Encarapitada entre o relevo do Pão de Açúcar e o azul da Baía de Guanabara, a Fortaleza de São João é uma janela para o passado. Preservada do crescimento desordenado do Rio, a construção manteve sua arquitetura colonial e militar, sendo hoje fundamental para entender nossas origens. No exato local onde agora está o forte foi fixado por Estácio de Sá, em 1565, o marco de fundação da cidade. E com o passar dos anos a estrutura tornou-se estratégica na defesa da cidade contra invasores. Nada seria mais natural do que tamanha herança cultural ser acessível a cariocas e turistas, e ter suas portas abertas ao público todos os dias. No mês em que a cidade completou 450 anos, no entanto, quem tenta visitar a Fortaleza de São João se frustra com a burocracia imposta pelo Exército. O funcionamento do local é limitado a horários agendados previamente por telefone. Mesmo assim, quem procura o serviço precisa ter paciência, já que a fila de espera supera trinta dias.
“Os fortes são um referencial da cultura local e nacional, e nossa história está profundamente conectada a eles”, explica Adler Fonseca de Castro, pesquisador do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e autor de cinco livros sobre fortificações. “Museus têm de estar abertos ao público. Mesmo que exista ali uma organização ativa, é perfeitamente possível conciliar a visitação com as atividades militares”, diz. Infelizmente, o problema se repete no acesso a outros prédios históricos em áreas das Forças Armadas. Dos dez fortes que outrora compunham o sistema de defesa da Baía de Guanabara, sete impõem restrições que dificultam o acesso do público. Com tanta burocracia, poucos cariocas sabem, por exemplo, da existência de três fortificações em pleno Centro do Rio.
Quem sobe o Morro da Conceição, nos arredores da Praça Mauá, é barrado na fortaleza de mesmo nome. A situação também acontece na Ilha de Villegagnon. Batizada com o sobrenome do invasor francês que pretendia fundar ali a colônia França Antártica, a área foi palco de batalhas sangrentas até ser tomada de volta pelos portugueses. Pertence à Marinha, que desde 1938 mantém ali a Escola Naval. “É uma área de grande beleza arquitetônica”, diz o historiador Nireu Cavalcanti. “Por ser uma escola, não há cabimento em proibir a visitação. É como se barrássemos quem deseja ir ao Fundão ou à Uni-Rio”, compara. Também de propriedade da Marinha, e com visitação restrita a pesquisadores, a Ilha das Cobras, próxima da estação das Barcas, abriga a Fortaleza de São José. Seu interior foi palco de acontecimentos cruciais durante o período em que estivemos sob o domínio português, como a prisão dos líderes da Inconfidência Mineira.
“Por terem uma arquitetura diferente da que vemos no cotidiano, esses locais instigam e permitem que se tenham outras perspectivas do passado”, diz Leonardo Mesentier, arquiteto e doutor em Planejamento Urbano e Regional da UFF. Incentivar o turismo em antigas instalações de guerra é uma tendência consolidada em países da Europa e nos Estados Unidos. Composto por doze fortificações responsáveis por proteger as fronteiras da França, o chamado circuito de Vauban foi tombado como Patrimônio Mundial da Humanidade pela Unesco, em 2008, como parte do esforço do país em empreender a visitação naquelas áreas. Em Cartagena, na Colômbia, os turistas lotam não só as famosas praias de matizes caribenhas, mas também as construções militares remanescentes da ocupação espanhola.
Aqui no Brasil mesmo, há exemplos bem-sucedidos do potencial turístico desse tipo de construção. Em Santa Catarina, um projeto de divulgação das fortificações do estado resultou numa média de visitação anual calculada em 150 000 pessoas. Ícone da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, o Forte dos Reis Magos passou a atrair 200 000 visitantes após ser restaurado. Já no Rio, a imposição de exagerada burocracia faz com que o Complexo Militar da Urca, a despeito de seu valor histórico, receba parcos 1 500 visitantes a cada mês. Segundo o Exército, o controle é feito para respeitar medidas de segurança, preservação ambiental e capacidade de atendimento. Um decreto do Exército datado de 1998 pretendia abrir todos os fortes do país ao público, e poderia ter solucionado a questão. A ideia, no entanto, não foi para a frente. Por enquanto, resta ao carioca admirar, do lado de fora, estas instigantes construções.