Continua após publicidade

Empresas apostam na exportação para escapar da crise

Fábricas instaladas no estado fluminense apostam no comércio exterior para lucrar no período das vacas magras

Por Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 3 nov 2017, 10h00 - Publicado em 3 nov 2017, 10h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Em períodos de crise, o mundo dos negócios costuma se transformar em um retrato fiel do darwinismo aplicado ao ambiente corporativo. Quem não é ágil o suficiente para enfrentar o temporal acaba sucumbindo em meio a tanta dureza. No caso do Rio, em que a tormenta sucedeu a uma euforia sem precedentes, com profusão de investimentos estimulados por generosos incentivos fiscais, o choque foi particularmente dramático. Algumas empresas, entretanto, partiram para uma solução diferente da fórmula que junta demissão, enxugamento e desativação de linhas. Elas foram buscar compradores muito além das águas da Guanabara. Com uma fábrica em Resende, no interior do estado, a alemã MAN, marca de ônibus e caminhões do grupo Volkswagen, recebeu mais de 1 bilhão de reais em investimentos desde 2012, um sinal da confiança no país e no Rio. A derrocada econômica levou seus executivos a se transformar em caixeiros-viajantes globalizados para manter máquinas e robôs ocupados. Não foi tarefa simples. A fim de agradar aos clientes da Arábia Saudita, por exemplo, foi preciso produzir 700 ônibus sem teto para atender a uma encomenda voltada para o transporte de passageiros em peregrinação a Meca. “A tradição islâmica prevê que não haja nada entre a cabeça e o céu nessa ocasião”, explica Roberto Cortes, presidente da companhia. Atualmente, um em cada três veículos que saem da fábrica da MAN do Vale do Paraíba vai para a América Latina ou a África. “E, até 2018, pretendemos exportar 35% do que produzimos”, diz Cortes.

    Entre 2014 e 2016, o produto interno bruto fluminense encolheu de 671 bilhões para 652 bilhões de reais — isso nos 24 meses em que o Rio sediou dois dos maiores eventos de sua história, a Copa do Mundo e a Olimpíada. Em contrapartida, enquanto a economia definhava, o comércio internacional ganhou corpo. Os dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostram que, entre janeiro e agosto, as empresas fluminenses venderam a outros países o equivalente a 50 bilhões de reais, valor 46% superior ao alcançado no mesmo período de 2016. “Exportar se transformou em um recurso a mais para muitas companhias tentarem superar essa fase complicada”, explica Claudia Teixeira dos Santos, especialista em comércio exterior da entidade. Uma das maiores fabricantes de pneus do mundo, a francesa Michelin, com três fábricas no estado, teve um incremento de 74% nas suas vendas internacionais entre 2014 e 2016. As unidades fluminenses da corporação atendem hoje 69 países, mesmo que isso implique situações totalmente incomuns em outros lugares. “Já tivemos con­têiner roubado a caminho do porto do Rio”, revela Nour Bouhassoun, presidente da Michelin América do Sul, Central e Caribe. Nos últimos seis anos, a companhia investiu 6 bilhões de reais na ampliação da produção para carros e caminhonetes na fábrica de Itatiaia, na construção da nova unidade para caminhões, em Resende, e em uma linha para máquinas agrícolas, em Campo Grande, na Zona Oeste. “Somos otimistas com relação ao Brasil e ao Rio. Toda crise tem começo e tem fim”, diz Bouhassoun.

    Fabrica Michelin
    Michelin: investimentos de 6 bilhões de reais (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Grandes multinacionais costumam centralizar algumas linhas de produtos em um único complexo fabril como forma de tornar seus processos mais enxutos e rentáveis. São os chamados hubs (núcleos) de exportação. Foi exatamente isso que o laboratório suíço Roche fez em Jacarepaguá, onde investiu 100 milhões de reais em infraestrutura e tecnologia nos últimos dois anos. Até 2020, a unidade receberá mais 200 milhões de reais. Desde o ano passado, os resultados são perceptíveis nos balanços: o faturamento da empresa com vendas para o exterior bateu 223 milhões de reais, e 16 milhões de caixas de remédios foram enviadas a 23 países. Tal quantidade representou 35% da produção. Para 2018, a meta da companhia é ampliar em 20% as exportações do antibiótico Bactrim e de outros produtos. “Nosso objetivo é transformar a fábrica, nos próximos três anos, no principal centro fornecedor para a região da América Latina, e, eventualmente, até para outros continentes”, diz Rolf Hoenger, presidente da empresa no Brasil.

