Eles vieram para ficar
O Rio se transforma em polo de atração para jovens estrangeiros que chegam em busca de bons salários e oportunidades profissionais
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Nova York não é considerada a capital do mundo à toa. A metrópole americana abriga nada menos que 4,6 milhões de estrangeiros ? fora os filhos, netos e bisnetos de imigrantes ?, ou 21% de todos os moradores de sua aglomeração urbana. Na maior cidade brasileira, São Paulo, a diversidade também é vista como vantagem poderosa, seja do ponto de vista econômico ou do cultural. Para os paulistanos, é motivo de orgulho viver no lugar que concentra a maior comunidade japonesa fora do Japão e que tem uma população de origem italiana que supera a de Roma. No caso do Rio de Janeiro, sempre fomos a principal porta de entrada de turistas internacionais no país. No ano passado, recebemos 1,6 milhão de visitantes do exterior. O normal, no entanto, é essa multidão passar uns dias por aqui, encantar-se com as belezas locais e ir embora. Pois isso está mudando. A expansão econômica, alavancada pelos investimentos gerados pela indústria petrolífera e a organização de eventos como a Copa do Mundo e a Olimpíada, colocaram a capital fluminense no radar de pessoas que buscam oportunidades em um lugar de boas perspectivas. Em apenas quatro anos, entre 2007 e 2010, a quantidade de vistos de trabalho emitida mais que dobrou, passando de 10 088 para 22 371. E esses são os números oficiais. Estima-se que a quantidade de estrangeiros possa ser até três vezes maior. “O Rio é a bola da vez”, afirma Rosana Baeninger, coordenadora do Núcleo de Estudos Populacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), centro de referência no assunto.
Movimentos migratórios não costumam ser provocados por uma razão isolada. Decorrem de uma multiplicidade de fatores que, combinados, acabam transformando alguns lugares em polo de atração para quem quer ganhar mais dinheiro ou ter novas experiências. A crise econômica que atinge boa parte do mundo desenvolvido, notadamente Estados Unidos e Europa, mudou a geografia dos deslocamentos e estendeu as rotas para as metrópoles de países emergentes, antes consideradas opções pouco atraentes. Com o real valorizado, os salários pagos por aqui passaram a chamar a atenção de profissionais qualificados dispostos a se arriscar em uma carreira internacional. Por último, mas não menos importante, depois de anos de estagnação, a economia do estado passou a apresentar uma súbita pujança, criando novas necessidades em termos de mão de obra, principalmente nos setores de petróleo, mineração, construção civil, tecnologia e computação. Um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) aponta que 61% das empresas aqui baseadas tentaram aumentar seu quadro de funcionários no primeiro semestre do ano, e mais da metade delas simplesmente não conseguiu encontrar candidatos capacitados para parte das vagas oferecidas. “No curto prazo, a única solução tem sido importar gente”, diz Luciana de Sá, diretora da entidade.
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Com frequência, a busca por estrangeiros não é apenas uma necessidade ocasional, mas também uma estratégia deliberada. Assim como acontece em outros lugares do mundo, as empresas de alta tecnologia e internet costumam juntar profissionais de vários países, numa política de atração global de talentos, não importa a origem. No Rio, o site de compras compartilhadas Peixe Urbano tem uma pequena ONU instalada em suas dependências, em Laranjeiras. Ali trabalham programadores americanos, canadenses, argentinos, bolivianos, russos, italianos e croatas. O colombiano Miguel Rodriguez, 26 anos, foi um dos primeiros forasteiros a chegar à empresa, logo no início de 2010. Pesou na contratação sua experiência em Bangalore, centro da indústria de alta tecnologia indiana. “A mesma agência que me indicou para a vaga na Índia me ofereceu a oportunidade no Brasil”, conta ele. “Eu nunca tinha pensado em morar aqui, mas o país está precisando tanto de gente para programar software que foram me buscar propondo um excelente salário. Não podia dizer “não” para a cidade mais famosa da América do Sul.” Entusiasmado e mais do que adaptado, indicou quatro compatriotas para trabalhar na empresa ? dois deles já instalados por aqui e os outros a caminho.
Do ponto de vista histórico, o marco que celebra a abertura da cidade e do país para o resto do mundo remonta a 1808. É daquele ano, após a chegada da família real portuguesa, o decreto assinado pelo príncipe regente dom João que autorizava a entrada de navios das chamadas nações amigas nos portos da então colônia. De lá para cá, o Rio e o Brasil se transformaram em grandes receptores de imigrantes. Tal tradição se reflete em uma capacidade de acolhimento que ainda surpreende os recém-chegados, mesmo que eles não entendam absolutamente nada de português. A economista chinesa Cynthia Yuanxiu Zhang, 27 anos, moradora da Barra desde agosto do ano passado, ainda tem um vocabulário bastante precário e, não raro, se vale do inglês para se comunicar fora do trabalho.
