A atriz Fernanda Torres é daquelas pessoas que têm obsessão pelo chamado ócio criativo. Não consegue acumular o trabalho na televisão com uma temporada teatral, tampouco com as filmagens de um longa. Para ela, momentos totalmente dedicados ao dolce far niente são imprescindíveis. Foi justamente num desses períodos, durante uma viagem a Nova York, nos idos de 1994, que a atriz comprou seu primeiro laptop e decidiu usar o computador portátil para “acumular ideias” sobre textos e filmes que a encantavam ou simplesmente episódios corriqueiros do cotidiano. Nascia ali uma nova persona, a de escritora. No próximo dia 28, ela lança Sete Anos, seu segundo livro, na Travessa do Leblon. Trata-se de uma coletânea de crônicas cujo título remete ao período iniciado em 2007, quando adotou a escrita como atividade regular em VEJA RIO, na qual assina uma coluna quinzenal, na Folha de S.Paulo ou na revista Piauí. Publicado no ano passado, o romance Fim já vendeu mais de 150 000 exemplares. “Tenho o mesmo nome dos meus pais, a mesma profissão, e foi só quando comecei a escrever que finalmente tive a sensação de que estava fazendo algo original”, brinca a filha de Fernanda Montenegro e Fernando Torres (1927-2008). “Como qualquer livro de crônicas, este é ideal para ler no banheiro”, emenda, com a irreverência que lhe é peculiar.
Além do humor sarcástico, as tiradas ferinas, as observações mordazes e o escracho são características marcantes da autora. Selecionadas pela qualidade e pelo caráter atemporal, algumas das quarenta crônicas do livro foram mantidas tal qual haviam sido publicadas. Outras sofreram retoques. A única inédita é Despedida, um relato da madrugada da morte de seu pai, vítima de enfisema pulmonar, que ela não se sentiu à vontade para divulgar na época (veja na pág. ao lado). Dois outros textos em homenagem a Fernando, que tinham saído em VEJA RIO, também estão na coletânea. “A revista é onde escrevo sobre a minha esquina, o Rio e coisas pessoais também”, explica. Fatos memoráveis da carreira como atriz também são matérias-primas para as criações literárias. O texto que abre o livro relata sua experiência na Amazônia durante as filmagens de Kuarup, aos 23 anos. “A Fernanda é uma escritora que já estreou madura. Está pronta, tem pleno domínio do que faz”, ressalta seu editor, Flavio Moura, da Companhia das Letras.
Levando-se em conta a precocidade em outras searas, é inegável que ela teve seu noviciado no mundo das letras tardiamente. Sua estreia no teatro se deu aos 13 anos, foi para a TV com 15 e começou no cinema um ano depois. Aos 20 era aplaudida internacionalmente, quando ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes, com o filme Eu Sei que Vou Te Amar, dirigido por Arnaldo Jabor. “É incrível ser debutante de novo”, diz. Se Fernanda deu vazão ao novo talento mais tarde, fez dele uma rotina. Escreve todos os dias. Costuma digitar seus textos na cama mesmo, com o laptop sobre as pernas, em seu quarto na cobertura da Lagoa, onde vive com os filhos, Antonio e Joaquim, de 6 e 15 anos, e o marido, o cineasta Andrucha Waddington. Em vários deles, deixa explícito o seu estilo ácido, que em certos momentos descamba para o escatológico. Criada nos sets de filmagem, conta que essa verve remonta às décadas de 70 e 80, período em que a produção cinematográfica nacional fervilhava com as famosas pornochanchadas. Na época, as atrizes, para demarcar seu território em um ambiente em que machismo e grosserias eram praxe, costumavam falar as mesmas barbaridades que os homens para não se sentirem diminuídas. Versátil e hábil com as palavras, Fernanda é elogiada tanto pela crítica como por colegas de TV, cinema e palco. “Seu olhar para o mundo é sempre apaixonado e livre de preconceitos”, observa o também ator e cronista Gregorio Duvivier, que lançará a obra Ligue os Pontos em uma sessão conjunta com Fernanda.
O mergulho da atriz no universo das letras é decorrência de uma crise que se manifestou assim que completou 30 anos de idade. Na ocasião, os convites para novelas, peças e filmes começaram a rarear e, ao mesmo tempo, ela ficou mais seletiva com relação a suas escolhas. À beira de entrar para a turma das cinquentonas, Fernanda se diz bem resolvida com a carreira artística e com sua aparência. “Marisa Orth certa vez disse que, como não tinha sido uma adolescente bonita, só podia melhorar com o passar do tempo. Comigo é assim, eu melhorei”, comenta, às gargalhadas. Da mocinha bochechuda do passado sobraram apenas os olhos enormes herdados da mãe. A atriz exibe hoje enxutos 56 quilos distribuídos por 1,70 metro de altura à custa de muita ioga, pilates e corrida. Já se arriscou a preencher os sulcos em torno da boca, mas achou o resultado horrível. No entanto, não descarta a hipótese de uma plástica. “Tenho medo de não gostar do resultado, mas, no futuro, quem sabe?”, especula. Até que isso aconteça adota alguns truques, como só se deixar fotografar ou filmar com luz frontal, um recurso que atenua as marcas do tempo. Ocupada com a série Tapas e Beijos, já vislumbra a próxima temporada de jejum da televisão, a partir de 2015, quando o programa terminar. Mesmo atarefada com as gravações, lança as bases do próximo período criativo — e que de ocioso não terá nada. Atualmente, ela prepara um espetáculo teatral baseado em Machado de Assis, escreve uma história de terror que será filmada pelo marido e já tem quatro capítulos escritos para um novo livro.