Em um edifício comercial na Rua Guilhermina Guinle, em Botafogo, o expediente tem avançado noite adentro no 2º andar. Ali funciona o quartel-general da Bodytech, a maior rede de academias de ginástica da América do Sul, com 50?000 alunos espalhados por sete cidades em cinco estados brasileiros. Com os telefones tocando sem parar, mesmo tarde da noite, o empresário Alexandre Accioly, dono do conglomerado, e o ex-banqueiro Luiz Urquiza, seu principal executivo, mantêm sucessivas rodadas de reuniões com o restante da diretoria. Motivo: acertar os últimos detalhes para uma ofensiva que promete mudar o mercado de fitness no Brasil. O movimento tem data para começar ? a próxima terça-feira (19), com a inauguração de uma nova unidade na Barra da Tijuca, a 25ª do grupo. Em uma área de 4?500 metros quadrados, ela terá mais de 200 aparelhos de musculação, três piscinas aquecidas, cinco salas de atividades com jardins internos e luz natural, quadra poliesportiva, ginásio de ginástica artística, banheiras de ofurô e saunas. Para os próximos doze meses, estão previstas mais dezenove inaugurações de porte similar, totalizando 44 endereços. Com isso, a marca terá sido fincada em dezessete cidades de catorze estados. ?A palavra de ordem é uma só: crescer?, diz Accioly, gesticulando muito, como é seu costume.
Das futuras unidades, metade já se encontra em construção e as demais vêm sendo adquiridas ou estão em fase final de negociação. Embora só esteja ganhando corpo agora, a expansão Brasil afora tem sido ensaiada há pelo menos seis anos. Desde 2005, o grupo de Accioly ? no qual se incluem o técnico da seleção masculina de vôlei, Bernardinho, e o empresário paulista João Paulo Diniz, do Pão de Açúcar ? planejava passos mais largos. O foco imediato era a cidade de São Paulo, o maior mercado do país. Os empreendedores começaram a entrar lá em 2008, com a compra da Fórmula. A partir daí, puderam conferir de perto a temperatura de um ambiente altamente competitivo, disputado palmo a palmo com potências como a Bio Ritmo e a Companhia Athletica ? com 23 e quinze unidades, respectivamente. ?Já houve ocasiões em que deixei os treinos da seleção para ir a reuniões em São Paulo?, conta Bernardinho. ?É importantíssimo para nós.? A partir de agosto, a marca carioca finalmente estreará ali, com a reinauguração da antiga Fórmula do Shopping Eldorado, uma academia gigantesca de 9?000 metros quadrados.
Empresário de sucesso em ramos tão diversos como entretenimento e gastronomia, Accioly, 49 anos, casado há um ano com Renata Padilha e pai de Antonio, 6, tem uma maneira bastante peculiar de estruturar seus negócios. Com múltiplas relações, ele usa a agenda eletrônica de telefones para atrair sócios. Na Bodytech, já teve parceiros como o ex-jogador Ronaldo, que deixou a sociedade recentemente para se dedicar à própria agência de marketing esportivo, e Tande, ex-atleta do vôlei, que saiu no ano passado. O ator Rodrigo Santoro até hoje é acionista do grupo (mesmo com participação diminuta). Na incursão pelo país, Accioly pretende firmar parcerias regionais. Em todas, os recém-chegados ficarão com 30% do negócio. Nas filiais de Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis, quem fez os convites foi Bernardinho, e os escolhidos foram os jogadores Bruno (seu filho), Murilo e Giba, os três da seleção brasileira de vôlei. No Rio Grande do Norte, entra o deputado potiguar Fábio Faria, que ganhou certa fama por conquistar beldades como Sabrina Sato e Adriane Galisteu. Na Bahia e em Alagoas, entrarão empresas ligadas às famílias Magalhães e Collor de Mello. ?Nenhuma empresa do setor está crescendo tanto quanto a Bodytech. Para o mercado, isso é excelente, pois atiça a concorrência, e quem ganha são os clientes?, afirma Waldyr Soares, representante no Brasil da International Health, Racquet & Sportsclub Association (IHRSA), a principal associação mundial de fitness.
Em um país com 18?000 espaços de ginástica, a imensa maioria deles com instalações modestas, criar uma rede de primeira linha com abrangência nacional é um desafio colossal. Tanto que as seis maiores cadeias do ramo, juntas, não chegam a totalizar 17% desse mercado. Os valores de aluguel em áreas nobres de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, superam os de Nova York e Paris. Os impostos sobre a importação dos equipamentos chegam a triplicar seu preço. Como, então, a Bodytech deu o grande salto rumo ao gigantismo? Uma combinação de ambição com obsessão pela qualidade dos serviços. O diretor técnico da empresa, Eduardo Netto, explica como isso se dá na prática. ?Queríamos oferecer aulas de surfe, mas aqui ninguém entende nada disso. Decidimos então chamar o melhor especialista no assunto, Carlos Burle.? O surfista construiu sua fama domando ondas por todo o mundo, notadamente na Praia de Mavericks, na Califórnia. Toda a metodologia das aulas ministradas na filial da Avenida Lúcio Costa, na Barra, foi desenvolvida por ele. O modelo foi replicado em outros esportes, como futebol, elaborado por Zico (veja o quadro na pág. 25). Além disso, os diretores da academia viajam anualmente aos principais congressos e feiras de educação física do mundo. Eduardo Netto é palestrante assíduo de grandes eventos internacionais. Seus conhecimentos de ginástica localizada lhe renderam um apelido pitoresco: doutor glúteo.
