Agosto costuma ser um mês de volta às aulas. Na Universidade Gama Filho (UGF), porém, o semestre parece longe de começar. O gigantesco câmpus no bairro de Piedade está deserto. Não há ninguém pelos corredores, as salas de aula permanecem trancadas e as guaritas de segurança estão às moscas. Folhas secas em quantidade pelo chão e entulho no estacionamento mostram que a faxina não tem sido feita. O panorama desalentador é resultante da greve decretada por professores e funcionários pelo atraso nos salários. Nas últimas semanas, circulam por ali apenas quarenta estudantes que ocupam o prédio da reitoria, além de dois vigilantes contratados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj) para guarnecer todo o complexo. A crise se espraia em diversas direções. Por determinação do Ministério da Educação, o vestibular foi suspenso. Como se não bastasse, uma CPI na Assembleia Legislativa estadual investiga a atuação da Gama Filho e outros estabelecimentos privados de ensino. Em meio a tanto revés, os maiores prejudicados são os alunos, que não recebem o conhecimento pelo qual pagaram e vivem uma incerteza quanto ao futuro. “Se o dinheiro das mensalidades, que sofreram reajustes de até 40%, não é usado para pagar os salários, então está sendo usado para quê?”, questiona Rafael Collado, do 5º período de medicina.
É uma ironia, mas a pior crise da história da Gama Filho começou com o que parecia ser sua redenção. No fim de 2010, quando a instituição tinha uma dívida estimada em 260 milhões de reais, o advogado Márcio André Mendes Costa criou o grupo Galileo Educacional para assumir o seu controle. Ele se valeu de uma posição privilegiada, pois era advogado de Paulo Gama, o presidente do centro de ensino. Com a promessa de socorrer a universidade e repassar 45 milhões de reais à família Gama, Mendes Costa conseguiu convencer o herdeiro a lhe entregar o comando. Em pouco tempo oxigenou seus cofres com 180 milhões de reais, sendo boa parte da soma proveniente de empréstimos bancários. Apesar da fortuna levantada, do aumento no valor das mensalidades e do corte na folha de pagamento com mais de 600 demissões, o rombo só aumentou. Para piorar, Mendes Costa decidiu ampliar seus domínios e adquiriu a UniverCidade, também endividada. Com o barco afundando, em outubro de 2012 o advogado vendeu o Galileo ao pastor batista Adenor Gonçalves dos Santos. Após quase um ano de nova gestão, no entanto, as más notícias se acumulam e hoje a dívida bate a casa dos 900 milhões de reais.
É uma situação lamentável sob todos os aspectos, em especial sob um ângulo. Com enorme tradição na área, a Gama Filho é a maior faculdade de medicina do país. Tem 2?400 alunos, que pagam, cada um, 3?400 reais de mensalidade. Apesar dos números robustos, o curso teve seus laboratórios sucateados e convênios com hospitais encerrados. As aulas na Santa Casa da Misericórdia, por exemplo, foram transferidas para a unidade do shopping Downtown ? já fechada por inadimplência no aluguel, assim como o câmpus da Candelária, no Centro. Na ausência de pacientes nas aulas práticas, apelou-se a uma medida tosca. “Um aluno tirava a camisa e os outros o examinavam. É óbvio que ninguém aprendia nada, pois não havia patologia a ser estudada”, conta Fernanda Lopes, que está no último ano.
A Universidade Gama Filho tem uma rica história. Nasceu como colégio, em 1939, pelas mãos do ministro Luiz Gama Filho. Em janeiro de 1951, ele transformou a escola em faculdade, com a abertura do curso de ciências jurídicas. A graduação de medicina viria catorze anos depois. Na década de 80, o câmpus de Piedade reunia 30?000 alunos. É esse passado glorioso que o Galileo promete recuperar. Por e-mail, o grupo garante que neste ano vai resolver todas as pendências e informa que alugou um edifício de onze andares no Centro para acolher 5?000 alunos. Segundo a direção, o prédio será inaugurado na semana que vem ? assim como um hospital próprio, na Barra da Tijuca. “Eles já marcaram oito datas para efetuar o pagamento dos atrasados e nenhum acordo foi honrado”, desconfia o médico e professor Jorge Luiz do Amaral. Na terça passada (13), a empresa não mandou representante à reunião da comissão de educação na Câmara dos Deputados que buscava uma solução para o impasse. Os professores, por sua vez, dizem que só voltarão ao trabalho quando receberem os atrasados. Luiz Gama Filho tinha como lema “educar para o amanhã”. Neste momento, o amanhã da universidade que ele fundou é cada vez mais incerto.