A carreira de altos e baixos do jogador Adriano ganhou mais um capítulo turbulento. Dessa vez, o atacante do Corinthians é suspeito de disparar o tiro que atingiu a mão da jovem Adriene Cyrilo Pinto após uma noitada na Barra da Tijuca. O incidente aconteceu na madrugada do último sábado (24), dentro da BMW do atleta e conta com versões contraditórias. O atleta nega que seja culpado pelo acidente. Segundo versão apresentada por ele durante depoimento prestado na tarde de sábado no hospital Barra D’Or, Adriano estava sentado no banco da frente do carro e não tocou na arma. Seu segurança, o tenente da reserva da PM Júlio César Barros, afirmou ainda que deixou a arma embaixo do assento do motorista e, com a movimentação do veículo, a pistola calibre 40 teria escorregado para trás e Adriene teria se acidentado ao tentar manuseá-la. Caso seja comprovado que o acidente foi causado por Adriano, ele terá de responder por lesão corporal culposa (sem intenção) e fraude processual por induzir falsos testemunhos. Os crimes estão sujeitos a pena de prisão que varia de seis a quatro anos de prisão. Em março de 2010, VEJA RIO publicou uma extensa reportagem contendo revelações estarrecedoras envolvendo a proximidade do ídolo do futebol e de seu então companheiro no Flamengo, Vagner Love, com o tráfico de drogas. Leia a reportagem a seguir:
Fora de campo, longe da alegria dos estádios, a semana passada foi marcada por duas revelações estarrecedoras envolvendo a proximidade de dois dos maiores ídolos do futebol carioca com o tráfico de drogas. No domingo (14), o programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu um vídeo que mostrava o jogador Vagner Love, do Flamengo, chegando a um baile funk na favela da Rocinha escoltado por bandidos. Ao lado do craque, marginais exibiam com desenvoltura armas como fuzis – um deles escandalosamente pintado de dourado – e um lançador de morteiros AT4, capaz de abrir um rombo na carroceria de um Caveirão, o veículo usado pelo Bope em operações de combate ao crime. Dois dias depois, uma bomba: o jornal O Dia revelou uma transação suspeitíssima protagonizada pelo companheiro de Love no ataque do clube da Gávea, Adriano.
Ídolo rubro-negro, o Imperador comprou uma motoclicleta Honda Hornet preta, de 600 cilindradas, capaz de atingir uma velocidade de 220 quilômetros por hora, e registrou o bólido no nome de Marlene Pereira de Souza, uma senhora de 64 anos que nem sequer tem carteira de habilitação. Moradora da Chatuba, um dos morros do Complexo do Alemão, Marlene é mãe de Paulo Rogério de Souza Paz, o Mica, de 32 anos, chefe do tráfico naquela área da cidade e amigo próximo do atleta. A Chatuba, não por coincidência, já havia alcançado súbita notoriedade na semana anterior, quando Adriano e sua namorada, Joana Machado, protagonizaram uma briga fenomenal às portas de um baile funk local. O traficante Mica, um dos homens mais procurados do Rio de Janeiro, contra o qual existem sete mandados de prisão, era um dos anfitriões da balada.
Apesar de gravíssimos, os fatos e as declarações que sucederam às duas notícias seguiram a cartilha habitual da banalização do mal. De forma protocolar, a Polícia Civil e o Ministério Público anunciaram a abertura de investigações para apurar o vínculo dos jogadores com o banditismo carioca. Um pedaço da imprensa se calou, alegando que a vida privada dos atletas não lhe diz respeito. Dentro do clube rubro-negro, os episódios foram minimizados. O comando do Flamengo preferiu fazer vista grossa, justificando tal comportamento como inevitável. “Não temos como proibir que eles voltem ao lugar de onde vieram”, diz Michel Assef Filho, advogado do clube. E os envolvidos, mostrando todo o seu raciocínio distorcido, sentiram-se injustiçados.
