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Empresários fazem doações à polícia pra melhorar segurança no Rio

O aumento da violência e a penúria da polícia levam a iniciativa privada a contribuir para manter as condições mínimas de combate à bandidagem

Por Daniela Pessoa Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 22 jul 2017, 09h00 - Publicado em 22 jul 2017, 09h00
 (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
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No domingo (16), quem trafegava pela Linha Vermelha por volta das 8 da noite viveu uma cena que parecia ter saído dos anos 1990, época em que o Rio estava no ápice do desgoverno e da violência urbana. Na altura da Favela da Maré, balas disparadas por traficantes cruzavam a pista e zuniam por cima dos veículos, levando motoristas a parar o automóvel e, junto com passageiros, buscar proteção como podiam, abaixando-se dentro do carro ou deitando-se no asfalto. Alguns se refugiaram em um batalhão da Polícia Militar à beira da pista, onde esperaram a fuzilaria arrefecer. Por sorte, os projéteis não atingiram ninguém. A saraivada de balas não foi um incidente isolado. Desde janeiro, a Linha Vermelha já foi interditada catorze vezes por tiroteios, arrastões ou protestos. E essa não é a única estatística dramática da violência urbana no Rio. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), foram cometidos no estado 2 329 homicídios dolosos de janeiro a maio de 2017, 10% a mais que no mesmo período de 2016. O roubo de cargas atingiu a maior alta em 25 anos e, nas ruas, ocorre um roubo a cada quatro minutos — em abril houve 23 000, um recorde desde 2003. O origem do problema, é quase consenso, está na situação de miserabilidade que acomete a segurança pública. Entretanto, um fenômeno novo tem chamado atenção em meio a esse cenário deprimente. Empresários, comerciantes e até mesmo cidadãos comuns começam a contribuir para que a polícia tenha as mínimas condições de realizar seu trabalho. Não é uma ação coordenada, mas um bloco de iniciativas esparsas e isoladas, que ganha peso a cada dia. “Essas parcerias são uma maneira de amenizar a crise. Temos estimulado isso, desde que tudo aconteça dentro dos limites da lei e dos princípios éticos”, diz o coronel Wolney Dias Ferreira, comandante-geral da PM.

Entre os bairros da cidade, a Barra da Tijuca tornou-­se a principal vitrine desse tipo de colaboração. Homens de negócios se uniram a moradores e a executivos do setor hoteleiro para dar forma à Associação Comunitária Bairro Seguro (ACBS), em dezembro. O objetivo inicial era montar uma central de monitoramento que reunisse as câmeras mantidas pela prefeitura e pelos estabelecimentos comerciais e condomínios da região e repassar as informações à polícia, de modo a coibir a criminalidade. Entre os apoiadores de primeira hora estavam empresários como José Isaac Peres, dono da Multiplan, proprietária do BarraShopping e do VillageMall, Carlos Carvalho, da construtora Carvalho Hosken, e Alfredo Lopes, do braço carioca da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih). Em uma sala de 75 metros quadrados localizada num edifício próximo ao shopping Via Parque, dois plantonistas se revezam no monitoramento das imagens captadas por mais de 120 câmeras em uma área que vai do Itanhangá à Barra de Guaratiba. Paralelamente, um software rastreia as redes sociais em busca de informações e relatos sobre ocorrências na região. O sistema dispara em média dois alertas de segurança por dia. “No Jardim Oceânico vinham acontecendo muitos assaltos a residências, mas, quando o meliante percebe que está sendo observado e que a polícia se tornou mais ágil, ele pensa duas vezes”, afirma Lopes, da Abih-­RJ. O projeto, atualmente com um volume total de investimentos de quase 1 milhão de reais, já entrou numa segunda fase. O resultado da unidade piloto foi tão bom que se decidiu implantar uma central também no 31º Batalhão da PM (Barra e Recreio), que mantém ainda 100% das viaturas da unidade rodando graças às contribuições que custeiam a manutenção da frota.

central de monitoramento da Barra
(Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

Para melhorar as condições de segurança da cidade nem sempre são necessárias grandes somas. Em janeiro deste ano, a Secretaria Municipal de Ordem Pública lançou um megaprojeto de segurança em parceria com a PM e a Polícia Civil. O secretário Paulo César Amêndola, ex-coronel da PM que criou o Batalhão de Operações Especiais (Bope), montou o Núcleo de Videopatrulhamento da Guarda Municipal, no 3º andar do Centro de Operações Rio (COR), que começou um projeto piloto de vigilância no Leme e em Copacabana. Doze guardas monitoram diariamente 46 câmeras nesse trecho, aproveitando a estrutura do COR. Até o próximo verão, haverá pelo menos mais sessenta “olhos eletrônicos” doados pela concessionária Orla Rio. A Guarda tem acesso ainda às imagens de dezoito câmeras na Lapa cedidas pela iniciativa privada através do Projeto Sociedade Mais Segura (S+S).

Ações pontuais nas redondezas das empresas e moradias também produzem impacto. Diretor da rede de hotéis Arena, José Domingo Bouzon decidiu tornar a área do Arpoador menos inóspita no período noturno com uma medida simples: trocar as lâmpadas queimadas do Parque Garota de Ipanema. Com o reparo, associado a medidas de manutenção do parque feitas por funcionários do empresário durante o dia, o ar de abandono se foi. Com um hotel na Rua Francisco Otaviano e outras duas unidades no Leme e em Copacabana, Bouzon também recuperou a Delegacia Especial de Apoio ao Turista no Leblon, que atende essas regiões. “Se todo mundo ajudar um pouco, teremos um Rio melhor”, afirma o executivo. Empresas como as redes de supermercados Extra, Guanabara e Rede Economia, instituições financeiras como o Banco do Brasil e o Santander e ainda shoppings como o Fashion Mall, Tijuca e Norte Shopping se cotizam para auxiliar delegacias da zonas Norte a Sul com doações que vão de material de escritório a café, açúcar, produtos de limpeza e papel higiênico. Maior fabricante de cigarros do país, a Souza Cruz, cuja sede fica no Centro, tem repassado carros e computadores usados para a polícia.

