A disputa dos doutores
Com a proximidade da eleição para a presidência da OAB-Rio, marcada para daqui a duas semanas, aumenta a temperatura da campanha, que envolve nomes e grupos influentes do direito nacional
Uma batalha fora dos tribunais vem confrontando advogados poderosos da cidade. Na essência da disputa estão os votos dos quase 100?000 profissionais aptos a escolher o presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-Rio) para o próximo triênio, em eleição marcada para o dia 26. Poucas vezes se viu uma polarização tão acentuada quanto agora, envolvendo dois grupos antagônicos na história política da entidade. De um lado está Felipe Santa Cruz, candidato da situação e presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (Caarj). Além do apoio do atual presidente, Wadih Damous, ele tem a seu favor uma campanha desenvolta, que reuniu na semana passada 1?500 apoiadores na churrascaria Porcão, no Aterro do Flamengo. Sua principal oponente, Carmen Fontenelle, integra uma dinastia renomada do direito carioca. Vice-presidente em duas gestões no passado, ela agora quer assumir a cadeira que já foi ocupada pelo pai, Celso Fontenelle, morto no fim de 2011, e pelo avô, Jorge Dyott Fontenelle, que esteve à frente da OAB-Rio nos anos 50. Uma terceira corrente é a chapa encabeçada por Luciano Viveiros, professor da Fundação Getulio Vargas há duas décadas e autor de seis livros na área trabalhista.
À medida que se aproxima o dia do sufrágio, aumentam a temperatura do debate e o tom das maledicências, em meio a estratégias de campanha que incluem panfletagem diária na porta dos Fóruns de Justiça, telefonemas e correspondências direcionados aos eleitores e uma intensa mobilização na internet, com vídeos postados no YouTube e comentários em redes sociais. Nome mais forte da oposição, Carmen Fontenelle abre fogo contra o candidato da situação, enfatizando sua falta de traquejo na carreira. “Como pode alguém que atira para todos os lados, que já tentou, inclusive, ser vereador, estar preparado para presidir a OAB?”, questiona ela, referindo-se à tentativa de Santa Cruz de entrar para a Câmara Municipal, quando se lançou candidato pelo PT, em 2004, e obteve pouco mais de 3?000 votos. “A Ordem dos Advogados é nobre demais para ser transformada em trampolim eleitoral”, acrescenta. Bem menos agressivo, o candidato da situação, que pertenceu ao movimento estudantil e foi cara-pintada na adolescência, prega serenidade. Mas, como todo bom advogado, não deixa de dar suas estocadas. Com indefectível cautela jurídica, que o impede de ser mais explícito, ele critica a composição da chapa rival. “Basta pesquisar na internet para saber com quem se está lidando”, insinua.
Não há dúvida de que se trata de uma disputa dura, que exige empenho e capacidade de articulação dos pretendentes. O primeiro passo para quem cobiça o cargo é conseguir o apoio de bancas prestigiadas, capazes de dar consistência à candidatura. Nesse quesito, os dois principais rivais exibem medalhões em suas fileiras. Pesos pesados do direito brasileiro, Carlos Roberto Siqueira Castro, Francisco Müssnich e Sergio Bermudes já declararam o voto em Santa Cruz, considerado o favorito da disputa. Por sua vez, o grupo de Carmen conta com o apoio de nomes como Nilo Batista, Sergio Mazzillo e Sylvio Capanema. Levantar recursos também é fundamental. Estima-se que o custo de uma campanha como essa esteja na faixa de 1 milhão de reais. Em jogo, uma função valorosa e de grande visibilidade: ser o representante de uma classe influente e temida, funcionando como porta-voz dos anseios de seus pares. Para conseguir chegar lá, Carmen acena com a volta de programas assistencialistas implementados em gestões anteriores, como o convênio com centros médicos e odontológicos. Santa Cruz promete investir na capacitação dos advogados, nestes tempos de modernização da Justiça estadual.
Aquele que for eleito assumirá uma entidade com boa saúde financeira. O orçamento de 85 milhões de reais ? fruto, principalmente, da anuidade de 660 reais ? banca investimentos diversos, como um programa de apoio a profissionais iniciantes, que oferece escritórios compartilhados com a infraestrutura necessária para trabalhar. Atualmente, a seccional fluminense conta com 650 funcionários, instalados em nove andares de um edifício na Avenida Marechal Câmara, no Centro. Além da sede estadual, o órgão reúne sessenta seções regionais espalhadas pelo estado. Cada uma elege também o seu representante. Um dado que evidencia o favoritismo de Santa Cruz é o fato de 28 dessas seções estarem lançando apenas chapas da situação. Correndo por fora, o azarão Luciano Viveiros sofre com mais intensidade as agruras da corrida eleitoral. Sua campanha é de longe a menos profissionalizada. “Não tenho dinheiro, mas tenho princípios”, afirma. Uma de suas propostas tem alto grau de ousadia: lutar para que o Quinto Constitucional ? dispositivo que reserva um quinto das cadeiras do Judiciário para membros do Ministério Público e advogados indicados pela OAB ? passe a valer para as vagas de juízes, e não apenas para desembargadores. Data vênia, uma boa briga.