Em tempos de campanhas como #MeuPrimeiroAssédio, as mulheres estão cada vez mais conscientes de seus diretos e (ainda bem) não se calam mais diante de situações de violência. Pelo contrário, elas lutam, denunciam, recusam-se a abaixar a cabeça. Foi o que fizeram três mulheres neste sábado (11), por volta das 23 horas, ao discutirem com um garçom na porta do bar Tipicamente, localizado numa das esquinas mais movimentadas do Jardim Botânico. Com um celular na mão, uma delas gritava com o funcionário da casa, estático na porta do estabelecimento: “Eu quero a senha, agora!”
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Desconfiadas de que ele havia usado o celular para fazer imagens delas dentro do banheiro, através de uma fresta no alto da porta, elas ameaçavam chamar a polícia. O atendente, trêmulo, pedia: “Eu tenho família, mulher, filho para sustentar, por favor, não faz isso”.
Ao chamarem pelo gerente do estabelecimento, um funcionário se apresentou às clientes, ouviu a história completa e, frio, argumentou: “Mas só tinha uma mulher dentro do banheiro?”. Revoltada, a vítima retrucou: “O que interessa se tinha uma, duas, três? Por que isso importa?”
Pressionado e acuado por outros clientes que estavam no local, o garçom acabou fornecendo os quatro números que davam acesso ao seu aparelho celular. A suspeita acabara de ser confirmada: lá estava o vídeo registrando todos os movimentos de uma das clientes dentro do banheiro do bar.
A polícia foi chamada, e o acusado foi levado junto com a vítima e as amigas para a 15ª DP da Gávea, onde o caso foi registrado.
ATUALIZAÇÃO
Nesta segunda (13), VEJA RIO entrou em contato com duas das vítimas, A. e B., que pediram para permanecer anônimas: “Quando a polícia chegou ao bar, queriam levar todo mundo junto na mesma viatura, nós e o garçom. Dissemos que não fazia sentido, não iríamos com aquele cara. Ligamos para o nosso advogado e fomos com ele de carro para a 15ª DP”, conta A..
As duas mulheres, mais uma testemunha, chegaram à delegacia por volta das 23h30. “Pedi para sermos atendidas por uma policial mulher mas, infelizmente, não havia nenhuma. Não tinha nem delegado lá, um absurdo em pleno sábado no Baixo Gávea. Isso é incompreensível, inaceitável. E ainda tivemos que esperar para dar o nosso depoimento numa sala junto com o garçom. Ficamos bastante desapontadas”.
A. conta ainda que só teve coragem de procurar a polícia por estar acompanhada das amigas, uma delas igualmente vítima. “É tudo muito constrangedor. Era mais fácil pegar o celular da mão do funcionário e destruir o aparelho, mas estamos fazendo o nosso dever cívico de denunciar. Espero que ele vá preso, mas tudo depende do julgamento do caso e dos antecedentes criminais dele. Talvez só tenha que pagar cesta básica”, lamenta a moça, que deixou a delegacia por volta das 4 da manhã com as amigas.
O celular do garçom, que vai responder em liberdade à contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, foi apreendido para perícia à revelia de B., a segunda vítima. “Estou me sentindo péssima, com ódio, não consigo parar de pensar no episódio. Fica um machucado, um trauma, estou me sentindo invadida. E agora todos os policiais também vão me ver no banheiro do bar, isso é horrível”, desabafa. Procurado, o delegado da 15ª DP não foi encontrado.
O funcionário do estabelecimento não apareceu mais para dar expediente na casa, nem para buscar seu pagamento. Segundo o gerente Edvaldo Souza, do turno da noite, o garçom era temporário. Ele só havia sido contratado para aquela noite, a fim de reforçar a equipe por causa de uma festa junina na Praça Pio XI, nas redondezas. “Não fui eu que o contratei, eu não o conhecia, então não sei te dizer quais eram as referências dele”, disse Souza a VEJA RIO. “A gente nunca reparou que tinha uma fresta em cima da porta do banheiro feminino”, completou, apressando-se em desligar o telefone.