Com características marcadamente cariocas, a Bodytech procura emular a verdadeira devoção pelos cuidados com o corpo que existe há décadas por aqui. No Rio, manter-se em forma é praticamente uma religião. Em pleno inverno, as academias já começam a ser procuradas por interessados ? e, principalmente, interessadas ? em garantir o bíceps perfeito, a barriga de tanquinho e as pernas bem torneadas para o próximo verão. Paralelamente, a crescente preocupação com a vida saudável tem atraído um novo público. Os chamados ratos de academia hoje dividem esteiras e piscinas com pessoas mais velhas, pais, mães e até crianças. Nesse ponto, a empresa de Alexandre Accioly se colocou um passo à frente da concorrência. Uma equipe de profissionais qualificados que se dedicam exclusivamente a ter ideias ? o departamento de inovação ? desenvolveu oito programas exclusivos para diferentes tipos de alunos, de todas as idades.
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Um grupo em particular recebe atenção especial. Trata-se dos frequentadores de perfil mais fugidio, responsáveis pelas altas taxas de evasão nesse tipo de negócio e grande pesadelo dos donos de academia. Na Bodytech, eles são encaminhados para um plano especial. Os professores chegam a receber treinamentos com noções de psicologia para entender melhor seus clientes fujões. Quem some passa a receber telefonemas do profissional. ?Pode parecer bobagem, mas para quem se acostumou a não cuidar do corpo isso faz uma grande diferença na hora de perseverar no exercício?, diz o iluminador Cesar de Ramires, 42 anos, que há seis meses treina na filial de Botafogo. Um dos profissionais que implantaram a filosofia do bom serviço foi o administrador de empresas Marcelo Vianna. Antes de ocupar o cargo de diretor de operações da rede, ele atuou como gerente na Disney durante dois anos. ?Lá, a cultura do serviço é impecável. Se um sorvete cai no chão, damos outro imediatamente. Os postes são pintados todos os dias assim que escurece, pois nada pode parecer sujo. Aqui também pensamos assim?, afirma.
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O movimento expansionista da Bodytech é diretamente inspirado em modelos internacionais. Admirador do inglês Richard Branson, dono do conglomerado Virgin, Accioly se mirou nas academias criadas por ele e que levam o mesmo nome com o qual batiza sua gravadora, sua companhia aérea, sua operadora de telefonia e mais recentemente sua empresa de voos espaciais para turistas. Com 194 endereços e 975?000 alunos, a Virgin Active é a oitava rede de fitness do mundo. Entre as peculiaridades copiadas por Accioly estão o modelo de gestão transparente, com dados de faturamento, investimentos e movimentação financeira disponíveis na internet (é só entrar no site da Bodytech para conferir). De outra academia estrangeira, a nova-iorquina Equinox, ele trouxe o cuidado na ambientação das unidades com projetos arquitetônicos arrojados. Mas há pelo menos um ponto em que o grupo carioca descola do padrão internacional ? o preço. Enquanto por aqui as mensalidades giram em torno de 375 reais, na Virgin o valor é de aproximadamente 60 libras, o equivalente a 150 reais. Para suar em uma grande academia americana, como a 24 Hour Fitness, pagam-se por mês cerca de 30 dólares, ou 50 reais. A justificativa de Accioly para tamanha diferença são os custos de instalação no Brasil e do atendimento personalizado que o cliente recebe por aqui. ?Lá fora os exercícios são feitos sem nenhuma assistência de professores?, diz ele. Nos Estados Unidos, preços semelhantes aos cobrados no Brasil são vistos apenas em lugares como a David Barton Gym. Em suas seis filiais pagam-se o equivalente a 400 reais para puxar ferro e correr em meio a um visual que lembra os cenários do Cirque du Soleil.
Formada por sucessivas expansões, fusões e aquisições, a marca Bodytech nasceu em 1994. Foi quando o ex-bancário José Antônio da Rosa gastou 50?000 reais para montar uma pequena academia em uma sobreloja de Ipanema. A fama veio no dia em que a modelo Luiza Brunet cruzou a porta e se inscreveu entre os alunos. Na época, Accioly ainda estava ocupado em dirigir a maior empresa de telemarketing do Brasil, que, depois de vendida a uma operadora de telefonia por 140 milhões de dólares, deu origem a sua fortuna. Ele interessou-se pelo ramo de fitness ao comprar a A!cademia, na Barra, em 2004. No ano seguinte, recebeu uma proposta de fusão de Rosa. Assim nascia a holding A!Body Tech, hoje apenas Bodytech, ou BT, como é chamada. Desde então, foi cavando seu espaço e deixando para trás concorrentes como a Proforma, de Zé Luca Magalhães Lins, e a Estação do Corpo, empreendimento de Ricardo Amaral e hoje propriedade de Nelson Tanure. Dominado o mercado do Rio de Janeiro, o grande contendor agora está no outro lado da Via Dutra. É a Bio Ritmo, que acaba de abrir sua 23ª unidade e lançar a Smart Fit, com academias de preços mais acessíveis. O objetivo da nova marca é chegar a trinta endereços até o fim do ano. ?O mercado cresceu e ainda não consideramos que exista um confronto direto?, declara Edgard Corona, dono da rede paulistana. Accioly prepara um contra-ataque. Vai transformar a antiga grife Fórmula em uma espécie de academia low cost. Seu projeto é tornar a Bodytech um colosso até os Jogos Olímpicos em 2016, com faturamento de 650 milhões de reais (quase quatro vezes mais que o atual) e mais de 100?000 alunos. Pelo visto, o que não faltarão são noites em claro no prédio de Botafogo.