A rotina de Eveli Ficher começa cedo, às 5 da manhã, quando ela acorda, para fazer pães com a massa de farinha orgânica que preparou na noite anterior. Enquanto o pão assa, ela colhe frutas no pomar de casa para usar nos sucos que serão servidos no café da manhã a seus hóspedes no Solar dos Limoeiros, na Ilha de Paquetá. Desde janeiro, Eveli administra a pequena guesthouse com duas suítes, que já receberam neozelandeses, ingleses e italianos. Há quatro anos, ela desembarcou em Paquetá em busca de paz e contato com a natureza. Sua experiência como consultora de negócios e a volta da ilha ao roteiro turístico carioca, entretanto, fizeram as portas de sua casa se abrir à oportunidade. E ela não é a única. Com o apoio da RioTur, os moradores da ilha organizaram o Polo de Cultura e Turismo de Paquetá, que serviu como catalisador das chamadas Casas Amigas da Cultura. Além de hospedarias, os imóveis abrigam estabelecimentos como ateliês, bistrôs, centros culturais e de convivência cujo sucesso se reflete nas perspectivas para a alta estação, no verão. “Restam poucas vagas para as festas de fim de ano, e para o Carnaval a lotação está esgotada”, diz Eveli.
Localizada no centro da Baía de Guanabara e com seu primeiro registro documental datado de 1555, dez anos antes da fundação do Rio, Paquetá já serviu de refúgio a dom João VI e se tornou ponto turístico no fim do século XIX. Nas últimas décadas do século XX, caiu no esquecimento, do qual começa a despertar. Com aparência pitoresca de lugarejo perdido no tempo e ar bucólico, a ilhota foi redescoberta há pouco tempo por dois grupos à primeira vista antagônicos: o dos que buscam sossego na maior parte do ano e o dos amantes da farra e da bagunça momesca, que chega nas barcas nos dias de folia. Nesse último caso, a ressurreição se deu no Carnaval de 2011 por iniciativa do bloco Pérolas da Guanabara. “Nosso público cresce a cada ano, atraído pela beleza, pelo charme e pela privacidade do lugar”, explica João Miranda, um dos fundadores da agremiação.
Idealizador do polo local e administrador da Casa de Artes de Paquetá, José Lavrador atribui aos moradores o sucesso na revitalização do bairro. No fim do ano passado, a crise fez com que sua casa perdesse patrocinadores dos projetos de capacitação artística. Com a ajuda dos vizinhos, Lavrador conseguiu pagar os professores e manter iniciativas como a Orquestra Jovem de Paquetá (OJP). “Somos unidos. Em breve deveremos ter as casas de cultura formalizadas. Até a vigilância sanitária esteve aqui para orientar os empreendedores sobre os padrões exigidos na gastronomia”, afirma ele. Além de atraírem visitantes, as casas de Paquetá abrigam projetos educacionais voltados para a população local. A jornalista Taís Mendes e o relações-públicas Marcelo Ficher, da Casa Flor, sustentam um programa que oferece curso básico de comunicação comunitária a jovens entre 18 e 29 anos. “Não temos patrocinadores, mas contamos com o apoio dos paquetaenses. Tenho o maior prazer de abrir a minha casa e contribuir para o sucesso da ilha”, diz Ficher, um dos criadores da primeira Festa Literária da Ilha de Paquetá (Flipa), que acontece entre 18 e 22 de novembro.
Tamanho apelo cultural tem fomentado a criação de hospedagens, como a recém-inaugurada BruMar, que, além de acolher as visitas do continente, promove reuniões como o Café Filosófico, realizado todo dia na biblioteca do espaço. Ali, para ter um aparelho de TV instalado no quarto, o hóspede tem de pedir. “A ideia é que os clientes sintam que este lugar é especial. E nós propomos tal contato com o ambiente e a atmosfera da ilha”, explica Bruno Alves, que, ao lado da mulher, Mariza Vieira, comanda o negócio. Não é preciso muito esforço para perceber o que leva tantos cariocas a se aventurar por aquele pedacinho de terra no meio da baía, a pouco mais de uma hora de barca da Praça XV.