O Ensino Fundamental brasileiro apresenta desafios e problemas a serem superados. Evasão escolar, infraestrutura precária e o analfabetismo são alguns dos principais problemas deste ramo da educação, fundamental para o desenvolvimento cognitivo e cidadão dos jovens. A escritora e doutora em Educação Andrea Ramal avalia que serão necessários anos até que os prejuízos causados pela pandemia sejam recuperados num nível significativo, principalmente em relação às crianças que estavam em processo de alfabetização durante a crise.
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“A pandemia realmente deixou sequelas no aprendizado que vão levar anos para serem reparadas. As escolas precisam fazer um trabalho ligado à inteligência emocional, reintegrar a criança àquele espaço e estimular seu contato com outros alunos”, propõe Andrea. “Outro aspecto ligado à aprendizagem em si, é a necessidade de um diagnóstico de cada criança e fazer um trabalho personalizado, para atender às necessidades de cada um”, acrescenta.
Desigualdade marcou o ensino
Andrea também aponta para a desigualdade social, que impactou na diferença do nível de aprendizagem entre os alunos e dificultou o acesso de muitas pessoas à educação básica. Segundo a escritora, as crianças mais favorecidas conseguiram avançar no conteúdo na medida do possível, enquanto outras perderam o acesso aos materiais.
“Aquelas que vêm de famílias com maior poder aquisitivo têm em casa uma série de recursos que acabam por estender o trabalho da escola. Os pais têm livros, têm acesso a programas culturais, podem visitar museus, teatros etc. Já as crianças de famílias mais pobres podem ter os próprios pais sem saber ler ou escrever, ou que trabalham o dia inteiro fora de casa, e não puderam se dedicar durante a pandemia ao desenvolvimento cognitivo dos filhos”, relata Andrea.
O Brasil tem ficado sistematicamente em posições desfavoráveis no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Andrea considera isso um sintoma de um país que não prioriza a educação nas suas principais agendas políticas.
“Nos últimos anos, não tivemos um foco adequado para a educação brasileira. Você vê isso pela alta rotatividade dos ministros, pela falta de um programa continuado e com objetivos claros sobre o que se pretende para a educação brasileira”, afirma.
“E agora estamos pagando a conta. Nos próximos anos seria fundamental implantar políticas públicas de incentivo para que as famílias continuem matriculando seus filhos na escola, para remunerar melhor os professores e suprir as lacunas dos anos anteriores, quando houve aprovação automática, e fazer com que os alunos voltem ao ritmo normal de aprendizagem”, completa Andrea.
Evasão ainda é problema grave
Estudos recentes ajudam a dimensionar o problema da evasão escolar no Brasil. Segundo dados da ONG Todos Pela Educação, 244 mil crianças e jovens entre 6 e 14 anos estavam fora da escola no segundo trimestre de 2021. O aumento foi de 171,1% em relação ao mesmo período de 2019. Sobre esse problema, o jornalista Antônio Góis, especialista na cobertura educacional, ressalta que a solução não está apenas no desenvolvimento de políticas educacionais, mas de programas intersetoriais.
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Uma pesquisa da Unicef divulgada em setembro na Folha de São Paulo apontou a necessidade de trabalho do aluno como um dos principais motivos da evasão escolar. Isto, de acordo com Antônio, reforça a necessidade de medidas multilaterais para reaproximar os jovens da sala de aula.
“Vários equipamentos públicos, da saúde, da economia, da assistência social e da educação, devem ser mobilizados. Não adianta só a escola bater na porta do aluno e dizer “volte a estudar” ou “precisamos de você” se esse jovem precisa trabalhar”, pontua Antônio.
“Deve-se oferecer uma saída para ele, e essa saída não depende só da escola. É comum, em leituras acadêmicas, o levantamento das causas da evasão escolar passar por questões externas à escola, como necessidade de trabalhar e gravidez precoce ou não planejada”, conclui.
Inclusão de deficientes é necessária
A inclusão é outro tópico que permeia o debate sobre a educação brasileira. Em 2022, cresceu o número de matrículas de alunos com deficiência no Ensino Fundamental, segundo estudo da UFMG em parceria com a UNESCO. No entanto, parte desses estudantes abandona ou evade o ensino regular, quando muda o nível educacional. Antônio Góis diz que as políticas inclusivas cresceram nos últimos vinte anos no Brasil, especialmente da rede pública, e que tal avanço deve continuar.
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“Esse tipo de política sobreviveu a diferentes governos, desde o governo FHC, passando por Lula e Dilma. Tivemos um aumento no número de jovens com deficiência matriculados em escolas e em turmas comuns, convivendo com os demais alunos e desconstruindo a ideia de escola segregada, com os deficientes separados dos demais”, explica Antônio.
O jornalista ainda pontua que no processo de inclusão de alunos com deficiência, na realidade educacional brasileira, o avanço quantitativo vem primeiro que o qualitativo. No entanto, sugere que a preocupação com a qualidade e a preparação dessas medidas deve se fazer presente.
“Se a gente ficar esperando as condições ideais, as escolas todas estarem preparadas e com professores especialistas e apoiadores, esse processo de inclusão não vai ser concluído. Por um lado, é bom que as escolas se vejam forçadas a se adaptar, mas também precisamos avançar na qualidade da educação para os deficientes, porque é um grupo com risco maior de evasão”, ressalta.
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Este conteúdo integra o conjunto transmídia que reúne produções em texto, áudio e vídeo inspiradas nas Metas do Milênio, da ONU. Essas produções foram feitas por estudantes de Comunicação da PUC-Rio, com a orientação dos professores Alexandre Carauta, Chico Otavio, Creso Soares Jr, Felipe Gomberg, Luís Nachbin e Mauro Silveira.
*João Marcello Santos, estudante de Jornalismo da PUC-Rio, com orientação de professores da universidade e revisão final de Veja Rio.