    FELIPE FITTIPALDI3
    Fábrica da Roche, em Jacarepaguá: hub de exportação (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)
    Continua após a publicidade

    Mudar estratégias traçadas com anos de antecedência, mesmo que por força de uma crise, não costuma ser um movimento fácil para uma corporação. Em 2014, a Nissan abriu sua fábrica no Rio com grande estardalhaço, ofertou carros elétricos para circular como táxis na cidade e patrocinou os Jogos de 2016. Mal os primeiros automóveis deixavam a linha de montagem, a fábrica já passava por adaptações para se tornar um polo exportador da marca para os países vizinhos, uma vez que as vendas no mercado interno seguiam em queda livre. A operação envolveu detalhes como a tradução dos manuais dos automóveis para o espanhol e alterações nos componentes do motor, pois todos os veículos eram flex. “Mandamos engenheiros à matriz, no Japão, e à fábrica no México para aprender novas técnicas e contratamos 600 pessoas”, acrescenta o presidente da companhia no Brasil, Marco Silva. A virada deu certo: em 2016, o primeiro ano de exportação da marca, 10 000 carros — ou 20% da produção — foram enviados a oito países. “No fim, a crise nos ajudou”, conclui Silva.

    Linha de produção na fábrica da Nissan.
    Linha da Nissan: mudança de estratégia depois da inauguração (Germano Luders/Divulgação)

    Muitas vezes, só a rearrumação da casa é suficiente para que uma empresa exporte mais e melhor. Responsável pelas marcas Peugeot e Citroën, o grupo francês PSA alcançou economia de 18,7 milhões de reais com medidas simples, como a extinção de estoques e a liberação de espaço para fornecedores na fábrica do Porto Real. A produção no primeiro semestre de 2017 cresceu de 38 300 para 46 000 veículos, um aumento de 20% em comparação com o mesmo período do ano passado, com as exportações subindo 59%, de 19 000 para 29 900 automóveis, o que gerou uma receita de 1,6 bilhão de reais até setembro. O movimento já era perceptível em 2016, quando as vendas para o exterior aumentaram 66% em relação ao ano anterior. “Com a crise interna e o bom momento da Argentina e de outras praças, nosso comércio externo se expandiu”, explica o vice-presidente do grupo, Fabrício Biondo. A montadora francesa espera fechar o ano com vendas de 2,4 bilhões de reais, para dez países.

    Continua após a publicidade
    Márcio Bruno_GE_DIVULGAÇÃO
    Oficina da GE em Petrópolis: serviços contratados com grandes companhias estrangeiras (Márcio Bruno/Divulgação)

    Para a maioria das pessoas, o conceito de exportação é caracterizado por mercadorias embarcadas em navios ou aviões, despachadas para o outro lado do planeta. Em Petrópolis, a sexagenária Celma, parte do colosso americano General Electric (GE), presta serviços cobrados em dólares a clientes internacionais, negócio que rende a maior parte do faturamento. É ali que são feitas as revisões de turbinas de quatro gigantes do setor aéreo americano — American Airlines, Fedex, Southwest Airlines e United Airlines. Além disso, desde 2014 a companhia produz e conserta turbinas para a Comac, fabricante estatal chinesa de aeronaves. “Fomos a única unidade da GE com experiência para atendê-los”, conta Júlio Talon, presidente da companhia serrana. A empresa criou uma logística peculiar, em que retira motores nos Estados Unidos, leva os equipamentos de caminhão a Miami, transporta-os para Campinas, em São Paulo, e, novamente de caminhão, até Petrópolis. Tudo em uma semana. Feito o serviço, o percurso e o prazo se repetem na volta. “Conseguimos diminuir o período em quinze dias com relação aos nossos concorrentes”, diz Talon.

    Marcello Farm
    Marcello Bastos, da Farm: o nome da cidade ajuda a vender lá fora (Felipe Fittipaldi/Veja Rio)

    Há setores que naturalmente se beneficiam de características únicas do Rio e do estilo de vida carioca, tornando-se particularmente propícios a ousadias mesmo em tempos de retração econômica. É o caso da moda. A marca Farm se valeu justamente da imagem descolada, descontraída e solar da cidade para, em 2016, avançar no mercado internacional. Firmou um acordo com a rede de lojas de departamentos americana Anthropologie, movimento que garantiu a presença de suas peças coloridas nos Estados Unidos, no Canadá e no Reino Unido. Em 2017, 100 000 unidades foram vendidas lá fora, o que assegurou uma receita de 4 milhões de reais. Para atenderem à demanda, seus estilistas precisaram criar produtos que não existem por aqui, como uma linha de casacos de tricô para o inverno do Hemisfério Norte. Um detalhe: fora das fronteiras brasileiras, a grife ganhou sobrenome, passando a se chamar Farm Rio. “Atribuo 90% do nosso êxito no mercado americano ao fato de levarmos junto o nome da cidade”, afirma Marcello Bastos, sócio da companhia. Em tempo de dinheiro escasso, toda vantagem é bem-vinda na hora de atrair a freguesia — principalmente quando o lucro vem em dólar.

    Publicidade
    Publicidade

    Essa é uma matéria fechada para assinantes.
    Se você já é assinante clique aqui para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    Impressa + Digital no App
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital no App

    Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique.

    Assinando Veja você recebe mensalmente Veja Rio* e tem acesso ilimitado ao site e às edições digitais nos aplicativos de Veja, Veja SP, Veja Rio, Veja Saúde, Claudia, Superinteressante, Quatro Rodas, Você SA e Você RH.
    *Para assinantes da cidade de Rio de Janeiro

    a partir de 35,60/mês

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.