Escrita sobre um espelho instalado no corredor que separa o setor de serviço da área dos hóspedes, uma frase resume em treze palavras a atmosfera do Copacabana Palace: “Confira o seu humor e a sua aparência, você vai entrar em cena”. Não há exagero na recomendação feita aos funcionários que transitam entre os dois mundos. O Copa é um universo à parte no Rio, graças a quase nove décadas marcadas por serviços de primeiríssima linha, charme e glamour. Desde sua inauguração, em 1923, suas suítes, apartamentos, restaurantes e magnífica piscina tornaram-se palco de chefes de governo, estrelas de cinema e ídolos da música. No dia 3 de julho, uma parte do grandioso cenário por onde desfilaram incontáveis celebridades estará à venda nos salões do prédio principal. Na ocasião, 1?040 peças que adornaram as dependências mais antigas do complexo da Avenida Atlântica serão levadas a leilão.
Separados em lotes que incluem desde o mobiliário completo de quartos até itens avulsos, como colchas, papeleiras, abajures e toalhas de banho, os objetos datam das décadas de 20 a 50, época em que a família Guinle ainda administrava o negócio. Embora não existam indicações específicas, vários dos artigos fizeram parte da decoração dos quartos que receberam personalidades como a atriz Ava Gardner, a princesa Diana, o cineasta Orson Welles, a cantora Madonna e o roqueiro Mick Jagger. Ao contrário dos leilões tradicionais, não haverá lance mínimo. Os preços poderão variar, por exemplo, de irrisórios 10 reais a cifras incalculáveis. “Não se trata de antiguidades, mas de produtos com um grande valor agregado: são testemunhas da história do Copa”, diz a marchande Soraia Cals, responsável pela venda.
Quarto que será aberto aos visitantes: uma amostra da intimidade dos famosos
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Inspirado nos aristocráticos hotéis-palácios da Riviera Francesa, mais especificamente o Carlton, em Cannes, e o Negresco, de Nice, o Copa foi erguido com a ambição de dar à antiga capital federal uma instalação digna de receber reis e rainhas como hóspedes. O prédio principal, o mais antigo, abriga 147 suítes e apartamentos (o Anexo, inaugurado em 1949, tem outras 96 unidades). O leilão faz parte de um amplo processo de revitalização dessa ala, cuja reforma começa logo depois do encerramento da conferência Rio+20. Assim que os móveis forem vendidos e entregues a seus novos donos, as obras começam em sessenta quartos e noventa banheiros. O quebra-quebra deve durar três meses e consumir 30 milhões de reais.
O objetivo das mudanças é adequar as instalações já octogenárias às exigências atuais de um cinco-estrelas, que, além de sofisticação e conforto, precisa estar adaptado às necessidades de portadores de deficiência física. Na remodelação, o charmoso lobby, hoje considerado acanhado, será ampliado. A entrada ganhará uma marquise de vidro e aço. As suítes, com banheiros mais amplos e mobiliário novo, terão o projeto de decoração assinado pelo arquiteto francês Michel Jouannet, o mesmo que remodelou o célebre Hotel Cipriani, em Veneza, também propriedade do grupo Orient Express, dono do Copa desde 1989. “A reforma não vai mudar em nada a imagem de tradição que temos”, afirma a gerente-geral Andréa Natal. “A proposta é manter os ambientes espaçosos e juntar tecnologia e toques contemporâneos ao que já se tornou clássico.”
Tanto o leilão como os preparativos que o cercam prometem agitar a rotina do venerável prédio em frente à Praia de Copacabana. A partir do dia 25, os interessados em adquirir um pedacinho desse monumento carioca terão diversão de sobra, principalmente aqueles que nunca tiveram a oportunidade de cruzar a imponente porta giratória de freijó e vidros curvos que dá acesso à recepção. Por três dias, os apartamentos do 1º e 2º andares estarão abertos à visitação, arrumados como se estivessem à espera de seus hóspedes, em uma espécie de mostruário do acervo em liquidação. Outra leva de objetos vintage, como escrivaninhas, tapetes kilim, cômodas, cadeiras, espelhos e reproduções de gravuras, será exposta nos salões frontais a partir do dia 28. A previsão é que o leilão renda cerca de 1 milhão de reais, mas a verdadeira intenção dos organizadores não é tanto lucrar com as vendas, mas abrir espaço para a reforma o mais rapidamente possível ? tanto que o comprador tem 24 horas para retirar as peças do local. A disputa promete ser dura, principalmente entre donos de pequenos hotéis e pousadas. “Desde que começamos a organizar o leilão, nossos telefones não param de tocar. Há interessados de todo o país”, conta Cláudia Fialho, diretora de relações públicas do Copa. Afinal, o privilégio de ter na sala de casa uma poltrona na qual Lady Di pode ter se sentado há vinte anos é para poucos.