Segundo tipo mais frequente no mundo, o câncer de mama é o que mais acomete as mulheres, respondendo por 22% dos novos casos da doença a cada ano. Relativamente raro antes dos 35 anos, acima desta faixa etária sua incidência cresce rápida e progressivamente. Apesar de as taxas de mortalidade ainda serem altas no Brasil, o diagnosticado precoce e o tratamento oportuno podem salvar a vida de muitas pacientes. Por isso, é essencial que as mulheres estejam sempre atentas ao próprio corpo e não deixem de fazer os exames de rotina. Neste mês, em que todo o mundo se une em torno desta causa por meio da campanha Outubro Rosa – que tem o objetivo de promover a conscientização e a prevenção da doença – reunimos as histórias de cinco cariocas que podem falar, orgulhosas, “eu venci!”. Moradoras de diferentes bairros da cidade e com profissões bem distintas, todas encararam as dificuldades sem fraquejar e enfrentaram, não só o câncer, mas a depressão, o medo, a surpesa de uma gravidez inesperada e mais. Leia seus relatos e inspire-se!
ANA CLÁUDIA FERREIRA, 50 anos
Profissão: dentista
Bairro: Leblon
Como recebeu a notícia de que estava com câncer?
Foi há três anos, eu estava com 47 anos e vivendo plenamente, cuidando dos meus filhos, trabalhando em uma profissão que amo, fazendo diariamente minhas corridas de 8km, namorando… Quando minha médica ginecologista, num exame de rotina, identificou um nódulo na mama esquerda e me orientou a fazer uma biópsia. Demorei três meses até tomar coragem de fazer o exame, com medo do resultado – o que hoje eu sei que foi um grande erro da minha parte, pois quanto antes iniciamos o tratamento, maior é a chance de cura.
E como sua família encarou a notícia?
Na minha família houve outros casos de câncer de mama – minha mãe e uma tia – e, portanto, eu fazia parte do grupo de risco. Desde os 40 anos, realizava anualmente exames de mamografia e ultrassonografia. Com o resultado positivo nas mãos, fui para casa conversar com os meus filhos e planejar como enfrentar o temporal. Uma das primeiras coisas que pensei, sinceramente, foi em terminar o namoro, pois além de ter mais tempo para ficar com meus filhos, sem um outro olhar sobre o meu corpo, ficaria mais fácil de encarar o tratamento. Mas meus filhos sabiamente me alertaram de que justamente naquele momento eu precisava de amor e que eu não terminasse de jeito nenhum. Nesse dia vi meus filhos amadurecerem em questão de segundos bem ali na minha frente.
Qual foi o momento mais difícil do tratamento?
O momento mais difícil é o do desconhecido. As horas que passei com meus próprios pensamentos, momentos de dúvidas, sobre como ficaria após a cirurgia, se os cabelos iam cair durante a quimioterapia ou até mesmo de quanto tempo ainda teria de vida e o que ainda precisava fazer antes de partir.
De onde tirou forças para seguir a luta?
Durante o tratamento, com os cuidados e informações de toda a equipe médica, os pensamentos duvidosos vão dando lugar a uma determinação em direção à cura. Já que tinha de passar por isso, escolhi dar um bom exemplo aos meus filhos. Sem o suporte espiritual, físico e financeiro da família e de amigos queridos, eu não teria, apesar de tudo, boas lembranças de um momento muito difícil e delicado. Eles iam me visitar ou telefonavam sempre com uma palavra de carinho e força, e ainda ajudaram a pagar as contas nos cinco meses em que fiquei sem trabalhar! Parei de pensar no amanhã e comecei a viver o hoje, com Deus no controle.
Como encarou a questão da vaidade?
Li num livro do filósofo Nietzsche, uma frase que me chamou atenção e nunca mais esqueci. Ela diz: “a vaidade é a pele da alma”. Assim como, sem a pele, nossos órgãos ficariam expostos e não conseguiríamos nos olhar, sem a vaidade, nossos sentimentos bons ou ruins também ficam expostos, e a vaidade serve como um filtro para o nosso comportamento. Talvez seja isso que uma mulher com câncer de mama sinta, uma exposição sem filtro. Ter um órgão ligado à sua feminilidade alterado, seus cabelos deixando de definir o seu rosto e tendo de lidar com a vaidade de uma maneira tão diferente com um lenço, com novos cabelos, com um novo modelo de sutiã ou biquíni, com uma prótese ou duas… Felizmente, não precisei tirar toda a mama e, como meu tumor foi detectado no início, não fiz quimio, só radioterapia. Por cinco anos tenho de fazer um tratamento de hormonioterapia e visitar o médico oncologista com frequência. Mas quando vou lá, faço questão de ir bem bonita.