Gerente de contas de uma empresa de telecomunicações sediada em Shenzen, ela se diz impressionada com o esforço e a boa vontade dos cariocas para compreendê-la. Entre os cerca de trinta conterrâneos que trabalham na mesma companhia, Cynthia é a que apresenta maior desenvoltura no trato com os brasileiros, tanto que se tornou uma espécie de guia informal dos colegas. “Moramos todos próximos uns dos outros e quase sempre saímos em grupo. Já aconteceu de um de nossos amigos se perder em um shopping e termos de ir buscá-lo com os seguranças, como se fosse uma criança”, relata Cynthia. Parte de uma nova geração de chineses que está se globalizando, a economista não tem nada a ver com o estereótipo dos donos de pastelaria. Bem ambientada, ela gosta de frequentar churrascarias, beber caipirinha, ir à praia e passear no Jardim Botânico. Antes aparição exótica, a presença da jovem e de seus compatriotas tem tudo para se firmar por aqui. Nos últimos quatro anos, 2 190 chineses solicitaram visto para trabalhar no Rio, quase todos ligados a multinacionais asiáticas.
A análise das estatísticas de entrada dos trabalhadores estrangeiros (veja o quadro nas págs. 24 e 25) mostra uma nítida inflexão no perfil de quem busca oportunidades na cidade. Se no passado a vasta maioria dos imigrantes era formada por pessoas de baixa qualificação, com forte atuação no comércio e na agricultura, hoje a situação é diferente. À exceção de um contingente de marinheiros vindos das Filipinas, trabalhadores temporários nas plataformas marítimas que praticamente não descem à terra firme, os demais são técnicos e especialistas altamente qualificados que foram contratados por empresas brasileiras ou multinacionais. A indústria do petróleo tem grande impacto nesse perfil, o que justifica a maciça presença de americanos, ingleses, holandeses e noruegueses na lista, quase sempre enviados por grandes firmas do setor sediadas em seus próprios países. Mas há também casos de profissionais liberais em busca de melhores perspectivas. O advogado português Fernando Telles da Silva desembarcou no Galeão pela primeira vez em 2005, em um intercâmbio estudantil. Conheceu a dentista carioca Isabela Pontes e em pouco tempo começaram a namorar. O casal chegou a considerar a possibilidade de se estabelecer em Lisboa, mas, com a crise que se instalou em Portugal, a opção recaiu no lado de cá do Atlântico. “Fizemos uma pesquisa, e seria muito mais fácil eu conseguir emprego aqui do que ela lá”, explica Silva, que voltou em definitivo há dois anos. “É nítida a diferença entre a cidade que conheci há quatro anos e a de hoje. Está mais bonita, mais tranquila e mais segura”, compara.
Assim como o português Silva, muitos dos neocariocas têm seu primeiro contato com o Rio como estudantes ? e decidem fincar raízes depois dessa experiência. É crescente o número de jovens vindos do exterior que buscam cursos de especialização em universidades locais. A PUC, por exemplo, tem 350 estrangeiros em seus cursos de pós-graduação. Na Fundação Getulio Vargas são 54, enquanto no Ibmec 600 forasteiros estão matriculados. Tamanho interesse se justifica pela projeção internacional que o país ganhou nos últimos anos. “Para qualquer pessoa interessada em economia global é fundamental entender como funcionam os Bric. E, entre estudar na Rússia, na China e na Índia, era natural que minha opção fosse pelo Brasil”, diz a economista angolana Joyce Domingos, que cursa gestão de negócios no Ibmec.
É óbvio que, por mais fascinante que um lugar escolhido como novo lar possa parecer, existem sempre problemas no processo de adaptação. Nesse sentido, o Rio não passa incólume no crivo rigoroso de seus moradores por adoção. Trânsito caótico, falta de planejamento urbano, serviços precários, burocracia excessiva e o horário de funcionamento de lojas e restaurantes são os alvos mais comuns das críticas. Em alguns casos, sobra até mesmo para a maneira como os cariocas os tratam, normalmente encarada com simpatia pela maioria. “Aqui um estrangeiro ou é visto como turista ou preconceituosamente como ?gringo de Santa Teresa? “, comenta o francês Franck Tuquet, 28 anos, funcionário de uma multinacional especializada em tecnologia de segurança para aeroportos. “As mulheres, por exemplo, sempre esnobam quem é de fora”, reclama com exagero. Parisiense que vive em Ipanema há dois anos, ele também se queixa das poucas opções noturnas nos bairros da orla. “É estranho em um lugar que se julga tão cosmopolita tudo fechar tão cedo.” Para uma cidade que até poucos anos atrás era conhecida por ser violenta e perigosa, evoluímos bastante no conceito de quem vem de fora. Mas claro que ainda há espaço para melhorar.