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Guarda Municipal
(Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

Não é incomum o fato de iniciativas como as patrocinadas pela Souza Cruz, pela Multiplan e pela rede de hotéis Arena serem criticadas como ações que têm como objetivo final facilitar ou melhorar suas condições de negócios. E muitos empresários de bem — mas de visão estreita — receiam colaborar com a polícia e o poder público com medo de ter o nome ou a imagem associados a maracutaias ou favorecimentos ilícitos. Não à toa, essa é uma das preocupações do coronel Sérgio Schalioni, comandante do 31º BPM. “Aqui, todo apoio à tropa está dentro da mais absoluta transparência, nunca envolve troca de favores nem dinheiro em espécie”, alerta. Qualquer que seja o argumento utilizado contra as contribuições e parcerias, ele cai por terra diante de duas evidências. A primeira é que é possível realizar ações sólidas, sérias e transparentes dentro da mais estrita lisura legal e moral, regidas pela lei e por contratos. E a segunda diz respeito ao incomensurável benefício público que tais iniciativas trazem. Apenas a recente doação de 250 motocicletas feita por José Isaac Peres, da Multiplan, fez com que a frota da Guarda Municipal se ampliasse de 79 para 329 unidades. Outro elemento que pode dificultar o engajamento do empresariado é a busca de resultados imediatos e de curto prazo. “Os brasileiros, em geral, não têm inclinação a uma filantropia mais sofisticada. Há falta de entendimento dos problemas e de como agir”, afirma a cientista política Ilona Szabó, diretora do Instituto Igarapé, que, junto com a iniciativa privada, criou o ISPGeo, sistema de análise de dados usado pela Secretaria Estadual de Segurança na estratégia de policiamento.

De maneira geral, os cariocas não veem os policiais como servidores confiáveis e capazes de combater o crime de forma eficaz. Os constantes escândalos de corrupção, os episódios de violência e despreparo nos embates com bandidos, mais as denúncias de abusos contra suspeitos — tudo isso ajuda a demonizar a imagem dos homens da lei. Entretanto, a situação da PM no estado é de absoluta precariedade, com a corporação enfrentando contínuas reduções de orçamento e de pessoal. É fato que a Polícia Militar fluminense é a que mais mata — mas seus homens são também os que mais morrem. A instituição conta, hoje, com um efetivo de 45 000 policiais, 15 000 menos que o necessário. A maioria dos coletes à prova de balas disponibilizados aos PMs está com a validade vencida, e não há gasolina suficiente para abastecer as viaturas. Metade da frota motorizada encontra-se parada por falta de manutenção — um convênio recente com o Sindicarga devolveu às ruas alguns dos blindados.

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Secretário de Segurança Roberto Sá
(O Globo/Agência O Globo)

No Bairro Peixoto, em Copacabana, moradores, empresários e comerciantes vêm estruturando um sistema de cotas para ajudar a manter o policiamento do local. No início do ano, quinze moradores se uniram para arrecadar 1 000 reais e consertar a viatura que patrulhava a área. Agora, planeja-se a cobrança de uma taxa de 30 reais para criar um fundo de auxílio aos PMs que atuam ali. “É uma questão de dignidade e respeito. Os policiais perdem um amigo por dia e estão com salários atrasados. Precisamos cuidar do ser humano e da nossa comunidade”, avalia o empresário Pedro Salomão, dono da Rádio Ibiza, que mora e trabalha no bairro. Na Tijuca, 22 condomínios no entorno da Praça Afonso Pena estão votando o pagamento de cotas para instalação e manutenção de quatro contêineres que servirão de Q.G. para os policiais, com vestiários, banheiros e ar-­condicionado. Já no Leblon, o objetivo é que a população contribua para a criação do Leblon Presente, nos moldes do Lagoa Presente, projeto financiado pela Fecomércio-­RJ que tem similares em outras quatro áreas da cidade — Lapa, Flamengo, Centro e Méier.

Para os cariocas, tornou-se inquestionável que os desafios impostos pela violência urbana demandam respostas articuladas, capazes de mobilizar outros setores além da polícia ou da Justiça Criminal. No mundo inteiro há exemplos de associações entre o setor público e o privado. Desde 1996, a Business against Crime South Africa, organização formada por líderes empresariais na África do Sul, trabalha com as forças da lei para aprimorar a resposta aos crimes e aperfeiçoar o atendimento às vítimas, além de implantar programas de prevenção de violência nas escolas. Já na Inglaterra, a entidade privada Crime Concern ajuda na redução da criminalidade desde 1988. “Sem recursos, estou fazendo o possível e o impossível para minimizar os danos. Parte significativa do meu esforço concentra-se em criar um pacto nacional para desarmar os bandidos e punir com mais rigor os criminosos”, afirma o secretário de Segurança do estado, Roberto Sá. Nos tempos mais difíceis da violência carioca, o samba Saudades da Guanabara, gravado por Beth Carvalho em 1992, delineava uma metáfora dura em seu brado de esperança: “Tira as flechas do peito do meu padroeiro / que São Sebastião do Rio de Janeiro / ainda pode se salvar”. Contundente, tal imagem segue mais atual que nunca.

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