Aos domingos, bem antes de o sol nascer, começa o vaivém na Rua Augusto Severo. Caminhões descarregam, lá pelas 4 da manhã, as estruturas de madeira das famosas barraquinhas de cobertura listrada, que logo vão oferecer uma vasta gama de produtos — de verduras e legumes a itens de artesanato, roupas de brechó e até pratos típicos de países tão distantes como Nigéria e Peru. Quando a Feira da Glória, a maior do gênero no Rio, inicia os trabalhos, no princípio da manhã, moradores já marcam presença para garantir os ingredientes das refeições da semana. Mas é mais para o final da rua, onde se apertam 120 expositores, que fica o novo point que mudou a vocação do local, hoje um destino de cariocas de toda parte que passam o dia por lá. “As pessoas vêm de vários lugares da cidade para curtir, almoçar e comprar mercadorias que não encontram no shopping e só vão conseguir aqui”, diz o roteirista Daniel Cairoli, 32 anos, da Prainha Discos, uma das quarenta novidades que pipocaram recentemente por lá.
A cada dia, chegam barraquinhas com ofertas para todos os gostos e paladares. Frequentador antigo da Feira da Glória e dono de um acervo com mais de 25 000 vinis, Cairoli decidiu deixar seu espaço na Praça XV e migrar para a Zona Sul apostando no potencial de público. Com um estande posicionado de forma circular, para facilitar a movimentação da freguesia, chama a atenção dos apreciadores de discos, que podem escutar um som que varia conforme o estoque do dia, enquanto degustam um dos rótulos da vizinha Cir.Kula Cervejaria Itinerante. “Existe essa sinergia que é típica das feiras, com muita troca e convivência, num clima que contagia desde o morador de rua até a patricinha do Leblon”, pontua Aluana Guilarducci, 42 anos, socióloga e pernalta de quatros blocos da cidade, que expõe peças de Carnaval e moda praia da sua marca, a Baderna. “O público tem um perfil de consumo bem alternativo”, define ela, que, por não ser expositora fixa, é uma das madrugadoras que bate ponto desde às 6 da manhã, esperando para ver se algum feirante vai faltar.
Depois que a pandemia fez os programas ao ar livre se tornarem mais concorridos, o número de barracas aumentou 50% e há uma lista com mais de quarenta nomes à espera de uma chance para exibir seus produtos na Feira da Glória. Quem cuida da administração é a vendedora Meire Ferreira, há mais de três décadas à frente de um brechó de roupas. “A fiscalização começou a bater e abracei a causa, para organizar as coisas na medida do possível e batalhar para todos terem uma licença”, lembra. A regra ali é clara: se alguém não aparecer por três domingos seguidos, vai para o final da fila e outra marca ocupa o disputado lugar. É preciso pagar 50 reais por domingo por um espaço ao sol na feira, valor destinado aos profissionais de montagem, mais uma taxa pela segurança. São cerca de quarenta barraquinhas de comida e bebida, sessenta de brechós dos mais variados itens e vinte de artesãos (confira os destaques abaixo).
Com cada vez mais opções, a Feira da Glória garante destaque em um rol de eventos semanais que integram o circuito da cidade, como a Feira da General Glicério, em Laranjeiras, aos sábados, e a Feira Hippie de Ipanema, aos domingos. Se antes a maior parte do público era formada por moradores da vizinhança, agora deságua gente de tudo quanto é canto na Glória — caso do professor Magno Santos, 37 anos, morador da Zona Norte. “Vi um vídeo sobre a barraca de comida nigeriana e quis conhecer porque é muito difícil achar comidas que me levam às minhas raízes”, celebra ele, em sua primeira visita. O rapaz se refere à Cozinha da Latifa, fenômeno que invariavelmente reúne gigantescas filas — o professor mesmo esperou 75 minutos para provar um dos três pratos típicos oferecidos, como o feijão-fradinho com camarão e banana frita. “O trabalho nas feiras, com o boca a boca que ele traz, me ajudou a ser reconhecida”, conta a refugiada Lateefat Hassan, no Brasil desde 2015, cujo sonho é abrir o próprio restaurante.
Outro fator que vem lançando holofotes sobre o bairro (literalmente) são as obras do programa Dias de Glória, da Secretaria Municipal de Turismo, que promove uma grande revitalização em catorze áreas, sob um investimento de 23,7 milhões de reais. A primeira delas a ser entregue foi a Praça Edson Cortes — batizada em homenagem póstuma ao fundador do grupo Galocantô —, onde acontecem as rodas de samba que encerram o fervo dominical na Feira da Glória. O espaço ganhou um palco, três rampas de acessibilidade, playground para a criançada, aparelhos de academia, e ainda foi realizado por lá o restauro de postes de iluminação, o que melhora a segurança. “Virou um local muito democrático, para encontros de todas as realidades que o Rio tem”, avalia Alberto Szafran, subprefeito do Centro. Para quem escolhe madrugar cedo por lá ou curtir a animação musical do fim de domingo, o que não faltam são opções em tão glorioso cartão-postal a céu aberto.
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É DIA DE FEIRA
Um roteiro de atrações para curtir em um domingo na Glória
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Bolinho de Bacalhau do Mazzaropi
Há mais de quinze anos na feira, o negócio familiar vende 350 bolinhos por dia
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Prainha Discos
Os vinis que estão à venda no novo estande são colocados para tocar
Roda de samba
Oito grupos se alternam a cada domingo a partir das 14h na Praça Edson Cortes
Pi Kombucha Tropical
Para democratizar a bebida probiótica, são vendidos growlers de 1 litro a preços acessíveis
Cozinha da Latifa
Fenômeno local, atrai uma multidão atrás de pratos típicos preparados pela refugiada nigeriana Lateefat Hassan
Baderna
Grife de acessórios de Carnaval e moda praia da pernalta e estilista Aluana Guilarducci
Ceviche de Harry
A barraca de comida peruana vende pratos de frutos do mar a partir de 35 reais