Sinais da reforma recente, a exemplo do coruscante tom amarelo pintado na fachada, fazem com que o casarão de três andares construído no início do século passado se destaque na paisagem da Rua da Carioca. A tendência é que essa sensação só aumente: após quatro anos e quase 4 milhões de reais (precisamente R$ 3 826 696,93) consumidos em obras patrocinadas pela Petrobras e pelo BNDES, o vistoso imóvel tombado vai abrigar a Casa do Choro. O lar oficial do pioneiro gênero musical brasileiro, natural do Rio de Janeiro, abre as portas no sábado (25). No mesmo dia e no domingo (26), para celebrar a inauguração, o VI Festival Nacional do Choro leva à vizinha Praça Tiradentes vinte apresentações de um time irretocável. A lista aguardada vai dos grupos Época de Ouro, Galo Preto e Água de Moringa a instrumentistas famosos, como Yamandu Costa (violão de sete cordas) e Hamilton de Holanda (bandolim). Em meio a tanta festa, Luciana Rabello tem razões especiais para comemorar. “É uma sensação de missão cumprida. Quero fazer um lugar de portas abertas, atraente para o público em geral”, diz a presidente da entidade, cavaquinista de mão-cheia e dedicada pesquisadora musical.
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No cartório, o Instituto Casa do Choro nasceu oficialmente em 1999. Seus fundadores, músicos interessados em preservar e divulgar a história e o repertório do gênero, criaram uma razão social sem-teto, mas foram otimistas desde o início. “Pensamos nesse nome porque eu já vislumbrava a ideia de ter uma sede para reunir todo o material”, conta Luciana. Ela se refere ao tesouro garimpado durante quinze anos. Vão para a casa nova, entre outras peças, 15 000 partituras, que remontam aos primórdios do choro, e 2 000 discos, divididos em álbuns de 78 rotações e LPs, além de vasto acervo bibliográfico e iconográfico (veja o quadro abaixo). Desde 2000, a atuação do grupo desdobrou-se na Escola Portátil de Música, hoje um portento com 37 professores e 1 200 alunos instalado no câmpus da UniRio, na Urca, e na gravadora Acari Records. O selo criado por Luciana e pelo violonista Mauricio Carrilho (vice-presidente do instituto) tem em seu catálogo preciosidades como a coleção Princípios do Choro, que reúne em quinze CDs gravações de 214 obras compostas entre os anos 1830 e 1880.
Todas essas frentes — os trabalhos de pesquisa, educação e produção musical — encontram abrigo na Rua da Carioca, número 38. Doada pelo governo do estado, a casa de 700 metros quadrados ganhou oito salas de aula, estúdio de gravação, centro de pesquisas e auditório com capacidade para 120 pessoas. Cada cômodo homenageia um ícone: nas placas leem-se os nomes de estrelas de gerações diversas, como Anacleto de Medeiros (1866-1907), Jacob do Bandolim (1918-1969) e Raphael Rabello (1962-1995), irmão caçula de Luciana e um dos maiores violonistas brasileiros. Na programação prevista para o segundo semestre, palestras, oficinas e encontros musicais vão ocupar o auditório e o espaço de convivência do último andar.
Surgido no século XIX, como um modo todo nosso de tocar sons importados, a exemplo da polca, o choro tornou-se um pioneiro gênero musical brasileiro e chega aos dias atuais em forma invejável, ouvido nas rodas e na academia. “As universidades, ainda hoje focadas no clássico, começam a ter mais abertura para a música popular”, observa o bandolinista Pedro Aragão, doutor em história do choro, professor de história da música popular e brasileira e de prática de conjunto na UniRio e um dos diretores do instituto. Nada mais justo, portanto, que se inaugure, na semana do Dia Nacional do Choro, 23 de abril, não à toa aniversário do papa Pixinguinha (1897-1973), uma bela casa amarela para essa história com tanto passado, presente e futuro.