Não é preciso ser muito observador para notar o impacto da crise no Rio. Placas de “aluga-se” e “passo o ponto” tomaram conta das ruas da cidade no ano em que a economia encolheu, a inflação bateu na casa dos 10%, o dólar foi à cotação histórica de 4,24 reais e o número de desempregados chegou perto dos 400 000 na região metropolitana. As estimativas do Clube de Diretores Lojistas do Rio e Janeiro (CDL-Rio) apontam o fechamento de mais de 1 200 lojas no município, um aumento de 33% em relação ao índice registrado em 2014. Uma das áreas comerciais mais vibrantes da cidade, a Rua Visconde de Pirajá, em Ipanema, é um reflexo de tal desolação. Ali cerraram as portas mais de trinta negócios, entre eles grifes prestigiadas que têm batido em retirada rumo a endereços menos descolados e mais baratos. Foi justamente nesse cenário nada alentador que a empresa de calçados e acessórios Via Mia fincou sua bandeira, no número 483. Para seus proprietários, a nova loja é símbolo não apenas de resistência aos tempos ruins como também da boa fase pela qual o negócio vem passando. “A crise está aí e é forte. Mas nós crescemos e encontramos oportunidades mesmo em um momento tão adverso”, explica Roger Sabbag, de 42 anos, sócio da empresa com os irmãos Andrei e Daniela. “Em Ipanema, conseguimos 30% de redução no aluguel, sem pagamento de luvas. Também temos encontrado muitas oportunidades nos shoppings. Eles mesmos nos procuram, o que nos confere poder de barganha. O custo de implantação de uma loja caiu 30%”, diz.
A receita de sucesso da Via Mia vem da combinação entre preços competitivos, um agressivo plano de expansão com lojas franqueadas e multimarcas e uma estratégia de marketing bem azeitada. “Fazemos uma moda básica, descolada, barata, que nem por isso é porcaria”, afirma Sabbag. Nascida nos anos 1990 na Babilônia Feira Hype, a marca vende hoje produtos fabricados por fornecedores do Rio Grande do Sul com base em especificações estabelecidas na sede carioca, na Barra da Tijuca. Em 2015, a Via Mia registrou um crescimento de 60%, saltando de quarenta para 64 lojas. Além disso, a marca investiu em um modelo de ponto de venda mais compacto para cidades com menos de 500 000 habitantes. Foram oito novas unidades dessas em 2015, e há forte demanda para 2016. “Independentemente da situação econômica do país, as oportunidades continuam por aí. É só saber aproveitá-las”, resume Sabbag.
O setor de moda é um dos que mais se ressentem em tempos de dinheiro curto. Um reflexo de tal situação pôde ser constata às vésperas do Natal, em que dezenas de lojas realizaram liquidações para tentar se livrar dos estoques de roupas para o verão e com isso tentar melhorar os resultados. Alguns empresários do ramo, aos primeiros sinais da crise, no início do ano, apostaram na diversificação do negócio como estratégia não só para sobreviver mas também para crescer. Há 13 anos no mercado, a La Estampa fornece desenhos e tecidos exclusivos para mais de 2 500 confecções, entre elas Farm, Animale, Eclectic e Dress To. Frente ao cenário pouco favorável, seu proprietário, Marcelo Castelão, decidiu explorar novos territórios e criou uma linha voltada para decoração de ambientes. A sede da empresa na Lagoa foi transformada em showroom, e passou a receber arquitetos, decoradores e mesmo clientes interessados em comprar almofadas, cortinas e revestimentos para estofados. Como resultado, as vendas cresceram 12% em relação a 2014. “Foi a maneira que encontramos de melhorar a receita e preservar os empregos dos nossos funcionários”, diz Castelão.
As estatísticas apontam que 90% das empresas atualmente ativas no Rio são de porte pequeno ou médio, o que comprova a relevância do empreendedorismo na economia carioca. “Trata-se de uma vocação da cidade que, por décadas, foi marcada pelo peso do funcionalismo público, desde os tempos em que era capital do país”, diz Marcelo Hadadd, diretor da Rio Negócios, agência de promoção de investimentos no município. O aumento do desemprego também acaba fomentando a abertura de novos negócios. De acordo com o Sebrae, as franquias têm sido uma opção para muitas pessoas que foram demitidas. O número de novas empresas cresceu mais de 11% este ano e no Rio, já são pelo menos 14 000 unidades franqueadas. A dona de casa Alzira Ramos, seu marido Cláudio e o filho Alexandre estão entre os empreendedores cariocas que têm se beneficiado desse fenômeno. Em 2007, Alzira começou a vender bolos caseiros para reforçar a renda da família. Hoje, a Fábrica de Bolo Vó Alzira é um fenômeno com 128 lojas franqueadas, 84 delas abertas nos últimos doze meses. Em dezembro, a lista de interessados em abrir uma unidade chegava a 450. “Oferecemos um conjunto de condições que beneficia o franqueado. Apesar da crise, preferimos reduzir nossa margem de lucro do que inviabilizar o negócio”, explica Alexandre. Outra medida que auxiliou a manter as finanças equilibradas: financiar a expansão a partir do próprio lucro, evitando empréstimos.
