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Os herdeiros vão à luta

Jovens representantes das dinastias políticas fluminenses, como os filhos dos ex-governadores Cabral e Garotinho, correm atrás dos votos à sombra dos pais

Por Felipe Carneiro e Sofia Cerqueira
Atualizado em 2 jun 2017, 13h01 - Publicado em 10 set 2014, 16h37
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    Pelas vielas da Rocinha, subidas do Vidigal, becos da Maré e pontos estratégicos do Complexo do Alemão, a imagem de um jovem estampada em cartazes chama atenção. Sozinho ou acompanhado de lideranças locais, o sorriso impecável e um penteado que dissimula entradas acentuadas não deixam dúvidas: o candidato a deputado federal Marco Antônio Cabral é a cara do pai, o ex-­governador Sérgio Cabral. Sua onipresença em várias favelas cariocas não se dá por acaso. É explícita a intenção de cooptar eleitores a reboque de um dos projetos mais prestigiados da administração paterna, as UPPs. Em sua primeira eleição, Cabralzinho ? como o rapaz vem sendo chamado nas ruas ? já se vale de dois trunfos. O primeiro é o empurrão do pai dentro do PMDB local. O segundo é a portentosa previsão de gastos para a campanha, estimada entre 3 e 5 milhões de reais. Aos 23 anos e com um curso de direito por concluir, Marco Antônio é a grande aposta para a consolidação de seu clã na política fluminense. “Estou na política porque acredito que há muito a ser feito pelo Rio, mas é inegável que, na minha primeira eleição, meu sobrenome vai ter um peso nas urnas”, reconhece.

    Em 5 de outubro, Marco Antônio enfrentará seu batismo eleitoral concorrendo com 922 candidatos a uma das 46 cadeiras reservadas aos representantes do estado na Câmara dos Deputados, em Brasília. Sua maior adversária, entretanto, é outra jovem, pertencente a uma dinastia arqui-inimiga do grupo encabeçado por seu pai. Trata-se de Clarissa Garotinho, filha do ex-governador Anthony Garotinho, até a semana passada o líder na disputa ao Palácio Guanabara. Nove anos mais velha que Marco Antônio, Clarissa participa de sua quarta eleição. A primeira foi à Câmara dos Vereadores do Rio em 2008, aos 26 anos. Cravou a marca de 42?000 votos e tornou-se a candidata mais votada do PMDB, então seu partido. Dois anos depois, encarou nova corrida e sagrou-se deputada estadual. Dona de um estilo marcante, só faz corpo a corpo de salto alto ? com declarado 1,60 metro, ela se acha baixinha ? e termina os discursos mandando um “beijo no seu coração”. Formada em jornalismo, tem experiência em rádio e trabalhou na produção de um programa da Xuxa. Clarissa mira o Congresso, mas seu alvo é outro: a prefeitura do Rio, à qual sonha concorrer já em 2016 caso o pai não se eleja para o governo do estado. Além de ambiciosa, não se intimida facilmente nem foge da briga. “Sempre que criticam meu pai ou minha família, rebato”, avisa. “Não tenho medo de me expor, como o Marco Antônio. Ele é um garoto bem-intencionado, mas não vai aos debates com outros candidatos”, cutuca. O filho de Cabral responde seco à provocação: “Nunca fui convidado para nenhum debate”.

    Lucas Landau
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    Em sua batalha contra os Garotinho, Cabralzinho conta com o apoio de um grupo poderoso na política regional. Encabeçado pelo presidente estadual do PMDB, Jorge Picciani, 59 anos, reúne seus dois filhos, Leonardo, 34 anos, deputado federal em terceiro mandato e candidato à reeleição, e Rafael, 28, deputado estadual, que também pretende se manter na Alerj pela próxima legislatura. Em uma dessas peculiaridades da política fluminense, o caçula concorre com o próprio pai a uma vaga no Palácio Tiradentes. A estratégia adotada para garantir vitória aos dois foi dividir geograficamente os esforços de campanha. Mais conhecido, Jorge reservou para o filho as áreas mais populosas, como a capital, a Região dos Lagos e a Serra. Pegou para si Niterói e o sul fluminense. Coeso sob todos os aspectos, o núcleo nascido na Zona Norte do Rio costuma reagir com vigor aos ataques adversários. Diante de acusações de enriquecimento ilícito feitas pelo chefão da turma encastelada em Campos dos Goytacazes ? o patrimônio do clã carioca foi de 1,7 milhão de reais, em 2000, para 58 milhões de reais, em 2011 ?, a resposta vem no mesmo tom. “O Garotinho não tem nenhuma credibilidade. O que ele tem é uma série de processos e condenações nas costas”, dispara Leonardo. Arquirrivais na Alerj, Rafael e Clarissa não escondem a animosidade que sentem um pelo outro e já bateram boca publicamente no plenário da Casa.

