A onda de renovação do Carnaval carioca, impulsionada pela popularização das fanfarras — bandas que unem instrumentos de sopro e percussão — está ajudando a revigorar outra festa popular, a de São João. Depois da catarse momesca que tomou conta das ruas da cidade, na célebre folia pós-pandemia, os principais cortejos já estão trabalhando em pleno vapor para colocar de pé seus próprios arraiás.
“Depois da Covid, o primeiro Carnaval com força que tivemos foi o deste ano, o que deve se repetir na festa junina”, acredita Thaís Bezerra, maestrina do Multibloco, que desfilou pela primeira vez em 2009 e, no mesmo ano, organizou seu arraiá de estreia. As oficinas do módulo junino, para quem quer se iniciar em instrumentos como tamborim, repique e surdo, seguem de vento em popa, com ensaios na Lapa e em Niterói, e a turma vai se apresentar no Arraiá do Bem, na festa do Sesc Madureira e na Feira de São Cristóvão.
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É bem verdade que alguns desses blocos já nasceram com a vocação junina no DNA, por seu repertório e temática — fator que contribui para a aproximação entre os dois festejos. É o caso do Bloco do Caramuela, dedicado ao forró pé de serra: o cortejo apareceu em 2018, a partir da banda de nome igual, que fazia seu arraiá desde 2014.
O Bloco da Terreirada é mais um exemplo da afinidade entre Carnaval e São João. Criado em 2010, dedica-se a ritmos populares e, a cada ano, vem com um tema, que é desenvolvido pelas oficinas (de percussão, coordenada por Thaís Bezerra, e de perna de pau, por Raquel Potí) nos períodos juninos e carnavalescos. Neste ano, o mote foi a Quinta Dimensão Encantada. “Quando você entra na Quinta da Boa Vista, onde nos apresentamos, parece outra dimensão mesmo, com aquelas cores, a brincadeira, e toda a parte lúdica do Terreirada”, explica Thaís.
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A pluralidade de linguagens que os blocos passaram a incorporar ao longo da última década também colabora com o casamento entre as duas festas. Se até o início dos anos 2000 um típico cortejo era formado basicamente pela banda e pelos foliões, hoje dançarinos, circenses e pernaltas são figuras comuns nos desfiles.
A ala dos pernas de pau da Orquestra Voadora, por exemplo, vai organizar o São João PernAlta nos jardins do MAM. Com direito a auto do boi, quadrilha e casório na roça, a farra é embalada pelo som do Trio Voador, formado por músicos do bloco. “O Coletivo PernAlta, que fundou a oficina Pernas Voadoras, é uma galera dos folguedos populares, da contação de histórias, então eles trouxeram essa ideia de fazer o São João e introduzir a festa no cotidiano dos alunos da oficina”, conta Luiza Sussekind, ex-aluna e agora professora.
Um grande motor para a crescente junção de blocos e arraiás é econômico — afinal, boa parte dos cortejos depende das oficinas para se sustentar, e estender a janela de aulas é muito bem-vindo. “Um bloco envolve altos custos, e as oficinas juninas ajudam a movimentar o mercado, dando trabalho a gente que ficava à mercê nesta época”, ressalta Igor Conde, maestro do Caramuela.
No caso do NossoBloco, as aulas são o ano todo. “Quando fazia faculdade, só tinha janeiro e fevereiro para frequentar as oficinas, e a maioria já estava com as inscrições encerradas. Eu ficava frustrado. Quando eu criei o bloco, decidi acabar com esse problema”, conta Francisco Machado, o Chico Chocalho, que lançou o cordão em 2019 e integra outros seis.
Um dos fundadores do bloco Vem Cá, Minha Flor, que realizará o Arraiá das Frô, Edu Machado faz uma reflexão mais filosófica sobre o que une as duas festas, lembrando que ambas estão conectadas pelo mesmo espírito democrático. “A única coisa que diferencia uma da outra é o fato de o Carnaval ser pegação e ‘maluquice’, enquanto a festa junina é mais tranquila, sossegada. As mesmas pessoas estão lá, mas com uma energia diferente”, avalia. No fim das contas, sai todo mundo ganhando: a engrenagem que faz das celebrações grandes acontecimentos e o carioca, que vê a cidade tomada de festa. Partiu caminho da roça?
No caminho da roça
Como participar dos arraiás e oficinas juninas
Vem Cá, Minha Flor. Criado em 2016, o Arraiá da Frô se tornou um das festas juninas mais concorridas da cidade. Tem bandas de forró, quadrilhas, comidas típicas, brincadeiras e apresentação do bloco em ritmo junino. Sem data definida, deve acontecer no NAU Cidades ou na Praça Luís de Camões, na Glória. Mais informações no Instagram @vemcaminhaflor.
São João Pernalta. Organizada pelos artistas de perna de pau da Orquestra Voadora, tem auto do boi, casamento na roça e quadrilha embalados por músicos da OV. Será 5 de agosto, das 13h às 18h, nos Jardins do MAM. A preparação se dá na Oficina Pernas Voadoras, realizada aos domingos no MAM. Inscrições pelo link na bio do Instagram @pernasvoadoras.
Caramuela. Dedicado ao forró pé de serra, capricha no repertório, com músicas de grandes nomes do gênero, como Alceu Valença e Anastácia, madrinha do bloco. A festa acontece em 30 de julho, em Santa Teresa, mas os preparativos já estão a toda nas oficinas de percussão e dança. Inscrições pelo link da bio do Instagram @caramuelaoficial.
Terreirada. O repertório, que será apresentado na Quinta da Boa Vista, em 15 de julho, a partir das 11h, com entrada gratuita, inclui músicas de ritmos populares brasileiros. As oficinas de percussão são comandadas por Thaís Bezerra, e de perna de pau por Raquel Potí. Inscrições pelo link da bio do Instagram @blocodaterreirada.
NossoBloco. Samba e funk dão lugar a xote e galope (ou arrasta-pé) no repertório que será apresentado em 24 de junho, às 14h, com entrada gratuita, em frente ao Ateliê Bonifácio, na Lapa. A oficina de percussão tem quatro turmas, com uma aula por semana, e a de perna de pau, uma. Inscrições pelo link da bio do Instagram @nossoblocooficial.