Em um planeta globalizado, extrapolar a língua materna e se virar em um segundo idioma tornou-se item de primeira necessidade para quem almeja, literalmente, um lugar no mundo. O domínio, sobretudo do inglês, abre portas as mais diversas: desde a oportunidade de estudar fora, um período que seja, até na hora de correr atrás de uma boa vaga no cada vez mais concorrido mercado de trabalho.
Neste cenário em que as novas gerações desejam mais do que nunca atravessar fronteiras, proliferam e crescem no Brasil — e no Rio com intensidade — as escolas bilíngues, que desenvolvem uma parte do currículo no idioma estrangeiro, e as internacionais, que promovem uma trilha de aprendizado tal qual em seu país de origem. Em ambos os casos, o horário é estendido para dar conta da proposta.
E não é só nos positivos desdobramentos para o futuro que se finca esse tipo de ensino. Ele proporciona, no tempo presente, a inserção em uma cultura diferente, algo vital nos dias de hoje — em que a garotada está tão envolvida em músicas, séries e games em inglês.
“A educação bilíngue desenvolve olhares multiculturais que permitem uma melhor integração dos alunos em um mundo interconectado”, analisa Marina Dalbem, co-CEO da Edify Education, edtech de soluções educacionais em inglês.
O aprendizado em duas línguas colhe resultados que vão muito além de saber se comunicar no idioma estrangeiro. “Quando exploramos expressões usadas por um determinada nacionalidade, passamos a entender como são carregadas de aspectos culturais, e essa compreensão é importante para afiar o lado socioemocional”, complementa Marina, à frente do programa bilíngue implementado em 51 escolas cariocas que atendem 13 000 alunos.
Tal número serve de termômetro para medir a temperatura desse mercado: ele mais que dobrou neste ano, tornando o Rio o braço da empresa que mais expandiu as matrículas em todo o país. A efervescência local tem eco nacional. Um levantamento da Associação Brasileira do Ensino Bilíngue (Abebi) aponta que, entre 2014 e o pré-pandêmico 2019, esse nicho, que movimenta 250 milhões de reais anualmente, avançou 10% no Brasil, um dado bastante expressivo.
Mesmo escolas que nunca foram bilíngues, atentas aos novos ventos, começam a oferecer uma parte da jornada pedagógica em inglês. Ocorre com o pH, com cerca de 5 000 alunos. A partir de 2023, o grupo dará essa modalidade de ensino nas doze unidades da rede. “Abraçamos o inglês por ser a língua da produção científica, das relações culturais, do trabalho. É uma escolha com base na necessidade dos alunos”, explica Filipe Couto, diretor pedagógico geral do pH.
No Pensi, que inaugurou no início do ano sua versão Pensi +, no câmpus do Flamengo, a educação bilíngue passou a ser oferecida do ensino infantil ao 9º ano. O investimento nessa direção ganhou vigor após uma pesquisa — ela constatou que os estudantes do 1º ano do ensino fundamental que já haviam engatado na trilha bilíngue em outras filiais apresentavam médias mais altas em português, matemática e inglês do que aqueles das turmas convencionais.
“Enxergamos aí um caminho de excelência”, diz Danielle Tavares, coordenadora geral do Programa Bilíngue da instituição. Atualmente, dos 465 alunos lá matriculados, 342 optaram pela via dupla, em português e inglês, mesmo com mensalidades entre 15% e 30% mais caras.
Há escolas que preferem não aderir 100% à opção bilíngue, mas, ainda assim, têm dado um bom empurrão ao aprendizado da língua. É o caso do Mopi, com endereços no Itanhangá e na Tijuca, onde 45% dos cerca de 1 500 alunos aderiram ao Projeto Smart.
O módulo ampliado, com três horas por dia para além da grade tradicional, promove atividades que vão desde o almoço em inglês, com cardápio escrito e pedidos feitos na língua, até esportes e iniciativas que envolvem a construção de jogos. “É uma maneira encantadora de aprender, que integra o tempo todo o brincar e o educar de modo natural”, pontua Adriana Couto, coordenadora pedagógica da educação infantil da unidade do Itanhangá.
Entre colégios tradicionais, a tendência também se revela. Com 75 anos de existência, o Colégio Santo Agostinho do Leblon incorporou, gradualmente, a educação bilíngue ao currículo. Do 1º ao 5º ano, em cinco tempos semanais, as turmas trabalham a disciplina de ciências em inglês, ao passo que no 6º ano entra em cena a geografia no mesmo sistema.
