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Ilha com palácio completa 2 anos à venda sem oferta de compra

Construção erguida pelos Guinle foi residência de verão de governadores do Rio

Por Saulo Pereira Guimarães
Atualizado em 1 jun 2018, 07h30 - Publicado em 1 jun 2018, 07h30
ilha de brocoió
(Domingos Peixoto/Agência O Globo)

Consternado ao perder a mãe, dona Candoca, em 1936, Getúlio Vargas saiu de cena por dez dias. O então presidente viveu seu luto no sossego de um recanto exclusivo da rica família Guinle, no meio da Baía de Guanabara. “Nessa ilha encantadora, passei uns dias de recolhimento e de repouso que me eram necessários”, registrou Vargas em seu diário. O refúgio em questão, a Ilha de Brocoió, volta ao noticiário por motivos menos lisonjeiros. Em junho de 2016, no auge da crise econômica fluminense, o local foi posto à venda pelo governo do estado — com seu belo palacete incluído no pacote. Dois anos se passaram desde a oferta inicial e nenhum comprador manifestou interesse pelo espaço onde já estiveram políticos, artistas e outras personalidades. Atual proprietário, o RioPrevidência, fundo de previdência estadual, espera faturar 45 milhões de reais com a relíquia, tombada desde 1965. Especialistas nesse mercado, porém, calculam que o valor do negócio seja efetivamente nove vezes menor (algo em torno de 5 milhões de reais). Problemas de conservação estão entre as causas para tamanho descompasso.

De estilo normando, a mansão foi construída na década de 30, seguindo projeto do francês Joseph Gire, mais conhecido como o arquiteto do Copacabana Palace. Da vizinha Paquetá, a 300 metros de distância, avistam-se antigas mangueiras e a mansão, de 32 cômodos. À beira de águas poluídas, o mato cresce sem maiores cuidados, escondendo o imóvel ainda imponente, mas com paredes mofadas e piso aos pedaços. Diante de tal cenário de degradação, restrições legais que deveriam proteger a vegetação local e a construção histórica foram reduzidas, agora, a um obstáculo que triplica o custo de qualquer reforma. Gastos com segurança e manutenção entram na conta de um eventual comprador, que também arcaria com multas por danos eventuais ao patrimônio tombado. “No nicho de ilhas, Brocoió hoje é uma das mais difíceis de vender”, resume Eduardo Pompéia, membro da Bolsa de Imóveis do Rio de Janeiro, empresa especializada em avaliações.

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(Arte/Veja Rio)

Procurado pela Bolsa, um artista rico e apaixonado pela região acenou com, no máximo, 1,2 milhão de reais, valor muito abaixo do que foi pedido. Em termos de venda, o comprador ideal seria uma empresa ou instituição que conseguisse diluir em seu orçamento o custo de manter a estrutura de pé. Foi o que aconteceu com o Quitandinha. Em Petrópolis, o imóvel grandioso, de alto valor histórico, que abrigou cassino e hotel em seus tempos áureos, tornou-se um centro cultural do Sesc há onze anos e teve a preservação assegurada. Fazer do palácio na baía uma pousada ou um spa de luxo parece outra possibilidade instigante, mas isso não é simples. A adaptação, já discutida, exigiria de 6 a 8 milhões de reais só em reformas, além do esforço de convencer endinheirados a trocar destinos de águas límpidas, como Angra dos Reis, pelo resort guanabarino. Outro caminho, a alteração das regras de ocupação e preservação com a finalidade de permitir o fracionamento e o loteamento do terreno esbarra na oposição do governo do estado, que gasta 50 000 reais por ano com a (má) manutenção da propriedade.

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A ilha de Brocoió
(Domingos Peixoto/Agência O Globo)

“Brocoió poderia ser para o Rio o que Newport é para Nova York”, afirma o historiador Clóvis Bulcão, autor do livro Os Guinle — A História de uma Dinastia. A 280 quilômetros de Manhattan, o condado onde os Rockfeller, os Vanderbilt e outros poderosos clãs americanos descansavam da dura rotina dos bilionários virou um concorrido ponto turístico, com direito a visitas guiadas pelos palacetes ali instalados. A ilha de 200 000 metros quadrados ocupada em grande estilo por Octávio Guinle viveu dias de glória num tempo em que a família Lage morava na vizinha Ilha de Santa Cruz e os Marinho se divertiam em corridas de lancha nos arredores. “Durante os bailes, era comum a maré mudar e os convidados terem de dormir em Brocoió. Era uma farra”, comenta Bulcão. Após a venda do imóvel para a prefeitura do Distrito Federal, em 1944, as histórias glamourosas começaram a escassear. O lugar ainda foi visitado por Soong Mei-Ling, primeira-dama da China em 1945, e, a partir da década de 60, tornou-se residência de verão dos governadores. Agora, aguarda por um comprador que recupere o brilho de outrora e — sonhar não custa nada — abra aos cariocas um lugar que é seu, mas quase ninguém conhece. ß

 

 

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