Um sonho que, a cada dia que passa, ganha contornos de pesadelo. É assim que estudantes aprovados para estudar na França – alguns com bolsa de 100% – definem o périplo para serem aceitos no país europeu, fechado para brasileiros, salvo por “motivo imperioso”, há mais de um mês.
No dia 9 de junho, a França reabriu as fronteiras para alguns países e classificou o Brasil como “zona vermelha” no risco de contágio pelo novo coronavírus, impedindo a entrada de turistas e estudantes.
Neste momento, só podem entrar no país europeu cidadãos franceses, cônjuges e filhos; cidadãos da União Europeia que possuam residência na França, brasileiros com autorização de residência ou visto de longa duração no país e funcionários em missões diplomáticas.
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Desde o dia 12 de junho, um grupo de 955 estudantes brasileiros, 138 do Rio de Janeiro, aprovados para estudar na França, mas que não conseguem o visto de permanência, se uniram, pela internet, para chamar atenção para a causa, mobilizar entidades, políticos do Brasil e da França e conseguir, enfim, que o sonho vire a realidade.
No Instagram, o perfil @etudierestimperieux já tem quase 6 000 seguidores.
A luta também é contra o relógio, já que o ano letivo europeu começa em setembro. O carioca Luan Dias, de 26 anos, um dos líderes da mobilização, não dorme há um mês e define a angústia como uma montanha-russa de sensações. O trabalho do grupo é, basicamente, enviar cartas a parlamentares franceses e brasileiros e ao Itamaraty suplicando para que o estudo seja classificado como um “motivo imperioso” na França. Oito senadores e duas deputadas da França já apoiam a causa oficialmente.
Luan largou a faculdade de medicina, no Rio, para se dedicar ao cinema. Num processo de seleção que durou dois meses, ele foi aprovado na École Internationale de Création Audiovisuelle et de Réalisation, em Paris.
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O início do curso, já adiado por causa da pandemia, está marcado para o dia 14 de outubro. Caso seja necessária uma quarentena de dez dias ao chegar à capital francesa, o jovem precisa embarcar, no máximo, no dia 3 de outubro. Mas, para isso, precisa do visto de estudante, que não está sendo emitido pela embaixada francesa no Brasil.
“Como não temos nenhum posicionamento do governo da França e a embaixada também não fala nada, estamos no escuro. Sabemos que os números da pandemia no Brasil não ajudam, mas há maneiras seguras de chegar à França. Podemos fazer testes, quarentena… A Inglaterra, por exemplo, obriga uma quarentena de dez dias em hotéis próximos ao aeroporto”, explica Luan, cuja família vai bancar a anuidade de 14,5 mil euros na faculdade de cinema, além dos custos de vida em Paris.
Nesta quinta (15), o secretário de Estado de Turismo da França, Jean-Baptiste Lemoyene, informou, em uma entrevista a uma televisão local, que os motivos imperiosos serão suspensos para qualquer viajante vacinado, independentemente do país de origem. O imunizante, no entanto, precisa ser aceito no país. No Brasil, apenas as vacinas da Pfizer e Janssen estão nessa lista.
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A notícia é boa, mas não resolve o problema, já que os estudantes do grupo têm entre 20 e 30 anos e muitos deles ainda não receberam a vacina contra a Covid-19.
A advogada Flávia Barros, 25 anos, moradora de Niterói, ganhou bolsa de 100%, mais uma assistência para gastos, para cursar o mestrado em Direito Internacional e Europeu na Université Catholique de Lyon. Ela já tomou a primeira dose da vacina Astrazeneca/Covishield, que não é autorizada na França.
“É desesperador pensar que um projeto de vida ao qual me dedico há anos pode ir por água abaixo. Gostaria de poder me dedicar ao processo de mudança de país, que envolve muitos custos e preocupações, mas estou me dedicando diariamente às ações para tentarmos sensibilizar as autoridades francesas da importância do nosso visto”, conta a jovem.
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“O grupo de WhatsApp do movimento tem servido como uma grande fonte de apoio, mas é muito ruim viver essa situação. Parece que os estudantes brasileiros foram esquecidos tanto pelas autoridades daqui, quanto pelas francesas”, desafa Flávia, que não tem esperanças de que a universidade “segure” a vaga para 2022.
Mesmo quem ganha bolsa precisa gastar entre R$ 2000,00 e R$ 10000,00 com traduções de documentos, testes de proficiência na língua, entre outras burocracias. “O que deveria ser uma celebração virou uma tortura. Tem gente que largou o emprego contando com a mudança de país, e tem grandes chances de ver o sonho jogado no lixo. Nossa luta é contra esse sentimento de frustração”, resume Luan Dias.