Não há dúvida de que o mercado carioca de gastronomia está em plena ebulição. Diferentemente de outros setores da economia, que enfrentam estagnação, o número de bares e restaurantes cresce cerca de 10% a cada ano. Segundo apontam especialistas, a tendência é que esse aumento ainda se acentue, visto que em 2016, durante a disputa dos Jogos Olímpicos, o Rio espera receber cerca de 1 milhão de pessoas. Diante desse bom momento, as cozinhas têm sido invadidas: cada vez mais profissionais de países vizinhos da América do Sul escolhem trabalhar por aqui. A legião latina está ocupando desde os botecos instalados em favelas, como é o caso do Bar do Alto, no Morro da Babilônia, onde dois colombianos dão expediente, até os endereços elegantes dos hotéis da orla. O melhor exemplo é o francês L’Etoile, no Sheraton de São Conrado, cuja equipe reúne argentinos, uruguaios, chilenos e colombianos. “O cenário é muito favorável: a cidade é linda e está na moda, há estabelecimentos sendo abertos e é possível crescer e construir uma carreira sólida por aqui”, diz o chef argentino Emmanuel Serrano, que chegou há dez meses e não tem nenhum plano de voltar para uma casa portenha.
Apesar de os atrativos naturais serem um chamariz a mais para os imigrantes, a crise econômica que assola as nações desenvolvidas é o que de fato alterou a geografia dos deslocamentos. Com os investimentos gerados pela indústria do petróleo e a organização de grandes eventos, o Rio acabou se tornando uma opção para quem sai dos países vizinhos em busca de novas perspectivas. Se antes o sonho dourado de qualquer jovem cozinheiro da América do Sul era conseguir um emprego em algum restaurante europeu ou americano, agora a capital fluminense também faz parte dessa atraente rota na qual existem oportunidades de crescimento e melhores salários. “Trabalhei anos na Argentina, e pagam muito pior. Por mais alto que seja o custo de vida por aqui, os salários compensam”, diz o chileno Aldo González, hoje no Zot Gastrobar, mas com passagens por Chez L’Ami Martin e Oro. Com mais uma vantagem crucial para a turma que vem de fora: o processo de liberação do visto de trabalho para quem possui o passaporte do Mercosul é bem mais simples e rápido. “Aqui é mais fácil conseguir trabalhar dentro da legalidade, o que é muito complicado na Europa e impede o crescimento profissional por lá”, garante González.
Para os donos de bares e restaurantes, a contratação de mão de obra internacional é benéfica por dois motivos. O primeiro é a cultura gastronômica que já vem na bagagem. Chef e sócio do Tupac e do Lima Restobar, o peruano Marco Espinoza acredita que a familiaridade dos conterrâneos com a culinária típica é fundamental para que os pratos saiam autênticos. Ele contratou oito peruanos, que se dividem entre as duas casas. “É muito mais fácil reproduzir as receitas regionais quando os profissionais já têm alguma intimidade com os ingredientes locais. Os brasileiros aprendem bem, mas ainda não é a mesma coisa”, diz ele. Os proprietários do Zot, de cardápio mais variado com uma pegada contemporânea, apontam o outro motivo. Ali, o que conta pontos a favor dos estrangeiros é a dedicação ao trabalho. “Os imigrantes têm um comprometimento bem maior. São mais disciplinados e chegam querendo batalhar. Já o brasileiro acha que nasceu chef, quer assumir uma cozinha sem picar uma cebola antes”, dispara Andréa Svaiter, que abriu a casa em 2012.
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Seja qual for a nacionalidade dos recém-chegados, a árdua e extenuante rotina nas cozinhas não deixa muito tempo livre para que eles aproveitem a cidade. É na frente dos fogões que passam a maior parte do dia. E, quase sempre, da noite também. Curtir a brisa da praia, para o argentino Juan Vicente Prieto, de 23 anos, só aos domingos, quando tem tempo de sair do Vidigal, onde mora, e ir de skate pela orla até o Zot Gastrobar, onde trabalha. Mas, para ele, a intensa convivência com os brasileiros na cozinha compensa a provação. O espírito alegre, tão característico do carioca, gera brincadeiras e, obviamente, provocações. Principalmente quando o assunto é futebol. Juan lembra que os argentinos não perdoaram os rivais após a vexaminosa eliminação do Brasil para a Alemanha com a histórica goleada por 7 a 1. Só que depois ouviram bastante quando a seleção liderada por Lionel Messi perdeu para a mesma Alemanha na final. “Tive de aguentar muitas piadinhas. Mas essa é a parte boa: sem dúvida, o dia a dia aqui é muito mais animado do que em qualquer outro lugar onde já trabalhei”, diz. Se nas ruas o samba é que reina na cidade, diante das panelas parece que o tango e a cumbia também fazem lá o seu barulho. ■