Foi um Carnaval e tanto. O número de tiroteios registrado no estado ao longo de oito dias, até a Quarta-feira de Cinzas, saltou de 68, em 2017, para 140, neste ano, segundo dados do aplicativo Fogo Cruzado. Democrática, a bala voou da periferia à Avenida Afrânio de Melo Franco, no Leblon, palco de confronto entre policiais e bandidos no domingo (11) — no dia seguinte, mais um arrastão assustou passantes na vizinha Ipanema. As autoridades não explicaram muito até agora, mas, seguramente, a repercussão de recentes episódios de violência no noticiário jornalístico e nas redes sociais contribuiu para a inédita decretação de intervenção federal na segurança fluminense. Nesse cenário conturbado, a folia na Lapa trouxe, curiosamente, boas-novas. Por lá, cerca de 50 000 pessoas fizeram festas diárias na rua, com glitter, confete e serpentina, sem que fossem registradas cenas de criminalidade explícita. Houve transtornos, é claro, mas nada comparável ao que ocorreu em outros cantos. No bairro, a relativa tranquilidade dos dias de Momo pode ser resultado de um movimento conjunto de empresários da região — ação coordenada com o poder público que tem tudo para servir de exemplo.
No primeiro trimestre de 2017, a Lapa ocupava o segundo lugar entre os bairros cariocas com maior incidência de assaltos a pedestres — perdia apenas para Madureira — e liderava o ranking no número de roubos de celulares. Estatísticas negativas se materializavam em vídeos de assaltos a turistas no entorno dos Arcos da Lapa. Para evitar o impacto da má imagem local nos negócios, o Polo Novo Rio Antigo, entidade criada em 2005, que hoje reúne 66 empresários, procurou reforçar a segurança na região. A pedidos, uma viatura da PM passou a dar plantão por ali, das 8 às 19 horas. Além disso, o expediente do projeto Lapa Presente foi estendido em uma hora a partir de setembro, depois que arrastões em dois fins de semana seguidos tiraram o sossego dos presentes. Hoje, após a adoção dessas e de outras medidas simples, a Lapa mudou de patamar. Agora, figura entre as localidades cariocas com menos roubos de celular (está em terceiro lugar) e assaltos a pedestres (15º).
É bom reforçar: não estamos “a dois passos do paraíso”, como cantou a banda Blitz no Circo Voador, mas a integração entre instâncias públicas e privadas oferece caminho interessante. “Toda vez que nos reunimos, é certo que vamos gritar e melhorias vão acontecer”, resume Maria Juçá, diretora do Circo e integrante do Polo Novo Rio Antigo. Exemplo vistoso de iniciativas nessa linha, um canteiro verde enfeita a Praça Cardeal Câmara, diante dos Arcos, desde 2016. Batizado de Mutirão Olho D’Água, o espaço, com 1 000 mudas de trinta espécies, é cultivado pelo Coletivo Organicidade, em parceria com a vizinha Fundição Progresso e a prefeitura. Perto dali, na esquina da Rua do Lavradio com a Visconde de Rio Branco, sete palmeiras e três ipês são cuidados por funcionários do Rio Scenarium, um dos empreendimentos de Plínio Fróes, pioneiro na luta pela revitalização do bairro.
Outro militante de longa data das causas da Lapa, Thiago Cesário Alvim é dono da casa de shows Carioca da Gema e presidente do Polo Novo Rio Antigo. O empresário foi um dos primeiros a apostar nas noites de samba que deram novos ares à boemia local, quando inaugurou o Emporio 100, em 1997. Hoje, entende que, para defender seu ponto comercial, precisa ocupar a rua. A mais recente investida do grupo são os eventos temáticos que reúnem programação em lugares variados (veja o quadro). No calendário de 2018 estão previstos encontros como o Dia Nacional do Choro e o Dia do Garçom, entre outros. Parceiro de Cesário Alvim nessa e em outras missões, Gustavo Marins Ribeiro, gerente do centenário Bar Brasil, levanta outra questão importante. “Todas as casas aqui da Lapa cuidam do próprio lixo, mas os camelôs não fazem isso, daí a sujeira nas ruas”, diz. Pronto: já temos assunto para a próxima reunião do Polo. ß