O que você pode dizer a outras mulheres que estão enfrentando a mesma doença?
Um amigo me apresentou um versículo bíblico (Isaias 43:2 ) que me deu muita força e eu repetia para os meus pensamentos negativos: “Quando passares pelas águas, Eu serei contigo; quando, pelos rios, eles não te submergirão; quando caminhares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti”. Portanto, querida parceira e amiga do peito, quando olhar para a cicatriz no seu seio, não veja doença, veja o fechamento de uma etapa, a possibilidade de cura. Ganhamos uma marca nova, uma tatuagem de alguém que passou pela vida.
ANA PAULA MACHADO, 49 anos
Profissão: nutricionista
Bairro: Riachuelo
Como recebeu a notícia de que estava com câncer?
Eu tinha acabado de passar por um período muito complicado. Engravidei e perdi, na primeira vez. Na segunda, engravidei de gêmeos e perdi um dos bebês no terceiro mês. Segui com a gravidez e meu filho nasceu, saudável. Quando ele estava com um ano e nove meses, eu estava tomando banho e realizando o autoexame, quando identifiquei um caroço. Fui à médica do meu trabalho e ela disse que era quase impossível ser câncer, porque eu não tinha histórico familiar e eu fazia exames anualmente e no último deles, alguns meses antes, não tinha aparecido nada. Ainda assim, ela pediu um ultrassom da mama. Fiz e apareceram dois caroços, um em cada mama. Ela pediu, então, a mamografia, que confirmou o primeiro exame. Para ter certeza de que era um tumor, ela pediu uma biópsia e o resultado foi positivo para uma das mamas. Fui ao meu ginecologista, contei tudo o que aconteceu, apresentei os exames e ele confirmou, era câncer. Ele disse que eu tinha duas opções: tratar ou não acompanhar o crescimento do meu filho. É claro que eu sabia que precisava tratar. O ginecologista me indicou um mastologista, que me apresntou um oncologista do Grupo COI. Precisei fazer a mastectomia de uma das mamas e um mês depois iniciei a quimioterapia.
E como sua família encarou a notícia?
Meu marido me apoiou, disse que ficaria ao meu lado o tempo todo, que ia me acompanhar nas sessões. A minha mãe ficava muito com meu filho, mas não se sentia bem de ir ao medico comigo. Mas me deu apoio, me ajudou, cuidava de mim. Meu marido ficou do meu lado até a segunda reconstrução mamária, quando, após 15 dias da operação, ele me disse que estava saindo de casa. Meu filho estava com três anos e meio, eu estava de licença médica e em depressão porque estava me sentindo muito mal. Achava que nada ia dar certo. Neste momento, tirei forças nem sei de onde, mas tive que levantar, sacudir a poeira e voltar a trabalhar e cuidar do meu filho.
Qual foi o momento mais difícil do tratamento?
Tive dois momentos muito difíceis: a mastectomia foi o primeiro. Até o momento em que entrei na sala de cirurgia, o mastologista disse que tentaria não retirar toda a mama. Quando acordei, vi que a mama precisou ser retirada por inteiro e desabei. Eu tinha esperança, achava que seria possível. Isso mexeu muito comigo. O segundo momento muito difícil foi a minha última sessão de quimioterapia. Já era muito difícil encontrar veia, eu sofria muito com essa procura e não queria ir. Meu marido e minha mãe me obrigaram. Foi tão difícil que eles chegaram e pensar em colocar um cateter, mas no fim não foi preciso. Imagine, só. Na última sessão…
Como encarou a questão da vaidade?
A queda do cabelo também me incomodou muito. Os médicos não têm a preocupação com este tipo de coisa, para eles são detalhes. Eu fui à consulta e depois da primeira conversa eu perguntei como eram os sintomas da quimio. A enfermeira disse que logo na primeira sessão cai o cabelo e sugeriu que eu cortasse bem curtinho para não ter muito choque. Cortei chanel e mesmo assim ainda foi um baque. Eu procurava não pentear muito. Mas um dia, antes de dormir, ele simplesmente começou a cair muito, eu me olhei no espelho com as marcas da cirurgia, o cabelo curto, caindo, fiquei abalada. Então resolvi que ia usar peruca, não tive coragem de ficar sem. Quando o tratamento havia terminado, depois da segunda construção da mama, era verão e eu resolvi que precisava tocar a bola para frente. Abandonei a peruca, dei um corte no meu cabelo, pintei, comprei roupas novas, fiz um curso de automaquiagem e segui em frente.
