Pouca gente se lembra do vaso sanitário ultratecnológico polonês, com assento térmico, que havia no apartamento do ex-governador Sérgio Cabral e de sua mulher, Adriana Ancelmo, no Leblon, exibido ao público pela Operação Calicute. Os vinte ternos Ermenegildo Zegna que custavam entre 18 000 e 140 000 reais cada um e que estavam no closet também caíram no esquecimento. Mas das joias do casal todo mundo se recorda. Compondo um tesouro digno de Ali Babá, peças de ouro, diamantes e outras pedras preciosas, avaliadas em mais de 10 milhões de reais, foram adquiridas para ocultar dinheiro de propina. No epicentro do escândalo, que voltou à tona no dia 23 durante o depoimento de Cabral ao juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara da Justiça Federal, duas tradicionais joalherias cariocas, a H. Stern e a Antonio Bernardo, tiveram a reputação arruinada. O impacto foi tal que as reverberações se expandiram e o setor como um todo saiu chamuscado. “As joalherias enfrentam uma grave crise de credibilidade”, afirma Carla Pinheiro, presidente da Associação dos Joalheiros e Relojoeiros do Estado do Rio (Ajorio), entidade que luta para restabelecer a confiança dos consumidores e promover o crescimento do ramo. “Joia não é coisa só de rico, muito menos de ladrão”, defende.
Em meio aos estragos no mercado carioca de acessórios de ouro, prata, pedrarias e afins, amigos da designer Luisa Schroder, 27 anos, filha de Carlos Henrique Schroder, presidente da Globo, propiciaram um retrato bem-humorado da situação. “Comprar joias, agora, só no ateliê da Luisa Schroder, que é honesta e faz acessórios lindos”, publicou um colega na internet. O recado divertido chamou atenção para um setor com faturamento em torno de 1,6 bilhão de reais por ano, o que representa 15% do total nacional. São 3 200 empresas e ateliês no estado, a maioria pertencente a pequenos empreendedores. “É justamente nesses empresários que estamos pondo nosso foco para renovar o setor. Mas eles precisam estar capacitados para assumir esse papel”, afirma Ângela Andrade, diretora-executiva da Ajorio à frente de projetos como o novíssimo Laboratório de Joias do Senai, no Maracanã. Fruto de uma parceria com a Federação das Indústrias do Rio (Firjan), que investiu 4 milhões de reais na estrutura, o centro de 250 metros quadrados e equipamentos de última geração vai oferecer cursos que abrangem todas as etapas de fabricação da joia. Além de proporcionar aprendizado, o projeto quer transformar o local num espaço de experimentação e inovação. Sócia da grife Odara, Rachel Sabbagh, que já desenvolveu peças exclusivas para uso nas gravações de novelas da Globo, vale-se do moderno maquinário do lugar para testar novas ligas de metal. “Aqui disponibilizam até impressoras 3D para protótipos, que na maioria dos ateliês são feitos de forma arcaica”, conta Rachel.
Como parte do esforço de renovação e ampliação do setor, a Ajorio tem firmado parcerias com entidades como o Sebrae. Com isso, os profissionais têm acesso a aulas, seminários e serviços como boletins de tendências e de inteligência de mercado. “O e-commerce é uma das grandes apostas para conquistar os clientes mais jovens e se adequar ao futuro do consumo”, avalia Fabiana Pereira Leite, coordenadora de moda do Sebrae. Em outubro, foi lançado o site de compras É do Rio, no qual é possível conhecer e comprar peças de oito marcas cariocas (todas chanceladas, diga-se). O endereço virtual integra um projeto maior, homônimo, que engloba ainda um guia impresso bilíngue, em português e inglês, distribuído em hotéis e albergues, com a lista dos setenta ateliês mais descolados da cidade. “Chega desse conceito de joalheria em aeroporto e saguão de hotel, com vendedoras de terninho. Precisamos apresentar novidades aos turistas”, afirma Carla, da Ajorio.
Outro estímulo é a participação das novas joalherias em feiras jovens como Babilônia Feira Hype, OCluster e Coletivo Carandaí. Ourives e designer, Livi Pires foi além e criou o Joialerismo Expo, um evento só de acessórios. A quinta edição está marcada para 2 de dezembro no Istituto Europeo di Design (IED), na Urca. Serão 23 expositores com peças que custam entre 100 e 2 000 reais. “As pessoas estão buscando exclusividade com preço justo e transparência, o que os pequenos produtores podem oferecer”, afirma a criadora do bazar. Não deixa de ser uma iniciativa louvável, levando-se em conta o esforço para que escândalos como os que envolveram as grandes joalherias não se repitam.