessoas mergulham no lugar onde eles moram e eles pensam que vão ser atacados”, disse a estudante, que passou para o 5º ano e adora as aulas de ciências.

    Apesar do discurso engajado, Asheley preferiu não se arriscar no Tanque de Toque, onde é possível passar a mão em animais como caranguejo, lagosta e até tubarão. “Fiquei com medo”, admitiu. Ao fim do tour, guiado pelo diretor Marcelo Szpilman, Asheley estava mais do que encantada. “Realizei um sonho e foi muito mais do que eu imaginava. Nunca vou esquecer deste passeio”, afirmou a menina, que assim resumiu o lugar: “Não é um aquário. É o mar inteiro!”.

    Heloíza Gomes

    Beatriz nas alturas

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    (Felipe Fittipaldi/Veja Rio) (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Na noite de sábado, 16 de dezembro, Beatriz Cardoso de Sena, 12 anos, mal dormiu. Ela sabia que, no dia seguinte, realizaria o sonho de conhecer o Pão de Açúcar. “Estou com um pouco de medo da altura, mas a expectativa é enorme. Ver lá de cima a cidade em que eu nasci é tudo para mim”, disse a estudante, momentos antes de embarcar no bondinho. A apreensão virou rapidamente felicidade. “Ai, meu Deus!”, sussurrava para si, colada nas vidraças do teleférico, num misto de deslumbramento e incredulidade. Acompanhada do pai, Givanildo Francisco de Oliveira, 33, da mãe, Regiane Cardoso da Silva, 31, da irmã, Bruna, 2, e da tia Maria das Graças Cardoso Farias, 34, Beatriz curtiu cada momento. “Vi até como os aviões pousam no aeroporto. Não tinha a menor ideia de como era”, disse.

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    De volta ao nível do mar, Beatriz teve uma nova surpresa: um encontro, no Shopping Rio Sul, com o Papai Noel, de quem recebeu um pacote pesado. Ao desembrulhá-lo ficou com os olhos cheios de lágrimas ao ver os sete volumes da saga Harry Potter. Na conversa com VEJA RIO na Rocinha, há dois meses, Beatriz havia dito que amava ler. “Foi uma surpresa, não esperava mesmo. Só não chorei porque tinha muita câmera em volta”, disse. Ao lado, o pai só lamentou não poder comprar mais livros para a filha. “Infelizmente, é muito caro.”

    Heloíza Gomes

    Maith encontra Grazi

    Foto Grazi
    (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Sentada num quiosque na Praia de São Conrado, a extrovertida Maith da Silva Tavares, de 7 anos, contava sobre seu sonho de ser atriz e da peça que pretende encenar no Natal para a família. Avisada para dar uma olhada para trás, virou-se e deu um pulo na cadeira. Ela simplesmente ficou paralisada ao ver a atriz Grazi Massafera aproximando-se. “Levei um susto enorme e pensei em gritar, mas sei que é falta de educação”, disse, depois que se refez do choque. A menina é fã da atriz e, desde que a novela O  Outro Lado do Paraíso estreou, no fim de outubro, não perde um capítulo. “Mas eu sou muito má na história. Como você pode gostar de mim?”, quis saber a atriz, que interpreta a vilã Lívia. Timida, Maith não conseguia nem responder. Mais tarde explicou a admiração. “Já vi várias entrevistas dela e sei que ela é muito legal na vida real.”

    Com um horário livre nas gravações, Grazi chegou ao encontro acompanhada da filha, Sofia, de 5 anos. As duas trouxeram dois presentes para Maith: uma espécie de cozinha de montar chamada Shopkins e o Ty, um bicho de pelúcia com olhos imensos. Sofia também fez questão de dar para Maith um desenho feito por ela, em que as duas brincam com gatos e coelhos. No pouco que conseguiu conversar com Grazi — tal era a emoção — Maith contou do seu sonho de ser atriz e que sua brincadeira preferida é montar shows para as suas bonecas. A atriz riu e disse que também adora inventar histórias e brincar com os brinquedos da filha. Encerrado o encontro, Maith era pura alegria. “Na minha cabeça tem dois macaquinhos batendo palmas. Fico assim quando estou muito feliz. Vou me lembrar para sempre deste dia”, repetia.