O que você pode dizer a outras mulheres que estão enfrentando a mesma doença?
O conselho que eu daria é: não desista. Pode ser muito difícil, tente tudo, desde a medicina alternativa até o mais pesado dos tratamentos. O que der, porque não é só por filho, por marido, é por você, para você se dar outra chance. Deus te deu uma chance porque alguma coisa tem lá na frente. Ele quer que você veja a vida por outro ângulo.
Qual a sensação de poder dizer “eu venci”?
No meu trabalho, algumas pessoas conhecem a minha história e minhas amigas também. Essas pessoas me dizem sempre: “você é muito forte, você é uma guerreira”. Eu não me vejo assim. Até gostaria de ter essa visão, mas digo que eu não tive escolha. Eu não pude escolher entre lutar ou não lutar. Eu só tinha um caminho à minha frente, que era lutar e vencer.
ANA KELLY SILVA, 27 anos
Profissão: funcionária pública
Bairro: Itanhangá
Como recebeu a notícia de que estava com câncer?
Comecei sentir meu peito enrijecido e mudando de cor, então fui a uma mastologista e o que era pra ser uma simples consulta se tornou a confirmação de câncer de mama e de uma gravidez. Fiquei sem chão, não queria acreditar que aquilo era comigo, queria acordar daquele pesadelo.
E como sua família encarou a notícia?
Meus pais já se foram e só tenho uma irmã, que mora na Paraíba. Mas meus amigos ficaram a todo momento ao meu lado, são minha família de coração.
Qual foi o momento mais difícil do tratamento?
O tempo todo foi difícil, a começar pela quimioterapia. O que mais me preocupava era não ter a certeza se tudo ia da certo, se eu tinha feito a escolha a certa… Eram tantas dúvidas, pois outros médicos tinham me dito que o correto seria tirar o bebê. Eu tomei a decisão de não seguir essa opção. Durante muitas noites, perdia o sono pensando se minha escolha teria sido realmente a melhor, mas de qualquer forma a opção do aborto não resolveria o meu problema. Eu queria muito ter meu filho e no momento isso se tornou mais importante que a doença, mais até do que minha própria vida.
De onde tirou forças para seguir a luta?
A minha maior força foi a minha fé em Deus, e a vontade de viver pra ver o futuro dos meus dois filhos.
Como encarou a questão da vaidade?
A minha vaidade foi abalada, é claro, eu tinha os cabelos imensos e de repente perdê-los… E ainda mais uma mama também… Mas era preciso seguir para poder obter a cura, então procurei conviver com isso de uma forma resignada.
O que você pode dizer a outras mulheres que estão enfrentando a mesma doença?
Eu lhes digo: assim como com tanta dificuldade eu venci, vocês também vencerão, sejam fortes, tenham fé e autoestima, pois de qualquer maneira sempre seremos o sexo mais bonito e forte, desistir jamais.
Qual a sensação de poder dizer “eu venci”?
Hoje é maravilhoso dizer que eu venci, ver meu filho crescendo cada vez mais forte e agora poder afirmar que eu fiz, sim, a escolha certa. É sensacional viver tudo isso agora. Agradeço muito a Deus e a um anjo que ele colocou em minha vida: o Dr. Luiz Guilherme Pinheiro Branco.
THAÍSA LEITE, 30 anos
Profissão: museóloga
Bairro: Cachambi
Como recebeu a notícia de que estava com câncer?
Perceber que há algo diferente com seu organismo e receber a notícia que está com câncer não é fácil. Não pensei em morte, minha pergunta para a médica foi: o que preciso fazer para resolver? É claro que chorei e senti o peso do tratamento. Tinha completado 25 anos poucos meses antes. Posso dizer que foi um momento difícil, em que foi necessário fazer uma opção e eu escolhi me tratar e fazer o que fosse preciso para ficar bem.
E como sua família encarou a notícia?
Minha família me deu um suporte imprescindível para encarar bem o diagnóstico e o tratamento. Minha mãe, irmãs, sobrinhos e namorado estavam sempre presentes. Imagino que ninguém queira ver um ente querido passando por um tratamento desses, mas encararem o processo com tranquilidade e buscando trazer momentos de descontração para a rotina foi fundamental – estávamos sempre passeando e cada vez era um roteiro e atividade diferente. Eles foram a força extra de que eu precisava. Respeitaram o tempo de cada etapa de tratamento com a dose certa de união e companheirismo e estavam sempre por perto.
Qual foi o momento mais difícil do tratamento?
