Ainda nos bancos das universidades, os jovens que sonham ser médicos costumam desenvolver uma visão pragmática da vida e encarar com o máximo de objetividade a dura realidade dos hospitais, consultórios e clínicas. No caso da pediatra Fernanda Fialho, de 41 anos, ela sabia o que a esperava quando atendeu sua primeira paciente com microcefalia, em março, no Instituto Estadual do Cérebro (IEC). As limitações e dificuldades das crianças com a síndrome são conhecidas e, na época, o noticiário em torno dos casos provocados pelo vírus zika exibia o problema em imagens de cortar o coração. Mas ela não pôde deixar de se impressionar com o que viu no consultório, não tanto com relação à bebê, e sim no que dizia respeito à mãe — uma mulher exaurida fisicamente e devastada do ponto de vista emocional. Naquele encontro, Fernanda percebeu a dimensão do impacto, na saúde pública e na sociedade brasileira, da microcefalia causada pelo zika. “A mãe daquela menina estava completamente desamparada. Havia sido abandonada pelo marido e cuidava sozinha da filha, tarefa que exigia uma dedicação sobre-humana e a impedia de trabalhar. Ficamos todos muito comovidos com aquela situação”, recorda a médica.
Depois dessa consulta pioneira, 370 crianças foram atendidas no serviço coordenado por Fernanda no IEC, o mais importante do Rio e referência nacional no acompanhamento de bebês com a malformação. Com uma rotina que se dividia entre a carreira acadêmica no departamento de pediatria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e o atendimento em hospitais públicos, Fernanda mergulhou de cabeça no universo da microcefalia. “O mais difícil é lidar com a condição em que as famílias chegam ao hospital. Elas estão completamente destruídas e precisam de novas bases para se reerguer”, explica.
Fernanda nasceu em São Gonçalo e é formada pela Uerj. Moradora da Barra, é casada com o cirurgião José Carlos Fialho e mãe de João, de 10 anos. Em meio à reviravolta que a eclosão dos casos da síndrome causada pelo zika provocou em sua rotina, ela tenta equilibrar as numerosas horas de trabalho sem prejudicar o convívio familiar. “A minha vida pessoal se confunde com a profissional. Meu marido e meu filho são muito pacientes. E fico feliz que hoje o João tenha noção do que faço”, explica.
Em meio à crise financeira do Estado do Rio, o programa do IEC é um oásis no deserto da saúde pública. Recentemente, Fernanda foi procurada por Sylvia Burwell, secretária de Saúde dos Estados Unidos, interessada no trabalho de sua equipe, formada por catorze especialistas. Mas o que faz a pediatra feliz é perceber que, com o apoio necessário, as mães, os pais e os irmãos de bebês com microcefalia conseguem superar a dor e o trauma e seguir adiante.