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Terra arrasada

O fechamento da Gama Filho causa colapso no comércio e insegurança no bairro de Piedade

Por Ernesto Neves
Atualizado em 2 jun 2017, 13h09 - Publicado em 16 abr 2014, 17h30
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  • Caminhar pela Rua Manoel Vitorino, no subúrbio de Piedade, tornou-se uma experiência fantasmagórica. Apesar de estar localizada nas cercanias de artérias movimentadas da região, como a rede de trens da Supervia e a Linha Amarela, aquela via é um nítido retrato do colapso da Universidade Gama Filho. Em apenas dez minutos de caminhada, um visitante mais atento contabiliza 33 lojas fechadas, entre restaurantes, papelarias, lanchonetes e bares. Três grandes estacionamentos não exibem um carro sequer, e o lixo acumula-se na entrada do câmpus. Completamente deserto, e sem a presença de seguranças, o complexo encontra-se fechado por cadeados, e por entre as grades é possível ver sinais flagrantes de deterioração. Como se tivesse sido abandonada às pressas, a faculdade tem cadeiras jogadas no pátio da Escola de Engenharia, enquanto o matagal, paulatinamente, substitui um antigo jardim. “Trabalhei por dezessete anos para a Gama Filho, mas agora tenho de me reinventar”, conta Lúcia Mota, dona da gráfica Qualicopy, um dos poucos estabelecimentos a resistir por ali. Para sobreviver, a empresária precisou mudar a estratégia de negócio. “Vi meu movimento despencar 90%, por isso abri uma empresa on-line para atrair novos clientes”, diz ela, que agora também se dedica a fazer álbuns de casamento.

    Distante 30 quilômetros do centro da cidade e com uma população estimada em 44?000 habitantes, Piedade tem sua história intimamente ligada ao outrora gigantesco complexo universitário. Daí que o drama que se abateu sobre todos com o abrupto encerramento das atividades, em janeiro último, se espraia também por todo o seu entorno. Sem o movimento diário de 9?000 alunos e professores, a economia perdeu seu vigor e o comércio local mergulhou na depressão. Relatos de falência e crise financeira repetem-se em profusão. Dono por 45 anos da livraria Santelena, a principal fornecedora de material didático para os universitários, Milton Laurindo fechou as portas do negócio em 2013. A medida drástica, ele alega, foi tomada após sofrer um calote de 300?000 reais da Gama Filho. Como parte da dívida foi abatida com suas reservas pessoais, Laurindo enfrenta agora uma restrição ao crédito e precisa de ajuda do filho para se manter. “Perdi meu sustento e não tenho dinheiro para recomeçar”, conta. “Devo 100?000 reais e, apesar de o processo contra eles já ter sido executado, ainda não recebi um centavo sequer”, diz. Já Giovano Mazzaro teve de demitir quatro funcionários após o movimento diário de seu bar despencar de 1?000 para cinquenta pessoas. Também se desfez do salão de jogos que ocupava parte do estabelecimento. “Acompanhei de perto o auge da Gama Filho, de 1975 a 2000, quando se equiparava tanto à PUC quanto às instituições federais”, conta. “É muito doloroso presenciar um fim tão melancólico”, lamenta o comerciante, que se formou em direito ali há 32 anos. Duas de suas três filhas também se formaram na universidade.

    Fotos Felipe Fittipaldi
    Fotos Felipe Fittipaldi ()

    Outro grupo de vítimas da Gama Filho reúne ex-estudantes e professores que se mobilizam para transformar a antiga faculdade particular em uma instituição federal. Enquanto nenhuma medida concreta é tomada, o abandono das instalações persiste e causa apreensão no bairro. Há o natural receio de que se repitam em Piedade as cenas vistas no Engenho Novo, onde 5?000 pessoas ocuparam irregularmente um terreno pertencente à empresa de telefonia Oi na última semana. Segundo os poucos comerciantes que ainda restam nas redondezas, já houve pelo menos uma invasão do câmpus. Há um mês, moradores de uma favela próxima foram vistos utilizando a piscina olímpica da faculdade de educação física. A violência também cresceu exponencialmente, e os assaltos tornaram-se rotina nas vias desertas. O roubo a transeuntes na área da 24ª DP, que cobre o bairro, deu um salto de 47 para 81 registros entre janeiro do ano passado e janeiro deste ano. “Logo após o Carnaval, minha loja foi roubada por um homem armado”, conta Lúcia, que antes se sentia protegida devido à presença permanente de seguranças da própria universidade. “Foi a primeira vez que passei por isso. Estou com muito medo”, diz. Em meio a tantas incertezas, alunos, professores, comerciantes e moradores da região torcem para que os tempos de orgulho e alegria típicos de ambientes universitários voltem àquele canto da Zona Norte.

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