Em 1812, os irmãos Wilhelm (1786-1859) e Jacob Grimm (1785-1863) lançaram aquele que seria seu livro mais famoso: Contos Maravilhosos para as Crianças e para o Lar. Lá estavam 86 histórias, muitas das quais entrariam para o cânone da literatura infantil, como A Bela Adormecida e Branca de Neve. Apesar do título singelo, a coletânea não economizava na crueldade. Decapitação, canibalismo e mutilações são algumas das barbaridades presentes nos enredos, que acabariam suavizadas ao longo do tempo. Duzentos anos depois da publicação, o ator, autor e diretor José Mauro Brant decidiu recuperar o espírito original daquelas narrativas em um espetáculo com duas versões – uma para as crianças e outra para os adultos. O resultado é o musical Era uma Vez… Grimm, em cartaz no Teatro Sesc Ginástico, com direção de Brant e Sueli Guerra e composições de Tim Rescala (leia informações sobre os dias, horários e preços dos ingressos nas págs. 63 e 67). Três contos são apresentados: Chapeuzinho Vermelho, O Junípero e Cinderela. “As histórias sempre tiveram esses dois públicos. Quis homenagear os autores contando-as como foram escritas”, explica Brant.
Elenco, cenário e figurinos se repetem nas duas montagens. Mas, para agradar ao público dos 8 aos 80 anos, algumas alterações foram feitas, a começar pela duração dos espetáculos (veja o quadro). As diferenças são, em sua maioria, sutis. Em O Junípero, a cena em que a madrasta corta a cabeça do enteado é mostrada indistintamente, com direito à projeção de um esguicho de sangue. Na encenação para os pequenos, porém, o menino é encarnado por um boneco, enquanto na outra o próprio Brant interpreta a criança. Em um trecho de Cinderela, que vale para as duas atrações, a mãe, desesperada para que uma das filhas se case com o príncipe, corta os pés delas para que caibam no sapato de cristal. “Na sessão infantil, os pais riem de nervoso, mas a garotada recebe tudo com naturalidade”, diz o adaptador.
A suavização de temas e passagens espinhosas é recorrente em contos de fadas. Em muitos casos, a versão consagrada é aquela edulcorada em desenhos da Disney. Apaixonado desde a infância por essas histórias, Brant tinha o desejo antigo de fazer um projeto que recuperasse a crueza da narrativa original, mas que pudesse também ser apresentado a uma plateia de crianças. A ideia de produzir um mesmo espetáculo direcionado a públicos díspares surgiu em 2010, quando ele assistiu às versões de A Pequena Sereia, uma só com bonecos e a outra com atores, dirigidas por Miguel Vellinho. Na peça em cartaz, todo o processo de concepção se deu com uma montagem única em mente. “Só a um mês da estreia começamos a enxugar a trama e inserir as adaptações para o espectador infantil”, conta a codiretora Sueli Guerra. Deu certo: cada uma a sua maneira, a audiência mirim e a mais crescida saem satisfeitas do teatro.