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    Alessandra Medina

    Brendo em campo

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    (Felipe Fittipaldi/Veja Rio) (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Uma das etapas mais aguardadas do tour guiado pelo Estádio do Maracanã é a visita ao vestiário. Na tarde do sábado 16 de dezembro, no entanto, o guia mudou um pouco o discurso que faz habitualmente, ao se dirigir ao diminuto trio de visitantes que o acompanhava. “Nos armários ficam os uniformes de todos os times da primeira divisão, e cada camisa leva o nome de um jogador famoso. Ali está a do Fluminense, quer ver?”, perguntou ao menor dos três, Brendo Lima de Freitas, 10 anos. Ele sabia que o garoto era tricolor. Também sabia que na camisa havia uma surpresa. Ao deparar com seu nome e seu número predileto, o 13, na peça grená, Brendo demorou um pouco para entender que era um presente.

    Vestido com o uniforme, já na área de aquecimento, virou um pequeno guerreiro do Flu. Abusou das embaixadas e até tabelou com o pai, Carlos Claudino Freitas, como fazem quando saem para vender guloseimas pela Rocinha. Quando pisou o gramado — que alegria! —, chutou, correu, suou, bateu pênalti e conversou com os craques Raí e Leonardo. “Viu, filho? Você não falou que um dia ia jogar no Maracanã?”, disse a mãe, Antônia Nathalia Lima de Freitas. “É. Mas eu vou voltar”, retrucou o menino, que joga em uma escolinha de futsal da comunidade. “E como jogador de verdade.”

    Dilson Júnior

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    Moisés e o trenzinho que levita

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    (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Apaixonado pelas aulas de ciências, Moisés Lucas, 11 anos, quer ser inventor. “Já fiz um ar-condicionado de papelão e um dobrador de roupas”, conta, cheio de orgulho. E foi com espanto que ele se viu pela primeira vez em um laboratório de verdade, o Centro de Gestão Tecnológica, da Coppe/UFRJ. Ali, soube dos detalhes da pesquisa e criação do Trem de Levitação Magnética (Maglev-Cobra). “Até hoje, nunca tinha conhecido nenhum cientista de verdade”, disse Moisés. “Agora vi que isso é uma profissão mesmo.” Também passeou no protótipo operacional, que realiza um trajeto de 200 metros dentro do câmpus da UFRJ, deslocando-se cerca de 1 centímetro acima da superfície. Depois do passeio, Moisés ganhou de presente um laboratório de brinquedo para fazer experiências em casa.

    Heloíza Gomes

    O tesouro de Isabella

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    (Anna Fischer/Veja Rio) (Anna Fischer/Divulgação)

    Em uma sala do 4º andar do Centro Cultural Banco do Brasil, moedas antigas formam um rio de dinheiro, enquanto as paredes são recobertas por cédulas do passado dos mais variados valores. Foi nesse espaço, que mais lembra a caixa-forte do Tio Patinhas, que a pequena Isabella Rodrigues, 7 anos, pôde aprender em detalhes como os recursos financeiros estão entrelaçados ao dia a dia das pessoas. Em sua entrevista a VEJA RIO em outubro, ela havia contado que seu sonho era ser caixa de supermercado porque “ia poder pegar em muito dinheiro e comprar tudo o que queria”.

    Na visita acompanhada por seu pai, Paulo Roberto Gonçalves, e guiada pelo ator Rodrigo Torrero, que interpretava o banqueiro Afrânio, divertiu-se com as piadas do anfitrião e a antiga sala do presidente do banco. “Adorei o cofre secreto”, disse ela a respeito de um móvel camuflado para esse fim.

    Na segunda etapa do passeio, a turma partiu para uma rodada de hambúrguer com milk-shake na lanchonete The Fifties e para o clímax daquele domingo: o encontro com o Papai Noel. Com um sorrisão no rosto, ela não se cansava de exibir a caixa registradora cor-de-rosa que ganhou do Bom Velhinho.

    Gustavo Côrtes

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