    Seguir os passos dos pais implica alguns macetes. Em um primeiro momento, é imprescindível manter ao máximo os vínculos com as origens. Clarissa, por exemplo, há um ano incluiu o nome Garotinho (originalmente o apelido do pai) em sua certidão de nascimento. Filho, neto e bisneto de líderes religiosos, Filipe Pereira, postulante a uma vaga de deputado federal e filho do candidato à Presidência pastor Everaldo (PSC), incorpora o tom de pregação a seu discurso. “O coração do homem faz planos, mas o futuro a Deus pertence”, diz. No espectro oposto, Flávio Bolsonaro, de 33 anos, descendente de um dos parlamentares mais conhecidos do Rio, Jair Bolsonaro, reproduz a mesma cantilena do pai em sua corrida para a Assembleia Legislativa ? redução da maioridade penal, exaltação do regime militar, defesa da pena de morte e ataques ao homossexualismo. “O eleitor, quando vê um Bolsonaro, ama ou odeia, não tem meio-termo”, afirma. A receita funciona tão bem que Flávio faz uma campanha de custo relativamente baixo. Espera gastar 110?000 reais e concentrar a divulgação de seu trabalho na internet e na porta de batalhões, quartéis e hospitais militares.

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    Fotos Felipe Fittipaldi/agradecimento: Tok&stock
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    Valer-se do prestígio e da tradição familiar junto ao eleitorado não é uma exclusividade dos políticos do Rio. Dos três principais candidatos que iniciaram a campanha presidencial, dois podiam se vangloriar de descender de importantes figuras da República: Eduardo Campos, morto no início de agosto, era neto de Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco; e Aécio Neves é neto de Tancredo Neves, ex-ministro de Getúlio Vargas, ex-governador de Minas Gerais e primeiro presidente civil eleito pelo voto indireto após a ditadura militar. A prática se espalha por todas as esferas do poder público. Pesquisa realizada pela ONG Transparência Brasil aponta que, só entre os deputados federais com menos de 30 anos, o número de parlamentares herdeiros de oligarquias chega a quase 80%. “É um expediente danoso para a democracia. O poder se concentra nas mãos de algumas famílias que criam entraves a mudanças e impedem uma renovação saudável na política”, observa Natália Paiva, coordenadora do estudo.

    Felipe Fittipaldi
    Felipe Fittipaldi ()
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    É inegável que, se esses herdeiros largam em vantagem com relação aos outros candidatos, eles também costumam carregar um passivo desconfortável como herança. Marco Antônio Cabral, por exemplo, é acusado de tentar esconder o pai, que deixou o governo com altos índices de rejeição. “Nunca escondi e tenho o maior orgulho de ser filho de quem sou. Ele vai começar a participar de várias agendas neste mês”, justifica. Situação mais complicada enfrenta o também estreante Jorge Felippe Neto, 22 anos, candidato a deputado estadual. No fim de julho, sua mãe, a ex-vereadora Vanessa Felippe, acusou seu pai, o ex-secretário municipal de Assistência Social Rodrigo Bethlem, de ter recebido propina no cargo e depositado o dinheiro em uma conta na Suíça. A campanha do rapaz entrou em crise. Cartazes e todo o material publicitário em que o moço aparecia ao lado do pai foram recolhidos das ruas. Felippinho, como é conhecido, manteve a candidatura e a visita a eleitores, mas foge da imprensa e não divulga a agenda para evitar perguntas incômodas. Tentará vencer só com o peso político do avô Jorge Felippe, presidente da Câmara Municipal e uma das figuras-chave do PMDB no estado. O julgamento final, entretanto, está nas mãos do eleitor.

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