Dono da Livraria Cultura, uma das mais tradicionais de São Paulo, o empresário Pedro Herz se acostumou a ouvir cobranças de seus clientes cariocas, ansiosos por uma filial na cidade. Pois a espera finalmente acabou: no próximo dia 31, ele inaugura a sua tão aguardada loja por aqui, no Fashion Mall, em São Conrado. Ao custo de 2,5 milhões de reais, será a décima segunda unidade da rede, que conta com quatro filiais na capital paulista e mais sete distribuídas por Brasília, Campinas, Porto Alegre, Recife, Salvador e Fortaleza. Os planos de Herz não são nada modestos. Em abril do ano que vem, ele pretende abrir mais um endereço no Rio de Janeiro, desta vez no antigo Cine Vitória, na Rua Senador Dantas, no Centro. O prédio de 1939, em estilo art déco, foi tombado como patrimônio cultural, será completamente reformado e consumirá três vezes o valor investido na primeira casa carioca. Como nas outras unidades, não vai faltar espaço para se perder em meio aos livros. Em São Conrado, serão 1?100 metros quadrados projetados para abrigar cerca de 45?000 títulos. Já no Centro, ficarão em exposição 130?000 obras. O espaço terá ainda um teatro instalado no subsolo com capacidade para 200 pessoas. “O Rio sempre esteve no nosso radar”, diz ele.
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Para atrair a nova clientela, Herz vai replicar os conceitos que deram certo em São Paulo. O arquiteto responsável pela obra, por exemplo, foi Fernando Brandão, colecionador de medalhas em prêmios internacionais, com o projeto de sua principal livraria, localizada no Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Um dos atrativos do ambiente será o espaço multiuso instalado junto à seção de gastronomia, onde serão realizadas atividades ligadas ao tema ? não exatamente aulas de culinária, daquelas que ensinam a fazer receitas, embora isso não esteja descartado. “Podemos até colocar um fogão, mas nossa ideia é aproveitar o lugar para realizar encontros em que as pessoas possam aprofundar seus conhecimentos na área”, conta Herz, que é um apreciador da boa mesa, de vinhos finos e de música clássica. No teatro da filial do Centro, assim como nos outros três da rede, entrarão em cartaz peças do circuito comercial. Além disso, os dois pontos terão à venda produtos exclusivos do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), a exemplo de reproduções de quadros e fotografias em tiragens limitadas. Como se tornou obrigatório em qualquer livraria desse porte, um café garante as comidinhas entre a consulta de um livro e outro. Neste caso, docinhos e salgadinhos com a grife Garcia & Rodrigues.
Tantas novidades devem preparar a Cultura para enfrentar, de igual para igual, um gigante do mercado local. Fundada pelo mineiro Rui Campos em 1986, a Livraria da Travessa é a principal rival da rede paulistana. Isso porque as duas têm características muito semelhantes: o atendimento preza um tratamento mais pessoal e seus acervos reúnem grande variedade de obras na área cultural, ao contrário de outros estabelecimentos que ampliaram seus serviços e hoje vendem até aparelhos eletrônicos. Com sete lojas no Rio, a Travessa ainda não se arriscou a sair dos seus domínios. Na esteira do bom momento do mercado livreiro nacional, que cresceu 13% de 2009 para 2010, seu faturamento chegou a 75 milhões de reais no ano passado. Já a Cultura, no mesmo período, faturou 305 milhões de reais. Números à parte, Campos e Herz apostam numa convivência não apenas pacífica como proveitosa para ambos. “A chegada deles é uma ótima notícia”, minimiza Campos. “Como falou Millôr Fernandes, um livro leva a outro.” Do lado da Cultura, também impera o fair play: “A concorrência é estimulante. Um tenta sempre ser melhor e todos saem ganhando”.
Fundada em 1947 por Eva Herz, mãe de Pedro, a Cultura nasceu como uma espécie de locadora de livros, funcionando na própria casa da família. Seis anos depois foi inaugurada na Rua Augusta a primeira loja, que em 1969 se transferiu para a Avenida Paulista. Herz afirma que já na época acalentava o sonho de levar uma unidade para o Rio ? desejo que ganhou força em 2003, quando inaugurou em Porto Alegre o primeiro endereço fora de São Paulo. Desde então ele começou uma busca mais ativa por um ponto. As investidas, porém, esbarravam em um problema técnico: não havia imóveis bem localizados e com a enorme metragem que a Cultura demandava para abrigar parte do acervo com 3,6 milhões de livros, um terço deles importado. A menor loja da rede, na capital gaúcha, tem 2?700 metros quadrados, e a maior, em São Paulo, chega a 4?300. A dificuldade de conseguir um lugar ao sol do Rio, aliás, tem dado dor de cabeça a muitos empresários, que às vezes levam anos para conseguir se estabelecer por aqui. No caso da Cultura, uma das transações não vingadas envolvia a ocupação do Estádio de Remo da Lagoa (onde funciona agora um cinema). Em outra ocasião, houve até um namoro com o próprio Fashion Mall. Oito anos depois de começar as buscas, a história ganhou um final feliz. Para o alívio de Herz, que já tem resposta para as cobranças dos cariocas.