Confesso que quando a médica me perguntou se eu queria ter filhos foi um momento complicado, pois ter filhos não era uma questão na época para mim e nunca tinha pensado sobre o assunto. Optei por fazer o tratamento de fertilidade antes da quimioterapia, mas o mesmo não foi tão bem sucedido e não poderia repetir, pois teria que adiar o início da medicação. Hoje continuo sem saber se terei filhos ou não, mas aprendi a dar tempo ao tempo.
De onde tirou forças para seguir a luta?
O ano de 2010 foi muito difícil, quando passei pelos tratamentos de quimioterapia e radioterapia. Ao mesmo tempo, a vontade de viver e ficar bem foram motores e precisava pensar no que faria nos próximos anos. Estava recém-formada, com o mestrado trancado por conta do tratamento, mas quando surgiu a oportunidade de prestar um concurso para minha área de formação, estudei e fiz a prova. Hoje tenho estabilidade financeira e condições de realizar sonhos de viagens que tanto amo. Afinal, a vida não para, só anda num ritmo diferente. É claro que não é fácil passar por um tratamento de câncer, seja ele qual for. Não desejo para ninguém. Mas aprendi que tudo na vida vem num momento e por um motivo que, apesar de fugir ao nosso controle, devemos respeitar e descobrir a melhor forma de vivenciá-lo. Não fiz nenhum tipo de terapia em grupo, bem como não participo de grupos de apoio ou faço trabalho voluntário. Acredito que cada mulher descobre sua própria forma de viver o câncer de mama.
Como encarou a questão da vaidade?
Trato do meu corpo e as mudanças que ele teve com o tratamento de forma muito natural. Pode não estar dentro dos padrões de beleza estabelecidos, mas é o que tenho e me sinto bem e confortável. Vou à praia e exibo minhas cicatrizes sem problemas. Não me sinto uma pessoa tão vaidosa, nem acho que o tratamento tenha alterado muito isso.
O que você pode dizer a outras mulheres que estão enfrentando a mesma doença?
O importante é ter muita paciência, esperança e vontade de ficar bem por mais que apareçam novos obstáculos no seu caminho. Vamos encarar tudo como experiência e oportunidade de melhorar nossa vida. Boa sorte para você que começa ou que está trilhando esse caminho.
Qual a sensação de poder dizer “eu venci”?
Difícil responder a essa pergunta. Ainda tenho mais seis anos de tratamento com tamoxifeno pela frente, faço exames periodicamente e tenho consultas com a oncologista e com a mastologista e, finalmente esse ano, começaram os intervalos de seis meses. Mas, perceber que os momentos mais complicados ficaram para trás e que cada dia de vida é o mais importante na sua vida, é especial. De tudo que aconteceu em minha vida nos últimos anos tenho sempre comigo uma tatuagem com o símbolo do combate ao câncer de mama e um trevo da sorte por ter a certeza de que passar por um tratamento desses é dar mais valor ao que se vive na vida.
ANA MARIA FERNANDES, 51 anos
Profissão: Empresária
Bairro: Lagoa
Como recebeu a notícia de que estava com câncer?
O chão abriu, foi muito difícil, não imagina que um dia isso fosse acontecer comigo, recebi com muita tristeza. Achei que ia morrer.
E como sua família encarou a notícia?
Em primeiro lugar, todos tomaram um susto, mas a família foi tentando entender o que estava acontecendo ao longo do tempo.
Qual foi o momento mais difícil do tratamento?
O momento mais difícil foi quando comecei a perder o cabelo, porque foi nesse momento que a ficha caiu de que eu estava realmente doente e que estava encarando um tratamento difícil.
De onde tirou forças para seguir a luta?
Primeiro, do meu bom humor e segundo, dos meus filhos. Eu olhava para eles e pensava que não podia deixá-los sozinhos naquele momento e que eu tinha a obrigação de me curar.
Como encarou a questão da vaidade?
Antes da queda de cabelo, eu já tinha preparado um kit de sobrevivência. A primeira providência foi mandar fazer uma peruca com a cor e o comprimento do meu cabelo. Mas eu queria tanto estar curada que isso não teve tanta importância, não me preocupei tanto com o fator vaidade, porque tudo se reconstrói. Mas é claro, que eu não andava sem peruca e sem lenço na rua, até para evitar um sentimento de pena nas pessoas.
O que você pode dizer a outras mulheres que estão enfrentando a mesma doença?
Que tudo passa e que elas tomem isso como lição de vida, que deem importância ao que realmente vale a pena, que acreditem na cura, e que façam um diagnóstico precoce, principalmente, porque a chance de cura é sempre maior.
Qual a sensação de poder dizer “eu venci”?
Nem sei dizer qual é a sensação, porque foi bom demais.