Falta de bicicletas transforma Bike Rio em dor de cabeça
Além do sumiço das laranjinhas, ciclistas sofrem com estações em péssimo estado e problemas no aplicativo
Fazia um lindo domingo de sol quando a estudante de direito Gabriella Ventura decidiu ir à praia de bicicleta. Moradora do Largo do Machado, ela foi até a estação do Bike Rio mais próxima da sua casa, mas nada encontrou. Caminhou por alguns minutos até a Rua Bento Lisboa, perto dali, e o cenário não era muito diferente. Havia quatro magrelas, todas quebradas. Após quarenta minutos de peregrinação e mais uma decepção na Praia do Flamengo, a jovem fez sinal para o primeiro ônibus que passou. “Se eu consegui usar o serviço três vezes nos últimos dois meses, foi muito”, diz. Os números mostram o porquê. Um monitoramento realizado por VEJA RIO durante cinco dias, entre 17 e 22 de agosto, revelou que a quantidade de laranjinhas para uso representava, em média, menos de 20% do total das vagas disponíveis nesses locais (confira no quadro). No Pontal, por exemplo, só havia veículos em uma das datas checadas. Já São Conrado esteve fechada por mais de 24 horas seguidas. Além de serem escassas, as bicicletas sofrem com a falta de manutenção. A venezuelana Grecia Gómez foi vítima do problema recentemente: ela andou por dez minutos até a estação mais próxima e deparou apenas com uma magrela com os pneus furados. “Em geral, você nunca consegue usar quando mais precisa”, resume.
Na verdade, a lista de reclamações dos ciclistas que utilizam o Bike Rio é muito mais extensa. Inclui desde falhas no aplicativo do serviço, que não reconhece devoluções e informa o número errado de laranjinhas disponíveis, até questões estruturais, como a oferta limitada fora do Centro e da Zona Sul. Os usuários já criaram um código para tentar driblar as dificuldades: nas estações, bicicleta com selim virado para trás é sinônimo de que ela está com algum defeito. Antiga responsável pelo Bike Rio, a Samba Transportes Sustentáveis foi comprada em maio pela paulista Tembici, que tenta resolver os problemas e promete uma renovação completa do equipamento. Nos últimos três meses, a empresa consertou mais de 450 laranjinhas e comprou outras 400. “Vamos pôr 350 novas unidades na rua até 20 de setembro”, promete Tomas Martins, CEO da companhia, que também começou a investir nas paradas. Mais de 300 encaixes de bike foram reformados e sessenta novas baterias instaladas. Por serem alvo de roubo, as fontes de energia ganharam um dispositivo antifurto que vem apresentando bons resultados. Nenhuma peça do tipo foi levada desde o mês passado.
A história de amor entre o Rio e as bicicletas é antiga. Conta-se que, já no começo do século XX, a fábrica de tecidos Bangu presenteava seus operários com o veículo. Só nos últimos tempos, porém, um fator decisivo para quem pedala passou a ser mais prestigiado: a infraestrutura. De 2009 a 2016, a extensão da malha urbana triplicou, transformando a rede carioca na maior do tipo na América Latina. Vale lembrar que nessa conta estão alguns exemplos controversos, como as faixas para ciclistas desenhadas nas movimentadas calçadas de Botafogo. O caso mais emblemático desse crescimento desordenado é a Ciclovia Tim Maia, cujo desabamento durante uma ressaca em 2016 matou duas pessoas. As obras de reconstrução terminam em setembro, mas a via depende de autorização judicial para voltar a funcionar normalmente. Outros projetos essenciais, como a ligação entre a Praça XV e a Saens Peña, nem chegaram a sair do papel.
Lançado em 2011, o Bike Rio fez parte do esforço para transformar a cidade na capital da bicicleta. Patrocinado pelo Itaú desde o início, o serviço carioca foi inspirado no parisiense Vélib’, criado quatro anos antes, e começou com sessenta estações na Zona Sul, até se expandir para Barra, Centro, Tijuca e Madureira. Hoje, são 260 paradas. Cerca de 3?000 pessoas usam as laranjinhas todos os dias e fazem do Rio o caso mais bem-sucedido do país (ao menos em números) quando o assunto é aluguel de bicicletas. Entretanto, o vandalismo ainda atrapalha o negócio por aqui. Quase setenta veículos foram depredados de maio a agosto, e a mesma quantidade foi roubada nesse período. Episódios assim resultam na ausência de bikes nas paradas e na insatisfação dos usuários e de todos os cariocas, que torcem pela solução desses problemas.