Não se trata de cair no conto do vigário. Ou, na gaiata tradução de Millôr Fernandes para a expressão, “to fall in the vicar tale”. Quem vai à missa das 11h30 de domingo na Capela de Adoração ao Santíssimo da Paróquia Nossa Senhora de Copacabana, na Rua Hilário de Gouveia, sabe que ela é toda celebrada em inglês. Não só sabe como está ali exatamente por essa peculiaridade. Entre um “alleluia” e um “praise the Lord” proferidos pelo sacerdote (veja o quadro na pág. 40), o fiel fica com a sensação de que está em um ritual no Harlem, bairro nova-iorquino cujos templos viraram pontos de visitação obrigatória, atraindo indistintamente turistas, leigos e religiosos. O culto em Copacabana também se caracteriza por reunir um público ecumênico. Em média trinta pessoas por domingo frequentam aquela igreja para fazer suas orações e/ou praticar o inglês. Em linhas gerais, elas buscam na palavra de Deus um empurrãozinho para aperfeiçoar o idioma falado por 335 milhões de pessoas no planeta. “As missas em inglês são ótimas para refrescar minha memória. É por isso que venho aqui”, afirma Glória Ramos, uma senhora que no último fim de semana acompanhava com entusiasmo a liturgia e procurava memorizar a pronúncia correta, atendo-se a cada detalhe fonético.
Quem sempre comanda a cerimônia é o padre Renan Féres Ferreira, que tem apenas cinco meses de batina e é igualmente pouco rodado na língua de Shakespeare. Ciente de suas limitações, o sacerdote enuncia com extremo cuidado cada frase e chega a escandir as palavras em determinadas ocasiões. “Meu conhecimento do idioma vem de filmes, seriados, músicas e videogames”, confessa ele. “Não tenho exímia fluência, mas procuro pesquisar antes tudo o que vou falar no altar.” Pela falta de domínio total da língua, padre Renan lê extremamente concentrado todo o conteúdo da celebração. Assim, não há margem para improvisações, nem mesmo na hora do sermão, como é praxe em uma missa convencional. Os livretos com as orações foram publicados pela editora americana Oregon Catholic Press e doados por um turista. Acompanham a pregação músicas conhecidas do rebanho católico carioca, mas com letras na língua estrangeira. Tal repertório é selecionado pela estudante de teologia Suzana Moreira, que já morou no Texas e trouxe de lá grande parte do setlist cristão. Ela executa os temas ao lado da americana Kay Rodrigues e seu uquelele, instrumento de cordas menor que um violão e raro de ver nas igrejas. “Pela nossa intimidade com o idioma, muitas vezes ajudamos nas leituras”, conta Kay. Levada pela reportagem de VEJA RIO, Tania Shepherd, chefe do departamento de letras anglo-germânicas da Uerj, acompanhou toda a homilia e fez sua avaliação geral. “O inglês é autêntico, embora a leitura apresente problemas de entonação”, avalia ela.
Iniciadas em meados de junho, as missas internacionais no templo de Copacabana nasceram com o objetivo de atrair a leva de visitantes estrangeiros que a cidade receberia na Copa das Confederações e na Jornada Mundial da Juventude. Soma-se a esse fator o caráter cosmopolita do eixo Copacabana/Ipanema, onde estão localizadas oito de cada dez unidades da hotelaria carioca. Foram apelos convincentes para que dom Nelson Francelino Ferreira, responsável pela maior paróquia do bairro, instituísse a inovação, que já vigora em outros dois templos da cidade. De acordo com a Arquidiocese do Rio de Janeiro, as igrejas Nossa Senhora da Misericórdia, em Botafogo, e São Judas Tadeu, no Cosme Velho, também ministram celebrações em inglês, sempre aos domingos, às 9h30 e 12 horas, respectivamente. O formato dos cultos católicos passou por diversas transformações ao longo dos séculos. Sua configuração atual vem do Concílio Vaticano II, realizado no começo da década de 60, que estabeleceu reformas na liturgia. Duas das principais mudanças foram o posicionamento do padre no altar, que antes ficava aparentemente de costas para os fiéis, e a liberação para o uso da língua vernácula, pondo um ponto-final na exclusividade do latim. Em consonância com a modernidade, a missa em inglês vem ao encontro de um mundo globalizado, em que a fé remove as fronteiras.