A história é conhecida. Depois de décadas de declínio devido principalmente à crescente violência nas numerosas favelas em seu entorno, a Tijuca voltou a atrair a cobiça da especulação imobiliária com a chegada das UPPs. Segundo dados do Sindicato de Habitação do Rio de Janeiro (Secovi), o metro quadrado no bairro teve valorização de 150% nos últimos cinco anos, fazendo daquele pedaço da cidade uma jazida para as empreiteiras. Porém, por ser uma região densamente povoada, não é tão fácil assim encontrar terrenos amplos onde as construtoras possam erguer novos empreendimentos. Não admira, portanto, que uma área de 27?000 metros quadrados a 250 metros de uma estação de metrô esteja provocando disputa tão acirrada como a que envolve o número 118 da Rua Campos Sales. Ali fica a sede do América, que amanheceu no dia 1º cercada de tapumes. Uma folha de papel afixada na entrada informava que o local estava interditado em função de um laudo do Corpo de Bombeiros. Em nota oficial, a direção justificava a medida radical afirmando não ter dinheiro para executar as reformas exigidas, e já emendava com a proposta para solucionar a crise financeira: ceder parte do valioso espaço, estimado em 270 milhões de reais, a uma incorporadora que se dispusesse a pagar a dívida milionária do clube, além de entregar uma sede tinindo de nova. “Há uma série de empreiteiras interessadas em fazer um projeto, e é isso que vai salvar o clube”, afirma Leo Almada, eleito o presidente do clube em janeiro e que tem seu cargo em xeque.
A decisão não foi bem-vista por parte dos sócios e gerou um racha político com consequências drásticas. Os integrantes da oposição realizaram naquela mesma noite uma assembleia geral que determinou a reabertura dos portões e a destituição de Almada. Acusam-no de ter usado a tal notificação dos bombeiros, que seria de fácil resolução, como pretexto para pressionar a entrega de parte do patrimônio à iniciativa privada. “Ele acha que pode fazer o que bem entende aqui, mas não vamos ceder um centímetro da nossa sede a ninguém”, afirma Gilberto Cardeal, alçado a presidente desde a tal reunião. Almada, por sua vez, argumenta que não há outra saída, uma vez que a agremiação convive com um déficit mensal de 400?000 reais e uma dívida que pode chegar a 60 milhões. Uma consultoria externa estava fazendo uma radiografia da instituição, que acabou suspensa em meio a tantas indefinições. “O clube foi loteado por quem vive de sua exploração. Eles reagem assim porque estou acabando com essa mamata”, rebate Almada, que busca na Justiça a restituição do cargo, alegando que houve fraude nas assinaturas para obter o quórum mínimo da assembleia.
Trocar um naco do patrimônio em prol do saneamento financeiro não é uma medida inédita no América, tampouco mostrou ser a panaceia para os problemas. Nos anos 70, o antigo estádio da Rua Campos Sales deu lugar à sede atual. Como compensação, a empresa de engenharia que executou a obra pôde erguer um condomínio residencial em parte do terreno. Na década de 90 houve uma nova permuta, também vista como a tábua de salvação. O América entregou o estádio que tinha em Vila Isabel para a construção de um shopping. Em troca, ganharia uma nova arena, para 38?000 pessoas, em Édson Passos, na Baixada Fluminense. Não foi bom negócio: o centro comercial ficou pronto em 1996, mas a contrapartida só ganhou corpo quatro anos depois, financiada em parte pelo próprio clube e com a capacidade reduzida para 12?000 torcedores. Desta vez, há um empecilho a mais. Justamente para resguardá-la da especulação imobiliária, a sede foi tombada pela prefeitura. É inegável, no entanto, que ela esteja muito ma lconservada. O grosso do sustento vem dos 260 sócios em dia com a mensalidade, de 70 reais. Outras receitas são provenientes da concessão de garagem, loja, academia e restaurante, que, na verdade, funciona como bingo. No complexo há ainda três piscinas ? uma delas olímpica ?, campo society (totalmente arrebentado), sala de sinuca e parque infantil. O teatro, o ginásio, o salão nobre e a boate estão fechados. Torcedor do América, o deputado Romário tem planos de assumir o clube, cujo time estagnou na segunda divisão estadual. É um nome de consenso. Se de fato vier a ser presidente, o ex-jogador terá diante de si uma difícil retranca a ser vencida.