“O diferencial é que o inglês aí é usado como língua de instrução e não é visto como fim, mas como meio”, explica a coordenadora pedagógica adjunta Marcia Mariz de Andrade. No último trimestre, os estudantes são convidados a apresentar em inglês, vestidos de jaleco, suas criações a partir de muita investigação científica, em uma feira realizada na escola.
Estima-se que algo como 3% das 40 000 escolas privadas brasileiras tenham hoje algum ensino bilíngue. Ainda é pouco. Para efeito de comparação, na Argentina, no Uruguai e no Chile, o porcentual beira os 10%. Porém é uma fatia ascendente, na qual a praxe é mesclar um currículo à base de muita interatividade e especial atenção às habilidades socioemocionais, como se vê em instituições como a Escola Eleva, com sedes em Botafogo e na Barra (e mais uma prevista para 2023 na Urca).
Ali, a mensalidade média é de 6 000 reais — sim, essas instituições são mais caras. “Praticamos o bilinguismo de imersão, que perpassa todo o dia da criança. Não é ensinar somente o inglês, mas em inglês, o que faz toda a diferença”, distingue Maíra Timbó, diretora de educação da Inspired Brasil, atual dona das escolas, que viu um incremento de 30% na procura em 2022.
O modelo de ensino praticado lá expõe crianças e adolescentes às duas línguas, variando o peso de cada uma conforme a idade — no caso dos pequeninos, a carga em inglês é de 80%, já no fundamental cai um pouco, podendo subir no ensino médio. Para o ano que vem, a ideia é inserir aulas de public speaking (falar em público) e drama, justamente a fim de conferir mais desenvoltura aos alunos no inglês.
Na Maple Bear, onde o número de alunos nas dezenove escolas no estado do Rio dobrou desde 2019, até os 3 anos o currículo é 100% na língua inglesa, idade em que o cérebro absorve o outro idioma como uma esponja. Só aos 4, introduz-se a língua-mãe. “A abordagem baseada em investigação, no despertar da paixão pelo estudo e no desenvolvimento de habilidades tão requeridas do século XXI é uma grande mola de atração”, garante André Quintela, CEO da marca para a América Latina, que estuda a inclusão de uma terceira língua no currículo, inicialmente opcional.
A ciência já reuniu um número considerável de pesquisas reforçando quão benéfico é o ensino de duas línguas para o desenvolvimento infantil. E, quanto mais cedo, melhor, considerando que nos primeiros anos de vida o cérebro apresenta maior plasticidade. “Quando bem estimulado, um segundo idioma amplifica certas funções cognitivas essenciais, como memória, capacidade interpretativa, reflexão, raciocínio e criatividade”, enumera o neurocientista Alfred Sholl-Franco, professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho e coordenador do Grupo de Pesquisas em Neurociências Aplicadas à Educação da UFRJ.
Respaldado por essas relevantes descobertas, o contador Alan Uzeda, 44 anos, matriculou a filha Joana, de 4, na Eleva de Botafogo após uma minuciosa pesquisa que abarcou visitas a quase uma dezena de instituições. “O ganho é a formação de um adulto mais capacitado e mais preparado para a vida”, avalia o funcionário público, que já escuta a filha dizer “Yes, I do” e cantarolar umas musiquinhas em inglês.
Não é de hoje que idiomas estrangeiros são disciplinas obrigatórias nas escolas brasileiras. A norma vem desde a chegada de dom João VI. À época, um decreto institucionalizou o ensino público do francês e do inglês. Quase três décadas depois, isso se materializou na prática, com a abertura do Imperial Colégio de Pedro II. Na rede pública, porém, o ensino da segunda língua ainda é incipiente — daí alguns exemplos que brotam serem motivo para celebrar.
Iniciado em 2014, o modelo das escolas interculturais da Secretaria de Estado abarca doze instituições. São escolas voltadas ao ensino médio cujo projeto pedagógico enfatiza um idioma estrangeiro — como espanhol, francês e até chinês. “Temos escolas do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI”, diz o secretário Alexandre Valle.
A meta é inaugurar mais dez unidades do gênero em 2023. “Outro idioma abre o horizonte, sem contar que dá oportunidade para viver em um mundo com mais pluralidade e diversidade”, arremata Andrea Ramal, doutora em educação pela PUC-Rio. A ordem do dia é extrapolar as fronteiras do conhecimento.
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