Instalado em uma antiga estação ferroviária à beira do Rio Sena, o Museu d?Orsay é parada obrigatória de qualquer turista em visita a Paris. No prédio está exposto um dos mais espetaculares conjuntos de pinturas, esculturas, ilustrações, peças decorativas e fotografias do mundo, produzido entre 1848 e 1914. Ao todo, o acervo reúne 154?000 obras provenientes de diversas coleções públicas ou adquiridas a partir de 1986, quando a instituição foi criada. Pensou em cenas e retratos pintados por Pierre-Auguste Renoir? Ali há 81 deles. Vincent van Gogh? São 24 quadros, de valor inestimável. A lista prossegue com expoentes do porte de Paul Cézanne, Edouard Manet, Claude Monet, Paul Gauguin e Edgar Degas. Grande notícia: a partir do dia 23, os cariocas terão a chance rara de ficar frente a frente com uma excepcional amostra dos soberbos estudos de luz e cor feitos por esses pintores. A exposição Impressionismo ? Paris e a Modernidade, no Centro Cultural Banco do Brasil, exibirá 85 telas trazidas da capital francesa pela primeira vez. Várias delas são verdadeiros marcos na história da arte, seja pela técnica adotada, seja pela temática escolhida. É o caso dos seis trabalhos que ilustram esta reportagem, acompanhados de explicações detalhadas a respeito do processo de criação de seus autores. “Trazer essas obras ao Brasil é uma oportunidade única para nós. Na primeira etapa da mostra, em São Paulo, ouvi depoimentos emocionantes de estudantes e professores, comovidos por ver ao vivo telas que só conheciam dos livros”, diz Guy Cogeval, presidente do Museu d?Orsay.
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Poucos movimentos artísticos são capazes de despertar tanta empatia e admiração quanto o impressionismo. Detentor da maior coleção do gênero, o d?Orsay é o terceiro museu mais visitado da capital francesa e o décimo do mundo. No mercado internacional de arte, a comercialização de telas produzidas pelos grandes mestres do movimento bate sucessivos recordes. O atual pertence a Os Jogadores de Cartas, pintado por Cézanne em 1895 e vendido à família real do Catar por um armador grego, em 2011, por 250 milhões de dólares ? a mais alta transação desse tipo já realizada. Exposições envolvendo o tema e seus autores costumam arrastar multidões. Há quinze anos, uma mostra de 31 telas de Claude Monet levou 432?000 cariocas ao Museu Nacional de Belas-Artes. O mesmo fenômeno promete se repetir agora. A tomar como padrão o que aconteceu em São Paulo, onde 320?000 pessoas viram as pinturas vindas de Paris entre julho e setembro, a espera e as filas devem ser longas. “As obras impressionistas, que na época em que foram feitas chegavam a chocar os franceses por suas inovações, hoje fascinam pela abordagem inusitada do colorido e da luminosidade”, explica o professor da Escola de Belas-Artes da UFRJ Michel Masson.
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A mostra a ser aberta na próxima semana começou a tomar forma no fim de 2011. Como resume o seu nome, o objetivo é resgatar a atmosfera de Paris do fim do século XIX e início do seguinte, quando a modernização da cidade era fonte inspiradora dos artistas. Por parte do CCBB, havia, obviamente, o desejo de que se pudesse trazer o maior número possível de obras-primas. “Não chegamos a pedir uma tela específica, mas ficou claro, desde o início, que queríamos quadros de primeira linha”, diz Marcelo Mendonça, diretor do centro cultural no Rio. Para isso, foram investidos 11 milhões de reais na organização da exposição. O resultado é deslumbrante. O Tocador de Pífano (1866), por exemplo, é uma das criações mais importantes de Manet, precursor do impressionismo e criador de ícones como Olympia e Le Déjeuner sur l?Herbe. De Monet, há O Lago das Ninfeias, Harmonia Verde (1899) e A Estação Saint-Lazare (1877), paisagens completamente distintas, mas que têm em comum o tratamento inigualável da luz. Cézanne comparece com um expressivo autorretrato, pintado por volta de 1875, enquanto Degas e Van Gogh vêm com uma pintura cada um ? o francês com o inusitado Dançarinas Subindo uma Escada (concluído em 1890) e o holandês com O Salão de Dança em Arles (1888).
Uma exposição como essa não se faz sem um minucioso planejamento. O primeiro desafio foi trazer as pinturas. Por razões de segurança, os quadros foram despachados separadamente, em sete lotes, e enviados por avião de Paris para São Paulo. Seis vieram em voos comerciais e apenas um em cargueiro. Para preservar a integridade, foram acondicionados em embalagens climatizadas, feitas de material de alta resistência. Encerrada a temporada na capital paulista, as telas vieram para o Rio em seis caminhões escoltados por equipes armadas. Para aclimatá-las à cidade, foi construída uma sala especial no hall de entrada do prédio do CCBB. Ali elas ficarão guardadas até o momento de ser penduradas na parede. Os cuidados continuam no período da mostra propriamente dita. As salas ganharam uma antecâmara para reduzir ao mínimo o contato com o ar externo. O rigor com as condições atmosféricas é tamanho que funcionários do centro cultural farão medições periódicas da temperatura e da umidade. Esses dados serão enviados à sede do museu. O acesso será controlado, com um limite máximo de pessoas por sala ? número que ainda está sendo calculado, mas que deve ser o dobro do padrão adotado em São Paulo (cinquenta visitantes por ambiente), uma vez que o espaço carioca é maior. “É uma medida que não só garante maior segurança como também torna a contemplação mais agradável”, afirma a arquiteta carioca Virginia Fienga, chefe do departamento de museografia do D?Orsay.
O visitante que for ao CCBB provavelmente se surpreenderá com a mise-en-scène criada para receber as telas. Em vez das previsíveis paredes claras em tons neutros e pastel, comuns em produções desse tipo, optou-se por pintar as salas de violeta, verde-musgo, azul-marinho e chumbo, entre outras cores berrantes. É a mesma paleta adotada recentemente na antiga estação parisiense, que, depois de uma grande reforma, reabriu as portas em 2011 com as salas modernizadas. O uso desse recurso por aqui visou a estabelecer um paralelo com os ambientes da sede francesa, cujo objetivo é fortalecer a marca D?Orsay mundo afora. Criado a partir de uma coleção inicialmente baseada no Museu de Luxemburgo e posteriormente transferida para o Louvre e o Jeu de Paume, o museu passa por um grande processo de revitalização. A atual administração acredita que o modelo apoiado na exibição de uma coleção permanente, adotado desde a abertura, há 26 anos, começa a dar os primeiros sinais de esgotamento. Nesta nova fase, ganharam destaque as mostras itinerantes, como a que acontece no Brasil. É uma estratégia diferente da empregada em museus como o Louvre e o Guggenheim de Nova York, que procuram obter maior projeção por meio da abertura de filiais em outros países. “Nós acreditamos que exposições internacionais são uma maneira bastante eficaz de atingir novos públicos. E o Brasil, para nós, é importantíssimo, já que há cada vez mais brasileiros em nossas salas”, explica o presidente Guy Cogeval, que planeja novas investidas por aqui. Para nós, trata-se de uma oportunidade maravilhosa de ver, ou rever, os tesouros da velha estação de trens à margem esquerda do Sena.
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