A estátua do Cristo Redentor é parte indissolúvel do Rio de Janeiro. Estranho seria se ela não estivesse lá. Como ficaria o Corcovado sem nada em cima, ele que parece um pedestal, erguido pela natureza? Sonhado desde o fim do século XIX, concebido no início dos anos 20, erguido ao longo daquela década e, finalmente, inaugurado em 12 de outubro de 1931, o monumento completa, nesta semana, 80 anos.
Há quatro, foi elevado à categoria de uma das maravilhas do mundo moderno, ao lado de obras gigantes como a Muralha da China e a cidade histórica de Machu Picchu, no Peru, em uma eleição conduzida pela internet, com votos saídos dos quatro cantos do planeta. Deixando para trás a Estátua da Liberdade e a Torre Eiffel, o Cristo talvez esteja, agora, relaxado, pairando sobre a cidade e o país. Mas nem sempre teve essa admiração toda. É correto dizer que a vida não foi nada fácil para o Redentor.
Desde antes de nascer, esse monumento com a imagem de Jesus, criado por vontade da Igreja Católica, provocou polêmica e reuniu detratores em um debate anterior a questões – que de fato surgiriam depois – sobre tamanho, forma, para onde e para quem estaria olhando. Questionava-se, em 1921, o próprio motivo da obra. Muitos a achavam inútil. Outros temiam que pudesse cair, que fosse algo perigoso para os passantes lá de baixo. Alguns, verdadeiros pioneiros da causa ecológica, denunciavam que ele descaracterizaria o contorno florestal da cidade. Mas o presidente Epitácio Pessoa, um dos últimos nomes da República Velha, disse não a tudo isso. E aprovou a ideia.
Surgiria, então, nova batelada de perguntas na caminhada do Cristo: como seriam suas feições, que roupa usaria, o que teria nas mãos? Um concurso público foi aberto, vencido pelo arquiteto e engenheiro carioca Heitor da Silva Costa. Mas o desenho inicial (Jesus segurando o mundo) acabaria modificado por pressões da sociedade e da Igreja. E, durante os novos estudos, talvez aí tenha vindo o pulo do gato: a imagem de Cristo teria, ela própria, um formato de cruz, podendo ser observada como tal a grande distância. Para isso, bastava abrir-lhe os braços.
Sossego? Ainda não. O ponto agora era decidir que bairros mereceriam ter visão frontal da estátua. Isso provocou mais discussão nos meios eclesiásticos e entre os técnicos. Silva Costa decidiu que o rosto ficaria voltado para Botafogo, onde morava, pois dali o morro se apresentava mais ao comprido, de forma, segundo ele, mais bela. Isso posto, veio a obra em si, de dificílima execução – nesse particular, o Cristo foi as nossas pirâmides do Egito.
Rosto e mãos seriam esculpidos num ateliê francês, os moldes atravessaram o Atlântico de navio e foram remontados em um sítio de São Gonçalo. O trem do Cosme Velho se mostrou fundamental naquela fase, subindo com cimento, ferro, madeira – e operários, às centenas, muitos dormindo lá em cima, em barracos improvisados. A 710 metros do chão, eles se equilibravam perigosamente em andaimes, furando o gnaisse do pico e colando ao monumento pedra-sabão por pedra-sabão, num desenho mágico. Mas aqui não cabe tristeza: nessa construção ninguém morreu.
Dói é ver esse senhor, na maturidade de seus 80 anos, ainda tendo de acompanhar disputas sobre a paternidade de sua concepção e os direitos de usufruto de sua imagem famosa e pop. Parece que oito décadas podem ainda se passar antes que a Justiça determine quem, de fato, tem direito à honra de ser “o pai” do Cristo.
Temas como esses, além de curiosidades sobre a estátua, depoimentos de oitenta visitantes e revelações sobre a luta nos tribunais estão reunidos nas reportagens desta edição especial de VEJA RIO. Aliás, temos de falar, trabalhamos numa redação privilegiada. Nossos repórteres se levantam das mesas e podem, de verdade, confirmar os versos famosos de Tom Jobim: “Da janela vê-se o Corcovado / o Redentor, que lindo”.