A pandemia virou terreno fértil para a disseminação de notícias falsas, as chamadas fake news, um desserviço inaceitável num momento em que a boa informação pode salvar vidas. Pois os conteúdos inverídicos proliferam em velocidade tão ou mais elevada que a do vírus. Em 11 de maio, uma segunda-feira, o Instagram ocultou uma publicação do presidente da República, Jair Bolsonaro.
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Incluída nos stories, a imagem divulgada trazia a afirmação de que o Estado do Ceará contabilizava menos mortes causadas por doenças respiratórias agora, em meio à pandemia, que no mesmo período de 2019. As informações existentes na postagem presidencial foram desmentidas pela Lupa, agência de verificação de fatos (ou fact-checking, do inglês, mas já amplamente empregado por aqui), com sede no Rio desde 2015.
Havia alguns dias que a agência vinha monitorando o assunto. Após confrontarem o post sobre o Ceará com dados oficiais da Secretaria de Saúde local, os checadores avisaram ao Instagram que se tratava de mais uma fake news. E a “notícia” recebeu então o alerta: “Informação falsa. Checado por verificadores de fatos independentes”. Naquela segunda-feira, os perfis da Agência Lupa nas redes sociais viraram alvo de ataques de toda natureza, incluindo ameaças de morte aos jornalistas.
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A turma que vive de caçar inverdades tuitadas e retuitadas viu o expediente dobrar depois do aparecimento do novo coronavírus. “Em abril, 75% do material que produzimos teve a pandemia como pano de fundo”, diz Gilberto Scofield Jr., diretor de negócios e estratégias da Agência Lupa. É trabalho mais do que necessário – que, aliás, vem sendo executado por dezenas de agências mundo afora, uma vez que a praga da fake news é global. E suas consequências são nefastas.
Uma pesquisa da rede de mobilização Avaaz revela que nove entre dez brasileiros com acesso à internet receberam pelo menos uma informação falsa sobre a Covid-19. Para piorar, 73% confiaram em algum desses conteúdos. A situação chegou a ponto de a Organização Mundial da Saúde (OMS) soar um alerta, destacando que as mentiras sobre a doença estão se espalhando mais rapidamente que o vírus, o que configura uma “infodemia”.
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O interesse que as falsas notícias despertam e o ritmo com que viralizam são sinais inequívocos de que a força-tarefa para extirpá-las é premente. E isso requer um trabalho quase que artesanal, minucioso, e cheio de armadilhas pelo caminho. “Quando circulou a informação sobre enterros de caixões vazios em Manaus, uma foto mostrava uma pessoa segurando um caixão com apenas dois dedos, o que poderia evidenciar a farsa, mas ainda não dava para bater o martelo”, conta Natália Leal, diretora de conteúdo da Lupa. A equipe foi então em busca do fotógrafo que tinha registrado as imagens e descobriu que o caixão repousava sobre uma mesa, o que não aparecia na foto que foi divulgada.
Desconstruir teorias da conspiração é outro capítulo. “Muitas vezes é até mais difícil combater esse tipo de informação porque um artigo científico não vai responder, por exemplo, se o vírus é comunista por ter vindo da China, como andou circulando por aí”, ressalta Natália. Diariamente, uma equipe de quatro repórteres e dois editores checa – e publica – vários desmentidos aos boatos que inundam as redes. Signatária do International Fact-Checking Network (IFCN), rede internacional de agências checadoras, a Lupa segue os pilares da cartilha mundial: transparência de fontes, informando sempre em quais órgãos ou com quais especialistas o dado foi checado, e clareza sobre a metodologia, explicando o porquê de investigar um determinado assunto em vez de outro.
O risco à saúde, que inevitavelmente acompanha as fake news nestes tempos de pandemia, é um dos critérios muito considerados atualmente. A notícia “Chá de boldo elimina sintomas da Covid-19 em até três horas” já havia sido compartilhada mais de 1 000 vezes no Facebook quando a equipe da Lupa consultou o Ministério da Saúde, que afirmou que nenhum tipo de chá pode ser utilizado para substituir o tratamento adequado contra uma gripe – menos ainda contra o novo coronavírus.
No esforço para combater a “infodemia”, diversas redes sociais vêm criando ferramentas e anunciando medidas para frear a circulação de notícias falsas. Na eleição de 2018, no Brasil, o Facebook investiu 250 000 reais em uma série de boletins audiovisuais com checagens produzidas pela Lupa, que separam fatos de falácias. Mais recentemente, em março, o Facebook tirou do ar centenas de milhares de postagens falsas sobre a Covid-19 e ainda colocou avisos em 40 milhões de declarações duvidosas relacionadas ao vírus. “Além de remover contas e informações que violam as políticas da plataforma, nossa estratégia visa a diminuir o alcance de conteúdos de baixa qualidade. Trabalhamos com agências de verificação, e os posts que elas marcam como falsos têm sua distribuição no feed de notícias reduzida em torno de 80%”, afirma um porta-voz do Facebook.
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Existe uma tendência humana de compartilhar informações nas quais se quer acreditar, lembra o professor de políticas públicas Pablo Ortellado, que coordena na Universidade de São Paulo um laboratório que monitora a distribuição de notícias falsas em canais como YouTube, WhatsApp e Facebook. Ortellado compara o trabalho das agências de checagem ao mito grego de Sísifo – ele, todos os dias, arrasta uma grande pedra por uma colina, só para empurrá-la morro abaixo e, no dia seguinte, fazer tudo de novo. Como a máquina de produção de fake news não para, a turma da checagem precisa renovar o fôlego diariamente para encarar essa acentuada subida.
Como combater a desinformação
Desconfie
Excesso de adjetivos, exclamações, substantivos comuns com letra maiúscula e erros de ortografia são indícios de notícia mentirosa.
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Na dúvida sobre a veracidade de um conteúdo, recorra ao Google e veja se grandes portais de imprensa veicularam aquela informação.
Atente a detalhes
Reportagens antigas, por exemplo, podem ser compartilhadas como se fossem novidade. Muitas acabam viralizando sem que as pessoas notem a data.
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Agências de checagem recebem pedidos de leitores para comprovar a veracidade de informações. Posts nas redes sociais também podem entrar nesse rol.