Na última terça (12), os funcionários da Casa Daros compareceram a uma reunião convocada pela direção do instituto uma semana antes. Supostamente, o encontro serviria para falar sobre arte cubana, tema da próxima exposição, com abertura marcada para setembro. Não escapou despercebido, porém, o estranho fato de que até os empregados que estavam de férias haviam sido convocados. Uma vez reunida a equipe, revelou-se o motivo da conferência: após o término da citada mostra, em dezembro, a Coleção Daros Latinamerica, organização suíça responsável pela operação do centro cultural, sairá de cena, limitando-se à manutenção do imóvel. Na prática, a partir de 2016, a instituição, localizada em Botafogo, só reabrirá se um parceiro (ainda inexistente) puder gerir o empreendimento. A reação imediata dos funcionários foi de estupefação. Afinal, desde a sua inauguração, há pouco mais de dois anos, a Casa Daros vem construindo uma sólida reputação no circuito artístico carioca, a bordo de exibições do que há de melhor na cena latina. Passado o choque, veio a tristeza. “Foi uma choradeira geral, inclusive dos diretores”, relatou a VEJA RIO um dos presentes à fatídica reunião.
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Oficialmente, o discurso é de que a Coleção Daros Latinamerica, comandada pela bilionária suíça Ruth Schmidheiny, vai entrar em uma nova fase, tendo como diretriz a exibição de suas peças em um circuito mais abrangente de museus e galerias internacionais — rumo dificultado pelo enfoque dispensado ao Rio desde a abertura da Casa Daros, a única instituição nos moldes de um museu vinculada à organização. A diretoria, porém, reconhece que sua gestão se tornou demasiadamente cara e logisticamente tortuosa. “O processo de transporte das obras de arte para o Brasil se revelou muito complicado. Os navios que trazem as peças muitas vezes esperam dias para atracar, gerando custos extras. Além disso, a questão do seguro dos trabalhos tem pormenores no Brasil que também ocasionam mais gastos”, exemplifica o diretor-geral da instituição, Dominik Casanova. Espanta que uma entidade do porte da Daros Latinamerica, que investiu 16 milhões de reais na aquisição do imóvel da Casa Daros e outros 67 milhões em uma restauração que consumiu seis anos, possa ter sido surpreendida de forma tão amadora pelo dispêndio da operação ou pela propalada burocracia brasileira. Mas, segundo a empresa, foi o que ocorreu. “Nossos recursos não são ilimitados. Precisamos buscar outro modo de dar continuidade ao projeto e estamos abertos a propostas”, diz, laconicamente, Christian Verling, presidente do conselho da Daros Latinamerica.
No momento em que o Rio está em vias de receber instituições como o Museu do Amanhã e o Museu da Imagem e do Som, o iminente fechamento da Casa Daros levanta a espinhosa questão do alto custo de manutenção de um equipamento cultural na cidade. Geralmente, o financiamento desses endereços pode ocorrer de três maneiras: por mecanismos de isenção fiscal, como acontece em mostras ou instituições patrocinadas por meio da Lei Rouanet; por aporte direto de dinheiro público, caso de museus mantidos pela prefeitura; ou por uma combinação das duas. Um reforço pode vir na forma de doações de pessoas físicas, algo comum em instituições estrangeiras, mas que não é exatamente um traço da cultura brasileira. Raros são os exemplos como o da Casa Daros, bancada unicamente com dinheiro privado — caso modelar no Rio é o Instituto Moreira Salles, na Gávea, fundado e até hoje gerido com recursos vindos de um fundo criado por iniciativa da família do banqueiro e diplomata Walther Moreira Salles (1912-2001).
Ações de mecenato remontam aos tempos do Império Romano — o termo deriva do nome de Caio Mecenas, influente conselheiro do imperador Otávio Augusto, em torno do qual se formou um círculo de poetas e intelectuais cuja produção ele sustentava. Com o tempo, tal ação passou a designar não somente financiadores diretos de artistas, como também, de forma mais ampla, difusores da cultura, ainda hoje invariavelmente ricaços. À parte o prestígio conquistado, alguns deixam um legado na forma de uma instituição aberta ao público. Foi esse o caminho do empresário e colecionador americano Solomon Guggenheim (1861-1949), criador da fundação batizada com seu sobrenome, que comanda diversos museus pelo mundo, e da argentina María Amalia Lacroze de Fortabat (1921-2012), acionista da maior indústria de cimento em seu país, cujo valioso acervo de obras de arte ocupa um moderno edifício aberto à visitação pública em Porto Madero. Com o fechamento da Casa Daros no horizonte, Ruth Schmidheiny, dona de uma das mais notáveis compilações de arte latino-americana do planeta, se retira melancolicamente desse seleto grupo.