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Título ameaçado

A favelização de pontos turísticos põe em risco a candidatura do Rio a patrimônio mundial da humanidade

Por Felipe Carneiro
Atualizado em 5 jun 2017, 14h52 - Publicado em 26 ago 2011, 15h13
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  • Orgulhoso, cheio de renovada auto-estima, o carioca tem vibrado a cada distinção conquistada pelo Rio nos últimos anos. Capital mais feliz do planeta, melhor destino gay, palco da final da Copa do Mundo de 2014 e sede da Olimpíada de 2016, a cidade parece estar em uma fase iluminada, ganhando todos os títulos que disputa. Embaladas pela maré de sorte, as autoridades aguardam agora, ansiosas, o resultado de mais uma grande glória: o selo de patrimônio mundial da humanidade, concedido pela Unesco a joias como Veneza, na Itália, Petra, na Jordânia, e Jerusalém, em Israel. Caso passe pelo crivo da organização, a capital fluminense entrará para a seleta lista de localidades que se destacam por sua importância cultural ou arquitetônica. Capitaneada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a candidatura carioca concorre em uma nova categoria dentro do prêmio: a de paisagem cultural. ?A ideia é reconhecer a integração entre a natureza e o homem?, explica Cristina Lodi, coordenadora de projetos da Fundação Roberto Marinho.

    Com tal conceito, que parece ter sido feito sob encomenda para o Rio, a vitória carioca deveria ser uma barbada. A vida real, porém, é um pouco mais complexa. A favelização de algumas áreas, especialmente aquelas próximas a cartões-postais, pode sepultar as chances de obter a honraria. O desejo carioca é que pelo menos um dos dois cenários inscritos receba o reconhecimento da Unesco. De esfuziante vegetação, o primeiro engloba o Parque Nacional da Tijuca, com destaque para o Morro do Corcovado e o Jardim Botânico. A outra área é um pedaço da orla, passando pela Enseada de Botafogo, Parque do Flamengo, Urca, Leme, Posto 6 e calçadão de Copacabana.

    OSCAR CABRAL
    OSCAR CABRAL ()

    A questão é que alguns desses pontos enfrentam um claro processo de degradação. Por larga margem, o exemplo mais chocante é o Jardim Botânico. Nada menos que 600 moradias irregulares foram erguidas dentro do espaço criado por dom João VI. Apesar das decisões da Justiça favoráveis à remoção das pessoas, o governo federal, proprietário do lugar, não toma as medidas cabíveis. Há dez anos, eram cerca de 100 habitações. Situação parecida acontece aos pés do Pão de Açúcar, nas proximidades do Instituto Benjamin Constant. Debaixo das barbas das autoridades, as construções ilegais não param de crescer. Com tais agressões, fica bem difícil ganhar a distinção da Unesco. Um dos critérios utilizados na decisão do comitê é justamente a política de preservação dos espaços indicados. O mesmo problema, por sinal, arruinou as pretensões de Buenos Aires no ano passado. ?Falhas na política de conservação não são aceitas?, atesta Jurema Machado, coordenadora de cultura da Unesco no Brasil.

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    A ideia de conceder o título de patrimônio mundial da humanidade surgiu na década de 50, quando o governo egípcio resolveu criar uma represa que ameaçava os templos de Abu Simbel e de Filas, construídos pelo faraó Ramsés II. Pressionada pela possibilidade, a Unesco negociou durante dois anos com o Egito uma solução que preservasse o sítio histórico. A solução encontrada foi passar o chapéu entre cinquenta países para financiar a mudança, tijolo por tijolo, dos templos para outro lugar. Logo depois vieram as chancelas para Itália, Paquistão e Indonésia, até que uma convenção foi assinada por 186 nações com o intuito de garantir a eternidade dos marcos culturais mais importantes do planeta.

    Com o passar dos anos, criou-se também uma categoria para as regiões e os monumentos que estão sob risco: a dos patrimônios em perigo, atualmente com 36 localidades. ?São países em guerra ou que passaram por desastres naturais?, explica Jurema. Em cada processo, o rigor da entidade é total. Houve até um caso em que uma área, mesmo depois de eleita, foi riscada da lista por desleixo em sua conservação. O revés deu-se com o Santuário do Oryx Árabe, em Omã, cujo parque nacional perdeu terreno para a exploração petrolífera. Após uma negociação frustrada com os líderes do país, o título foi revogado.

    OSCAR CABRAL
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    Daqui a três semanas, o Rio receberá a visita dos inspetores da Unesco. Eles desembarcam para realizar uma análise técnica da candidatura, material que servirá de base para o julgamento final, em junho do ano que vem, quando o comitê da organização anuncia os novos eleitos. Na Austrália, onde existem áreas nomeadas, o número de estrangeiros cresceu 50%. Longe dos países que mais exportam turistas, a ilha-continente disputa a preferência dos viajantes em condições semelhantes às brasileiras. ?É a chance de conquistarmos um tipo de visitante mais sofisticado?, afirma Luiz Fernando de Almeida, presidente do Iphan. Com a decisão tão próxima, porém, só nos resta agora ficar com os dedos cruzados.

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