Nos manuais de gestão de negócios, especialistas costumam ressaltar a inovação como arma estratégica para uma empresa se destacar e se manter na dianteira das concorrentes. Em momentos de crise, passa a ser crucial, principalmente em setores vulneráveis como o de prestação de serviços. A rede de salões Beleza Natural não apenas ampliou sua base de 26 para 44 unidades de negócio como também aumentou a venda de produtos de 3 200 para 3 600 toneladas produzidas em 2015. Como resultado, teve um crescimento de 13% na receita. Muito desse bom desempenho decorre dos investimentos feitos em pesquisa para aperfeiçoar produtos, desenvolver fórmulas e oferecer novos tratamentos capilares, sem, entretanto, modificar drasticamente a tabela de preços. “Em 2016, vamos continuar apostando em novidades. Com menor poder de compra, o consumidor está cada vez mais exigente”, afirma a presidente da empresa, Leila Velez. O mesmo raciocínio se aplica a negócios de ramos completamente distintos, como os serviços de tecnologia. Plataforma pioneira na América Latina, o aplicativo Easy Taxi nasceu no Rio em 2011 e hoje está presente em mais de 420 cidades em 30 países. Em 2015, foram 8 milhões de corridas por mês, 2 milhões a mais que no ano anterior. “Estimamos que esse mercado caiu 10% no ano passado, mas não para nós. Fizemos campanhas de desconto muito agressivas, tornamos o aplicativo mais funcional e desenvolvemos ferramentas para facilitar pagamentos”, explica Dennis Wang, co-fundador e CEO da companhia.
Nascida de uma ideia inusitada — produzir artigos para cães e gatos que combinassem com o estilo de vida descolado de seus donos —, a Zee Dog está longe de vender itens de primeira necessidade. Com três anos no mercado, a empresa dos irmãos Thadeu e Felipe Diz desenha os produtos, encomenda-os de fabricantes chineses e os distribui a partir de uma base nos Estados Unidos. A crise atingiu a marca em meio a um agressivo plano de expansão. “Muitas petshops para as quais a gente vendia, no atacado, fecharam. Mas conseguimos colocar os produtos em 2 000 novos pontos de venda. Também reforçamos o e-commerce, os nossos quiosques e a operação fora do país”, explica Felipe. Como a distribuição se dá a partir do exterior, a Zee Dog conseguiu fechar 2015 com seus produtos à venda em 19 países, além de ter inaugurado, em dezembro, sua primeira loja em Nova York. “Usamos caixa próprio, gerado com as receitas em dólar das operações internacionais”, diz o empresário, que pretende abrir mais 20 filias nos Estados Unidos e na Europa em 2016.
O senso comum tende a ver os períodos de crise como episódios em que toda a economia despenca em um abismo. Entretanto, mesmo em setores pesadamente castigados pela falta de dinheiro, há oportunidades. Especializada em reservas de hotéis on-line, a empresa Hotel Urbano, que tem a internet como peça-chave para atrair viajantes, apostou em pacotes mais baratos e destinos no próprio Brasil para fazer frente à alta do dólar. “Estreitamos nossa parceria com o Beto Carreiro World, em Santa Catarina, que tem sido a opção de muita gente ao invés da Disney”, conta o presidente da empresa, Maurizio de Fraciscis. “Também fomos a única agência de viagens brasileira a comercializar pacotes para o Rock in Rio 2015.” Com estratégias desse tipo, a companhia, criada no início de 2011 pelos irmãos João Ricardo e José Eduardo Mendes, faturou cerca de 600 milhões de reais em 2015, mais de quatro vezes o resultado de seu primeiro ano de operação. Neste ano, a ideia é aproveitar a Olimpíada e explorar o potencial turístico e hoteleiro do Rio, que ganhou no ano passado 50 000 novos quartos de hotel. Milagres para vencer a crise não existem mas, com muito trabalho, planejamento e uma boa dose de criatividade, o que os cariocas têm de sobra, há saídas.