Em sua única entrevista sobre o assunto, Vagner Love disse à reportagem da TV Globo que considera normal andar ao lado de traficantes armados até os dentes. “Já perdi muitos amigos na criminalidade, mas nunca usei drogas. Não vou deixar minhas origens e minhas raízes”, afirmou o jogador, que no Palmeiras, de São Paulo, seu clube anterior, comemorava os gols imitando um pistoleiro que dava tiros. Depois da briga na favela, Adriano comemorou um gol mostrando uma camisa com os dizeres “Que Deus perdoe as pessoas ruins” e se calou sobre o episódio da motocicleta. Em sua lógica peculiar, as “pessoas ruins” são aquelas que o criticam, e não os parceiros de noitada que andam com fuzis, matam pessoas, estragam a vida de outras tantas e são hoje a maior chaga social da cidade do Rio de Janeiro.
Há um conceito recorrente na sociologia brasileira segundo o qual os únicos meios garantidos de ascensão social dos pobres são a música, o futebol ou o narcotráfico. De certa forma, esse axioma carregado de cinismo e crueldade explica a proximidade dos ídolos do esporte com os fora da lei. Cada um à sua maneira, eles encarnam um modelo de sucesso: o craque simboliza a consagração pelo talento esportivo e o traficante, o poder dentro da favela. Quando eles se juntam, no entanto, dois fenômenos perversos acontecem. O primeiro é a confusão que se instala na cabeça de milhões de crianças e jovens que idolatram figuras como Adriano,Vagner Love e outros tantos jogadores envolvidos em situações parecidas.
Goste-se ou não, eles são vistos como heróis, como exemplos por uma multidão de meninos e meninas, de todas as classes sociais. A segunda consequência também é nefasta. Da união com o crime, o beneficiado é sempre o bandido, que, de certa forma, legitima a sua posição. “Quando celebridades aparecem ao lado de traficantes, isso fortalece o poder desses marginais nas áreas que eles dominam”, afirma a ex-policial e deputada federal Marina Magessi (PPS-RJ). Marina conhece bem o assunto. Há cinco anos, ela atuou como chefe de investigação de um incidente semelhante envolvendo o goleiro Julio Cesar, da Inter de Milão e titular da Seleção Brasileira. Na época, o atleta foi flagrado em um grampo feito pela Polinter pedindo ajuda ao chefe do tráfico da Rocinha, Erismar Rodrigues Moreira, o Bem-Te-Vi, para localizar um carro roubado. Para a deputada, além da clara irresponsabilidade, esses episódios revelam um componente de deslumbramento. “Nesses lugares, eles são assediados e têm escolta armada. E se deixam levar, sem perceber o prejuízo que causam à sua própria imagem.”
Evidentemente, ninguém quer nem pode proibir as visitas de jogadores ao local de onde vieram. O que se recrimina é a maneira como alguns vêm fazendo isso. Sob a desculpa do “não posso abandonar minhas raízes”, eles se juntam a traficantes em seu mundo paralelo, e muitos ficam convencidos de que, no fundo, são até legais porque não viraram as costas aos amigos do passado. Pois é possível estar próximo aos seus sem comprar motos nem pedir favores a marginais. Na posição de atleta consagrado, dá para fazer melhor: tentar influenciar as crianças a seguir o seu caminho, e não o dos bandidos.
É o que faz o lateral-direito Cafu, capitão da Seleção Brasileira de Futebol campeã na Copa de 2002. Craque dentro e fora de campo, ele mantém um projeto assistencial no paupérrimo bairro de Jardim Irene, na periferia de São Paulo, onde passou toda a sua infância. Localizado em uma das franjas do distrito de Capão Redondo, o segundo mais violento da capital paulista, o bairro não é muito diferente das favelas do Complexo do Alemão. Dos amigos de infância, com quem ele costumava jogar bola, dois foram mortos pela polícia e um terceiro, que era vigilante, por criminosos. Outros quatro cumpriram pena por roubo. Há muitos anos que Cafu e sua família não vivem mais no Jardim Irene – o que não significa que ele tenha menor apreço pelas suas origens.
Se no Brasil episódios envolvendo derrapadas de conduta de esportistas acabam caindo no esquecimento ou na indiferença, o mesmo não acontece em outros países. Nos Estados Unidos, por exemplo, ídolos flagrados em situação parecida enfrentam um verdadeiro bombardeio em praça pública – que invariavelmente só acaba depois de um vexatório ato de contrição em frente a um batalhão de repórteres e câmeras de TV. Foi o que aconteceu com o nadador Michael Phelps meses depois de ele se tornar o maior fenômeno da Olimpíada de Pequim, em 2008, ao conquistar oito medalhas de ouro.
Em fevereiro do ano passado, o jornal inglês News of the World publicou uma série de fotos que mostravam o atleta fumando maconha com um cachimbo de vidro em uma festa. Foi um desastre para a reputação de Phelps, então com apenas 23 anos. No mesmo dia em que as fotos foram divulgadas, o recordista veio a público com um constrangido pedido de desculpas: “Eu incorri em um comportamento do qual me arrependo. Sinto muito. Prometo a meus fãs e ao público em geral que isso jamais se repetirá”. O escândalo levou um dos principais patrocinadores de Phelps, a fabricante de cereais Kellog’s, a cancelar um contrato publicitário milionário com o esportista. Outro que passa por um abalo na imagem é Tiger Woods, um dos maiores golfistas de todos os tempos. Mesmo com a carreira repleta de títulos, ele abandonou temporariamente o esporte por causa de uma série de casos extraconjugais. Pela pressão da opinião pública e de seus patrocinadores, Woods convocou ainda uma entrevista coletiva para, de cabeça baixa, desculpar-se. “Estados Unidos e Brasil são duas sociedades completamente diferentes, incomparáveis”, analisa o escritor Ruy Castro, rubro-negro fanático e autor do livro Estrela Solitária – Um Brasileiro Chamado Garrincha.
Por aqui, as ligações perigosas entre o futebol, as bebidas e as drogas têm longo retrospecto, sob o olhar complacente da maioria. Herói da Copa de 62, o genial Mané Garrincha, já no fim da carreira, bebia antes dos treinos, pela manhã. Sua mulher, Elza Soares, era uma das poucas pessoas que compreendiam o tamanho da tragédia que se abatia sobre o anjo das pernas tortas. Antes das partidas, ela percorria os bares em torno dos estádios para pedir aos donos das biroscas que não vendessem bebida ao jogador. Ele acabou morrendo de cirrose hepática aos 49 anos. O detalhe é que Garrincha fez muito mal a si próprio, mas jamais se envolveu com traficantes.
Com a década de 80, a cocaína chegou firme às festas e aos gramados brasileiros – e com ela a proximidade entre atletas e crime organizado. O relato mais impressionante desse universo foi dado no livro escrito pelo ex-jogador Paulo Cesar Caju, campeão mundial em 1970. Em sua autobiografia publicada em 2006, Dei a Volta na Vida, ele conta como começaram as suas relações com a droga. “Primeiro eu só experimentava e achava que podia controlar, mas, quando vi, já estava totalmente envolvido”, disse recentemente o ex-jogador, hoje com 61 anos. A pior fase do vício aconteceu depois de 1987, quando se aposentou. Morando de volta no Rio, costumava subir a Rocinha para jogar peladas em uma quadra no alto da favela. “O dono do morro era botafoguense e dizia que era meu fã”, contou. A recuperação só veio quase duas décadas mais tarde, quando um amigo médico o advertiu de que corria risco de morrer se continuasse a consumir narcóticos.
Por ano, são realizados cerca de 20 000 exames antidoping no mundo do futebol. Desse total, apenas 1% apresenta resultado positivo. Mas, ao contrário do que acontece em outras modalidades esportivas, metade desses testes está ligada a maconha e cocaína, também chamadas pelos especialistas de drogas sociais por não terem vínculos com o desempenho do atleta. Ou seja: a cada temporada, 100 jogadores são pegos usando essas substâncias. E, de acordo com a Fifa, a poderosa entidade que dirige o esporte no planeta, elas são hoje as principais ameaças à modalidade. Aqui no Rio houve alguns casos clássicos. Sem muito apoio, espera-se que os jogadores dos times do Rio entendam, por eles próprios, que a posição de ídolo traz a reboque muitas alegrias, mas também responsabilidades. Dentro e fora de campo.